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Crítica

Qinhones

: "Centelha"

Ano: 2022

Selo: Lab 344

Gênero: Pop Rock, Soul, Funk

Para quem gosta de: Mahmundi e Wado

Ouça: O Rio Continua Rindo e Há Festa

7.8
7.8

Qinhones: “Centelha”

Ano: 2022

Selo: Lab 344

Gênero: Pop Rock, Soul, Funk

Para quem gosta de: Mahmundi e Wado

Ouça: O Rio Continua Rindo e Há Festa

/ Por: Cleber Facchi 24/10/2022

De Gilberto Gil à Fernanda Abreu, de Cidinho e Doca a SD9, não são poucos os artistas que encontraram no contrastante cenário do Rio de Janeiro uma importante fonte de inspiração para seus trabalhos. São composições ou mesmo obras inteiras que atravessam as belezas naturais da cidade maravilhosa para mergulhar em um território consumido pela violência urbana e desigualdade social. Cria desse ambiente caótico, Marcus Coutinho, o Qinhones, parte dessa abordagem há muito incorporada por diferentes nomes, porém, estabelece nas próprias inquietações um estímulo natural para o repertório de Centelha (Lab 344).

Tendo como fagulha criativa dois acontecimentos marcantes que movimentaram a capital fluminense em 2018, o assassinato de Marielle Franco e o incêndio do Museu Nacional, Qinhones parte desse cenário em decadência para abastecer parte expressiva das canções que recheiam o disco. “Como falar de amor / Se estamos em guerra?“, questiona logo nos minutos iniciais, em Cidade Narciso, música que não apenas aponta a direção seguida pelo artista durante toda a execução do material, como justifica o afastamento do compositor em relação aos antigos trabalhos, sempre marcados por temas românticos e letras existenciais.

Terceira composição do disco, O Rio Continua Rindo potencializa ainda mais esse resultado. Enquanto a base instrumental destaca a presença do produtor e parceiro Alberto Continentino, os versos passeiam em meio a cenas descritivas, tormentos e citações que vão de Planet Hemp a Gilberto Gil (“Mais um dia me levanto / Na cidade desespero … Pois tudo continua lindo / O Rio continua rindo“). Instantes em que os dois artistas apontam para a obra de veteranos como Lincoln Olivetti e Marcos Valle, convidam o ouvinte a dançar, porém, sustentam na poesia amarga um permanente elemento de desconforto e fina contradição.

Sobrevive justamente nessa contrastante sobreposição de elementos a força de Centelha. É como uma interpretação ainda mais complexa e musicalmente detalhista de tudo aquilo que Qinhones havia testado há poucos meses, durante o lançamento do EP Gota (2021). Composições que alternam entre sorrisos e momentos de maior contemplação, tensionando a experiência do ouvinte. Exemplo disso fica bastante evidente em Há Festa – Corpos Celestes, uma das melhores análises sobre o Brasil pós-golpe de 2016, mas que em nenhum momento tropeça na atmosfera soturna e pequenas repetições de outras faixas do gênero. “Por uma sorte de golpe / A turma bicuda reapareceu / Tomaram de assalto / Quebraram o clima“, canta.

Dos poucos momentos em que rompe com essa abordagem ensolarada, o artista transporta o ouvinte para um novo e delicado território criativo. Sexta faixa do disco, a já conhecida Água Salgada funciona como uma boa representação desse resultado. Enquanto vaga pelo soul dos anos 1970, detalhando estruturas que apontam para obra de veteranos como Herbie Hancock e Teddy Pendergrass, Qinhones aproveita para confessar sentimentos em um precioso encontro com a cantora e compositora Bebé. Surgem ainda músicas como a crescente Mentira Anestesia e Seus Olhos Vidrados, ampliando o campo de atuação do trabalho.

Embora se permita provar de novas possibilidades à medida que o trabalho avança, não há como ignorar o desnível que separa a primeira da segunda metade do registro. Enquanto o bloco inicial surpreende pela riqueza dos arranjos e forte caráter político dado aos versos, com a porção seguinte, Qinhones desacelera e segue por vias convencionais. São canções marcadas pelo mesmo refinamento estético, porém, quando se inaugura o disco de forma tão impactante, difícil não criar expectativa e torcer para que a mesma força dos elementos seja mantida até os minutos finais. Independente da direção assumida pelo artista, prevalece em Centelha o domínio criativo, permanente sensação de entrega e capacidade do compositor em tratar de temas tão complexos e ainda recentes de forma sempre acessível, estreitando relações com o ouvinte.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.