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Crítica

Ratos de Porão

: "Necropolítica"

Ano: 2022

Selo: Independente

Gênero: Hardcore, Punk, Thrash Metal

Para quem gosta de: Mukeka Di Rato e Cólera

Ouça: Aglomeração e Alerta Antifascista

8.5
8.5

Ratos de Porão: “Necropolítica”

Ano: 2022

Selo: Independente

Gênero: Hardcore, Punk, Thrash Metal

Para quem gosta de: Mukeka Di Rato e Cólera

Ouça: Aglomeração e Alerta Antifascista

/ Por: Cleber Facchi 27/05/2022

A última vez que os integrantes da Ratos de Porão entraram em estúdio para dar vida a um novo registro de inéditas, Século Sinistro(2014), o cenário político brasileiro viva um período de forte instabilidade. Às vésperas da reeleição de Dilma Rousseff, um suposto sentimento de indignação tomava conta das ruas e atiçava a população com suas camisas da CBF. Ao mesmo tempo em que estimulava o ouvinte a avançar (“Grite com ódio e vai“), o vocalista João Gordo alertava: “Não seja subjugado / Por essa corja fascista“. Interessante perceber em Necropolítica (2022, Independente), primeiro trabalho da banda paulistana em oito anos, uma extensão natural dos acontecimentos que mudaram os rumos do país há quase uma década.

Inaugurado pelo som falho de uma respiração dependente de aparelhos, o trabalho que ainda conta com a presença dos músicos Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria),funciona como um registro quase documental da caótica situação política e social do Brasil. Composições que partem do período pandêmico para discutir o avanço da extrema direita no país, o aumento da desigualdade e o nefasto governo exercido pelo presidente Jair Bolsonaro. “Genocida depravado / Ditador que come gente / Um perigo eminente / Mentiroso imoral“, despeja o vocalista enquanto arma o terreno para o refrão que, mais uma vez, funciona como um alerta para tudo aquilo que o artista havia apontado anos antes, nas canções de Século Sinistro.

Partindo dessa abordagem, o quarteto se concentra na entrega de um repertório talvez previsível e bastante descritivo, como uma leitura dos últimos acontecimentos vividos no país, porém, essencial. São músicas dotadas de um discurso claro e objetivo, evitando possíveis interpretações. Instantes em que o grupo resgata a mesma crueza explícita em obras como Brasil (1989), proposta que funciona como uma ferramenta necessária na era da desinformação e na maquiagem política utilizada pelo gabinete do ódio e outros grupos escusos estimulados pelo governo. “O cabeção, chefe da facção / Pediu para compartilhar“, provoca em G.D.O, composição em que reflete sobre as milícias digitais e o disparo de notícias falsas.

São composições sempre curtas e rápidas, reforçando a potência dos versos. Exemplo disso fica bastante evidente na faixa-título do disco. “Mortes falsificadas / Vidas descartáveis / Agenda macabra / Máquina racista“, dispara. Claro que isso não interfere na entrega de canções marcadas pelo maior aprofundamento dos temas, como em Passa Pano Pra Elite, música que explora diferentes aspectos do governo Bolsonaro em um curtíssimo intervalo de tempo. “Chacota internacional / Prevaricação / Cocaína no avião / Offshore em Cayman“, cresce a letra que vai do transporte de cocaína em um voo da comitiva presidencial às denúncias de movimentações financeiras feitas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em um paraíso fiscal.

Essa mesma crueza e força explícita na construção dos versos fica ainda mais evidente no acabamento instrumental dado ao disco. Do momento em que tem início, na introdutória Alerta Antifascista, blocos de distorção se entrelaçam em meio a batidas rápidas, como um regresso à fase crossover vivida pelo grupo no final da década de 1980. Não por acaso, Aglomeração foi uma das primeiras composições do álbum a serem apresentadas ao público. São pouco mais de dois minutos em que a banda paulistana se concentra na produção de um material essencialmente denso e urgente. Um turbulento exercício criativo que embala a experiência do ouvinte até a música de encerramento do trabalho, a provocativa Neonazi Gratiluz.

Triste retrato de um país entregue aos domínios de um maníaco, Necropolítica parte de um recorte temporal bastante específico e ainda recente, porém, dotado de uma linguagem universal e que parece pensada para sobreviver ao teste do tempo. Observado de maneira atenta, não são poucos os momentos em que o grupo estabelece pequenas conexões com os temas abordados em Cada Dia Mais Sujo e Agressivo (1987) e no já citado Brasil. Canções consumidas pela violência, morte e necessidade de enfrentamento, indicativo de um cenário em retrocesso ou que pouco evoluiu nas últimas três décadas.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.