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Crítica

Pato Fu

: "30"

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Pop Rock, Indie Pop

Para quem gosta de: Skank e Lulu Santos

Ouça: Fique Onde Eu Possa Te Ver e Dias Incertos

7.7
7.7

Pato Fu: “30”

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Pop Rock, Indie Pop

Para quem gosta de: Skank e Lulu Santos

Ouça: Fique Onde Eu Possa Te Ver e Dias Incertos

/ Por: Cleber Facchi 17/04/2023

A última vez que ouvimos um disco de inéditas do Pato Fu, o Brasil se preparava para entrar em um dos períodos mais turbulentos de sua história recente. Da ascensão da extrema direita ao impeachment de Dilma Rousseff, do avanço do bolsonarismo à pandemia de Covid-19, sobram grandes acontecimentos que movimentaram o cenário político nacional. Não por acaso, ao mergulhar nas composições de 30 (2023, Independente), primeiro registro autoral da banda mineira desde Não Pare Pra Pensar (2014), a sensação de aconchego e felicidade é quase instantânea, mas um notável toque de desconforto permanece no ar.

Faz tanto tempo / Que não vejo você … Que até dá medo de saber / O que anda pensando / Da vida e tudo mais“, confessa Fernanda Takai, vocalista da banda, na introdutória Fique Onde Eu Possa Te Ver. Embora parta de uma reflexão sobre os encontros e desencontros que surgem ao longo da vida, a canção, completa pelos músicos John Ulhoa (guitarra), Ricardo Koctus (baixo), Xande Tamietti (bateria) e Richard Neves (teclados), sintetiza de forma provocativa o cenário brasileiro atual, onde famílias e velhos amigos seguem separados por conta de suas ideologias políticas e diferentes escolhas ao longo da última década. Frações poéticas que utilizam de falsos sorrisos para capturar a atenção do ouvinte, porém, sutilmente revelam conflitos emocionais e temas que pintam um retrato minucioso das angústias vividas nos últimos anos.

Vem justamente dessa contrastante combinação entre arranjos ensolarados e versos sombrios, marca das criações do grupo mineiro, o principal componente criativo do trabalho. São canções radiofônicas que evidenciam o mesmo refinamento melódico de obras como Ruído Rosa (2001) e Toda Cura Para Todo Mal (2005), porém, partindo de um necessário senso de atualização que orienta a construção dos versos. Exemplo disso fica bastante evidente em A Besta, música que destaca a poesia ácida da banda e que parece apontar diretamente para o ex-presidente Jair Bolsonaro. “A besta lá vem fazendo piadas / Com hipocrisia arrebanhando imorais … A besta é uma besta quadrada / Cercada por boçais“, provoca Ulhoa.

Entretanto, é na sobriedade de Silenciador, segunda faixa do disco, que o grupo garante ao público uma das composições mais poderosas do trabalho. Regida pela linha de baixo soturna de Koctus, a música se aprofunda de forma bastante explícita em questões que vão da hipocrisia religiosa (“Mais um milagre na capela / Da fé brotou o empreendedor / Deus fala pelo cano de meu revólver“) ao racismo e violência urbana (“Na pele é que está o valor / Quanto mais escura é mais bala no tiroteio / Mais ponto pro atirador“). É como a passagem para um novo território criativo, como uma fuga breve do restante da obra. Claro que essa busca por novas possibilidades em nada prejudica o tão característico pop cantarolável da banda.

Do amor cósmico que embala os versos de No Silêncio, composição que marca o reencontro da banda com o produtor Dudu Marote, parceiro em obras como Televisão de Cachorro (1998) e Isopor (1999), passando pelo pop empoeirado de Amo Só Você, releitura para Io Che Amo Solo Te, do cantor italiano Sergio Endrigo, sobram momentos em que o grupo faz o que sabe de melhor. A diferença em relação aos antigos trabalhos está no reducionismo excessivo dos arranjos. São ambientações sutis que naturalmente potencializam a construção das letras, porém, utilizam de formatações e temas instrumentais que tendem ao conforto.

Embora livre do experimentalismo que apresentou o trabalho da banda no início dos anos 1990, 30 é um álbum que esbanja consistência durante toda sua execução. Do momento em que tem início, na já citada Fique Onde Eu Possa Te Ver, até alcançar a derradeira Dias Incertos, composição que resgata a essência melancólica de obras como Daqui Pro Futuro (2007), cada fragmento parece servir de passagem para a canção seguinte. É como um produto do amadurecimento conquistado pelo grupo em três décadas de carreira. Uma celebração ao próprio repertório, mas que continua a apontar o caminho em direção ao futuro.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.