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Crítica

Bernardo Bauer

: "Pássaro-Cão"

Ano: 2019

Selo: Under Discos

Gênero: Indie, Folk, MPB

Para quem gosta de: Moons, Arthur Melo e Transmissor

Ouça: Calçada e Coragem

8.5
8.5

“Pássaro-Cão”, Bernardo Bauer

Ano: 2019

Selo: Under Discos

Gênero: Indie, Folk, MPB

Para quem gosta de: Moons, Arthur Melo e Transmissor

Ouça: Calçada e Coragem

/ Por: Cleber Facchi 14/06/2019

Paisagens urbanas, instantes de profunda contemplação e a melancolia dos dias. Em Pássaro-Cão (2019, Under Discos), primeiro álbum de estúdio do cantor e compositor mineiro Bernardo Bauer, cada fragmento do disco parte de experiências particulares para mergulhar em um universo dominado pela força dos sentimentos e inquietações íntimas de qualquer jovem adulto. São poemas ora metafóricos, ora descritivos, como se o músico belo-horizontino jogassem com a incerteza da própria obra. Delírio e realidade, medo e aceitação. Uma delicada sobreposição de ideias que parte misteriosa da criatura mística anunciada no título do álbum e segue até o último verso do trabalho.

Quando cê nasceu em mim / Pássaro / Tive muito medo … O meu medo era eu me atirar / Abismo abaixo / Cão que sonha tem razão / Pra desejar / Um par que voa“, canta logo nos primeiros minutos do disco, na autointitulada faixa de abertura. São versos em que reflete sobre a incerteza das relações e o permanente desejo de mudança que move qualquer indivíduo. Um lento desvendar de ideias que dialoga com tudo aquilo que Bauer vinha explorando desde o último registro de inéditas, o também doloroso Pelomenosum EP (2017).

A principal diferença em relação ao material entregue há dois anos está na forma como Bauer sutilmente amplia os limites da própria obra. Mesmo imerso em conflitos existencialistas e instantes de profunda dor, não são poucos os momentos em que o músico belo-horizontino discute diferentes aspectos das relações humanas a partir de acontecimentos recentes. “Eu tenho medo dos comentários da internet / Serem pessoas reais / Nas ruas dos bairros / Medo, medo, medo, medo / Medo de tudo“, canta em Coragem, colaboração com a conterrânea Sara Não Tem Nome em que pinta um triste retrato do atual cenário político e social do país.

Em Outros Tempos, faixa de encerramento do disco, fragmentos que utilizam da relação de Bauer com a própria família para discutir pequenas mudanças da nossa sociedade. “Oh, meu pai / Eu agradeço tudo o que me fez e ensinou / Mas ninguém / Acerta toda vez e cê também“, canta em meio a versos que tratam de masculinidade tóxica e a necessidade de se libertar de um pensamento conservador. Mesmo Memórias (Uma Cidade Esburacada), confesso diálogo com com a cidade Belo Horizonte, delicadamente se espalha em meio a elementos que apontam para diferentes conflitos típicos de qualquer centro urbano.

Para além das próprias experiências, a fina seleção de colaboradores que surgem ao longo da obra contribui para o fortalecimento desse território criativo em permanente processo de expansão. São nomes como a já citada Sara Não Tem Nome, em Coragem, Marina Sena, na dolorosa Mais de uma Saudade, e, principalmente, o time composto por Luan Nobat, Lucca Noacco e Mariana Cavanellas (Rosa Neon), em Memórias (Uma Cidade Esburacada). Vozes complementares e instrumentistas que passeiam por entre as brechas do disco, sempre orquestrados pelo experiente Leonardo Marques (Moons, Arthur Melo), responsável pela produção do disco.

De essência detalhista, estrutura que se reflete no completo refinamento estético de Calçada, uma das principais músicas do registro, Pássaro-Cão cresce com sutileza, em uma medida própria de tempo, arrastando o ouvinte para dentro do ambiente de reverberações acústicas e entalhes minimalistas. São delicadas paisagens atmosféricas que atravessam a boa fase de Milton Nascimento, em Clube da Esquina (1972), para dialogar com a obra de estrangeiros como Fleet Foxes e Bon Iver. Frações poéticas e instrumentais que refletem o completo esmero, leveza e profunda entrega sentimental de Bauer e seus parceiros durante toda a execução da obra.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.