Image
Crítica

Sentidor

: "Sonho das Flores"

Ano: 2022

Selo: La Petite Chambre

Gênero: Experimental, Música Ambiente

Para quem gosta de: Tim Hecker e Grouper

Ouça: Sonho das Flores e Toca dos Coelhos

8.3
8.3

Sentidor: “Sonho das Flores”

Ano: 2022

Selo: La Petite Chambre

Gênero: Experimental, Música Ambiente

Para quem gosta de: Tim Hecker e Grouper

Ouça: Sonho das Flores e Toca dos Coelhos

/ Por: Cleber Facchi 28/03/2022

Um movimento tímido do violão, o canto dos pássaros e a lenta sobreposição de ruídos, texturas e formas abstratas. Em um intervalo de poucos minutos, João Carvalho não apenas transporta o ouvinte para dentro do cenário de emanações oníricas de Sonho das Flores (2022, La Petite Chambre), novo registro de inéditas sob o título de Sentidor, como aponta a direção seguida até o fechamento da obra. São delicadas camadas instrumentais, costuras e reprocessamentos digitais que preservam parte dos conceitos apresentados em Breviário dos Pássaros (2019), porém, partindo de uma abordagem ainda mais sensível e detalhista.

Exemplo disso fica bastante evidente na segunda composição do disco, Árvore dos Pássaros. São pouco mais de cinco minutos em que o produtor de Belo Horizonte convida o ouvinte a se perder em meio a ambientações etéreas e reverberações cósmicas que mudam de direção a todo instante, sempre de maneira acolhedora. Um lento, porém, permanente desvendar de ideias e sensações. É como uma fuga do material entregue nos antecessores Am_Par_Sis (2017) e Terracorponuvem (2017),em que parecia investir na produção de um repertório denso e sufocante, por vezes marcado pelo uso de componente ritualísticos.

Parte dessa mudança de direção vem do próprio processo de criação do trabalho. Com captações de campo registradas na cidade de Felixlândia, região Norte de Minas Gerais, onde Carvalho atua em comunidades ribeirinhas que foram afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Sonho das Flores é uma obra sobre renascimento e transformação. Perceba como parte expressiva das composições parecem brotar do chão e florescer, efeito direto da lenta sobreposição dos elementos e texturas que garantem maior profundidade ao material, direcionamento explícito em Vale dos Vagalumes.

São incontáveis camadas de sintetizadores, sopros e fragmentos percussivos que garantem maior fluidez ao material, impedindo que o disco ecoe de maneira arrastada. Perfeita representação desse resultado acontece em Toca dos Coelhos, música que utiliza do contato com as cordas e tilintares discretos de forma a orientar a experiência do ouvinte. Essa mesma fluidez, porém, utilizando de uma interpretação diferente, acontece em Casa da Floresta, faixa que faz lembrar das criações de Jefre Cantu-Ledesma e Grouper, mesmo preservando traços da identidade criativa e elementos característicos da obra de Carvalho.

O resultado desse processo está na entrega de uma obra totalmente imersiva. É como um labirinto de sons, ruídos e sobreposições que potencializam tudo aquilo que tem sido explorado pelo artista desde o início da década passada. Canções que orbitam um mesmo núcleo conceitual, indicativo do completo domínio de Carvalho em relação ao próprio trabalho. Claro que essa forte homogeneidade e estruturas ancoradas em conceitos similares acabam consumindo parte do material, principalmente na segunda metade, quando o uso de violões e captações de campo parecem dar voltas em torno de um mesmo conjunto de ideias.

Entretanto, Sonho das Flores é um trabalho tão precioso, que encanta mesmo em seus momentos de maior instabilidade. Exemplo disso acontece na faixa de encerramento do álbum, Varanda do Sol. Utilizando de uma série de elementos incorporados ao longo da obra, Carvalho preserva e perverte a própria identidade. São ambientações sutis que mudam de direção a todo instante. Um misto de resgate e criativa reinterpretação de tudo aquilo que foi apresentado logo na autointitulada música de abertura, proposta que concede ao disco um caráter orgânico, como um exercício em permanente processo de transformação.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.