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Crítica

Porridge Radio

: "Every Bad"

Ano: 2020

Selo: Secretly Canadian

Gênero: Pós-Punk, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Snail Mail, Savages e PJ Harvey

Ouça: Sweet, Born Confused e Lilac

8.5
8.5

Porridge Radio: “Every Bad”

Ano: 2020

Selo: Secretly Canadian

Gênero: Pós-Punk, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Snail Mail, Savages e PJ Harvey

Ouça: Sweet, Born Confused e Lilac

/ Por: Cleber Facchi 16/03/2020

Marcado pela força dos versos, Every Bad (2020, Secretly Canadian) é uma obra de sentimentos transbordantes. Do momento em que tem início, nas crescente Born Confused (“Obrigada por me deixar / Obrigada por me fazer feliz“), até alcançar a melancólica Homecoming Song (“Eu sou um navio afundando / E não há nada dentro“), faixa de encerramento do disco, cada fragmento do segundo álbum de estúdio do Porridge Radio encontra em desilusões amorosas, medos e conflitos existencialistas de Dana Margolin um importante estímulo para a composição das letras. Canções que beiram o evidente descontrole emocional, sempre intensas, como se tudo fosse delicadamente exposto pela guitarrista britânica.

Minha mãe diz que eu pareço um desastre nervoso / Porque eu roo minhas unhas até a carne / E às vezes eu sou apenas uma criança, escrevendo cartas para mim mesma / Desejando em voz alta que você estivesse morto“, confessa em Sweet, uma das primeiras composições do disco a serem apresentadas ao público e uma clara síntese do material entregue no sucessor de Rice, Pasta and Other Fillers (2016). “Eu estava ouvindo muito o Melodrama, da Lorde, quando escrevi isso. Quando tocamos isso como uma banda, tudo se juntou muito rápido e virou essa música dramática e intensa, alta e tranquila“, respondeu no texto de apresentação da obra, indicando parte das inspirações e da profunda entrega emocional que serve de sustento ao disco. Instantes em que Margolin se revela por completo, fazendo dos próprios conflitos um importante componente de diálogo com o ouvinte.

O resultado dessa evidente vulnerabilidade da artista inglesa está na entrega de músicas como Long (“E estou feliz que fui eu / Eu não sou responsável por tudo / Eu não sou responsável por nada / E estou feliz que não sou eu“), Nephews (“E a água é tão escura que você não consegue sentir seu coração enquanto ele afunda“) e a dolorosa Circling (“Estamos todos bem, o tempo todo / Nada está errado, está tudo bem“). Composições sempre marcadas pela dualidade dos versos e repetição das palavras, como um convite a se perder pela mente angustiada de Margolin. São letras cíclicas que não apenas contribuem para o aspecto desesperador da obra, como servem de estímulo para a base instrumental do disco.

Exemplo disso está em Lilac, décima faixa do álbum São pouco mais de cinco minutos em que Margolin utiliza da lenta sobreposição das palavras como estímulo para a formação dos arranjos. “Eu estou presa, presa, presa, presa, presa“, repete enquanto os versos da composição se conectam diretamente bateria. Um turbilhão instrumental e poético que ganha ainda mais destaque nos momentos finais da canção, quando a voz ecoada passeia em meio a camadas de guitarras e ruídos quase inaudíveis, estrutura que ora aponta para a obra de PJ Harvey, no confessional To Bring You My Love (1995), ora faz lembrar do som atmosférico que marca os primeiros trabalhos de grupos como Interpol e Yeah Yeah Yeahs.

É justamente essa propositada repetição dos elementos e temas cíclicos que torna a experiência de ouvir Every Bad tão satisfatória. Do agradecimento sarcástico que embala a introdutória Born Confused, passando pela crueza de Sweet à breve calmaria que toma conta de Pop Song, uma das faixas mais sensíveis do disco, difícil não pensar no segundo álbum do Porridge Radio como uma obra feita para que o ouvinte se perca dentro dela. São ambientações, batidas e vozes tortas que se espalham de forma inexata, resultando em um imenso labirinto de sentimentos conflitantes.

Doloroso e libertador na mesma proporção, Every Bad mostra a capacidade de Margolin em transformar os próprios sentimentos em um importante componente criativo para a formação das letras e temas instrumentais. São composições de essência catártica, sempre grandiosas, mas que em nenhum momento ocultam a inserção de melodias detalhistas, ruídos e vozes ocasionais, quase imperceptíveis, proposta evidente em músicas como Pop Song e Homecoming Song. Canções que encolhem e crescem a todo instante, sempre confessionasis, como um avanço claro em relação ao material entregue pela banda durante a produção de Rice, Pasta and Other Fillers.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.