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Crítica

Sara Não Tem Nome

: "A Situação"

Ano: 2023

Selo: Grão Pixel

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: YMA e Papisa

Ouça: Ponto Final, Nós e Agora

8.3
8.3

Sara Não Tem Nome: “A Situação”

Ano: 2023

Selo: Grão Pixel

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: YMA e Papisa

Ouça: Ponto Final, Nós e Agora

/ Por: Cleber Facchi 19/01/2023

A última vez que ouvimos o trabalho de Sara Não Tem Nome em carreira solo, os dias eram difíceis de se viver, porém, parcialmente distintos em relação ao atual cenário político e cultural brasileiro. Com o avanço do conservadorismo e do pensamento antidemocrático, o golpe que viria a derrubar Dilma Rousseff já estava em curso e a ameaça bolsonarista começava a estender seus tentáculos. Foi justamente a queda da primeira mulher eleita Presidente da República, um ano mais tarde, que levou a multiartista mineira a investir em um novo processo de criação, estímulo para o repertório de A Situação (2022, Grão Pixel).

Primeiro registro de inéditas da artista belo-horizontina em um intervalo de oito anos, o sucessor de Ômega III (2015) preserva o caráter reducionista do trabalho que o antecede, porém, sustenta na construção dos versos um evidente processo de amadurecimento criativo e busca por novas possibilidades dentro de estúdio. “Na corda bamba / Por um fio / Por um triz / Andando no limite / Do insuportável“, canta logo nos minutos iniciais do disco, em Ponto Final, composição que rompe com o caráter festivo da já conhecida Pare, e uma delicada representação de tudo aquilo que a cantora busca desenvolver ao longo da obra.

São canções que partem das vivências e da interpretação inquietante da artista mineira sobre a nossa sociedade, questionam as articulações propostas pela mão invisível do mercado e a todo momento tensionam a experiência do ouvinte. Um turbulento e sempre imprevisível exercício criativo, mesmo maquiado pela leveza dos arranjos e uso atmosférico das vozes, proposta anteriormente testada em Futuro (2020), primeiro registro do paralelo Tarda. De fato, muitos dos elementos incorporados em A Situação soam como uma extensão aprimorada do material entregue pela cantora e seus parceiros há dois anos.

Exemplo disso fica bastante evidente no pop enevoado de Parque Industrial, colaboração com Randolpho Lamonier que destaca o caráter existencial e descrença que consome o disco. “Mais um dia de robô / Nessa luta sem cessar / Me dê uma razão que for / Pra continuar“, canta. Esse mesmo direcionamento criativo, porém, partindo de uma abordagem totalmente intimista e melancólica, acaba se refletindo na canção seguinte, Nós. “Nós não temos chance juntos / E também não temos chance sós / Talvez já seja tarde pra tentar de novo“, reflete em meio a arranjos de cordas e inserções sutis que se conectam ao uso dos vocais.

Entretanto, sobrevive nas canções marcadas pelo forte teor político a passagem para o que há de mais interessante em A Situação. “Será que o mercado vai lavar / Suas mãos invisíveis? / Ninguém segura na mão de ninguém“, canta em Agora, música que se completa pela participação do músico carioca Carlos Antônio Mattos, o Tantão. O mesmo caráter provocativo acaba se refletindo na já conhecida Cidadão de Bens, criação que destaca o lirismo afiado de Sara. Já outras, como Dèja Vú e Incomoda, se projetam de maneira bastante contida, mas não menos convincente e instigante, reforçando o domínio da artista e seus parceiros de produção, os músicos Desirée Marantes e Victor Galvão, durante toda a execução do material.

É como se cada composição servisse de passagem para a música seguinte. Um lento, porém, permanente desvendar de informações, ritmos e formas instrumentais sempre homogêneas, proposta que vez ou outra tende ao uso de pequenos desgastes e repetições. Nada que a própria artista não dê conta de contornar, vide as pequenas variações estruturais e diálogos com diferentes colaboradores, entre eles, o músico Bernardo Bauer, com quem divide a delicada Vazio, e a derradeira Volta, ao lado de Luiza Rozza. Canções talvez discretas em uma primeira audição, porém, maiores e mais fascinantes a cada novo regresso.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.