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Crítica

Raum

: "Daughter"

Ano: 2022

Selo: Yellowelectric

Gênero: Experimental, Música Ambiente

Para quem gosta de: Julianna Barwick e Fennesz

Ouça: Restoration e Daughter

7.8
7.8

Raum: “Daughter”

Ano: 2022

Selo: Yellowelectric

Gênero: Experimental, Música Ambiente

Para quem gosta de: Julianna Barwick e Fennesz

Ouça: Restoration e Daughter

/ Por: Cleber Facchi 09/03/2022

O som do projetor logo nos primeiros minutos de Walk Together, música de abertura de Daughter (2022, Yellowelectric), funciona como uma representação sutil de tudo aquilo que Liz Harris, a Grouper, e Jefre Cantu-Ledesma buscam desenvolver no segundo e mais recente trabalho de estúdio do paralelo Raum. Confessa homenagem ao cineasta Paul Clipson, morto em 2018, o registro montado a partir de uma performance em conjunto com o diretor, gravada em 2016, no Marfa Myths, Texas, funciona como “um réquiem, uma canção de ninar, um adeus“, como resume o delicado texto de apresentação do material.

A exemplo do que a dupla norte-americana havia testado nove anos antes, em Event Of Your Leaving (2013), obra concebida a partir de interpretações sonoras dos trabalhos da artista plástica Vija Celmins, Daughter ganha forma em meio a ambientações contemplativas, ruídos e sobreposições atmosféricas. São incontáveis camadas instrumentais e fragmentos de vozes que se espalham em meio a texturas e quebras ocasionais, orientando a interpretação do ouvinte. Composições que encolhem e crescem a todo instante, como se desenvolvido para acompanhar as projeções visuais, agora totalmente imaginárias, do diretor.

Embora pensado como um produto da relação entre Harris, Cantu-Ledesma e Clipson, Daughter é um trabalho que funciona por conta própria. Do momento em que tem início, em Walk Together, até alcançar a derradeira Passage, cada composição do disco parece servir de passagem para a música seguinte, conduzindo de forma natural a experiência do ouvinte. É como uma peça única. Pouco mais de 60 minutos de duração em que a dupla se concentra no encaixe de cada elemento, proposta que vai da inserção minuciosa de sintetizadores granulados ao uso de captações de campos, ruídos e micro-ambientações.

Exemplo disso fica bem representado no cruzamento entre Revolving Door e a própria faixa-título do disco. Partindo do som de passos em um chão terroso, Harris e Cantu-Ledesma se concentram na produção de um material que parece maior e mais complexo a cada nova audição. São melodias submersas, ambientações que buscam emular o badalar de um sino, o ruído de fitas magnéticas e até mesmo o bucólico canto dos pássaros. É como uma interpretação ainda mais detalhista de tudo aquilo que Grouper havia testado em Ruins (2014), obra em que utiliza da mesma sobreposição labiríntica dos elementos.

De fato, difícil não pensar em Daughter como uma colcha de retalhos conceituais formada a partir da costura de elementos originalmente testados pela dupla em diferentes trabalhos em carreira solo. Do tratamento dado aos pianos ao uso de componentes externos e captações que atravessam o disco, não são poucos os momentos em que Harris e Cantu-Ledesma colidem informações e apresentam esboços do que seria explorado em registros como Grid of Point (2018) e Tracing Back The Radiance (2019). A própria composição de encerramento do álbum, com mais de 20 minutos de escombros sonoros, evidencia isso.

Claro que esse permanente atravessamento de informações, resgates e pequenas adaptações não diminui em nada o impacto e permanente sensação de ineditismo que orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. Da mesma forma que o repertório entregue em Event Of Your Leaving, Daughter funciona como a passagem para um mundo mágico. São canções montadas a partir da costura imperfeita das melodias, texturas e ambientações originalmente regidas pela narrativa visual de Clipson, mas que ganham novo significado a cada movimentou ou encaixe sutil de Harris e Cantu-Ledesma.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.