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Crítica

St. Vincent

: "Daddy's Home"

Ano: 2021

Selo: Loma Vista

Gênero: Rock, Soul, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Arctic Monkeys, Jenny Lewis e David Bowie

Ouça: Down e ...At the Holiday Party

8.0
8.0

St. Vincent: “Daddy’s Home”

Ano: 2021

Selo: Loma Vista

Gênero: Rock, Soul, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Arctic Monkeys, Jenny Lewis e David Bowie

Ouça: Down e ...At the Holiday Party

/ Por: Cleber Facchi 19/05/2021

Se existe uma coisa que a gente não precisa mais são trabalhos que buscam emular a estética e a sonoridade da década de 1970. Com técnicas de gravação essencialmente caseiras e orçamentos cada vez mais curtos, raríssimos são os casos de artistas que não apenas conseguiram replicar, como imprimir uma identidade autoral dentro desse tipo de obra. É possível contar nos dedos nomes como Daft Punk, em Random Access Memories (2013), e Weyes Blood, com Titanic Rising (2019), que se dedicaram a estudar o período, utilizando de instrumentos e métodos de captação tradicionais. O restante sobrevive de uma interpretação esquálida e quase caricatural da época, como composições aromatizadas artificialmente, incapazes de reproduzir a mesma atmosfera de registros do gênero.

Não é o caso de Annie Erin Clark. Quem há tempos acompanha as criações da cantora, compositora e produtora norte-americana, sabe que a musicista jamais apostaria em um estilo ou temática específica se não fosse para mergulhar de cabeça dentro dela. Em Daddy’s Home (2021, Loma Vista), sexto e mais recente álbum como St. Vincent, a artista não apenas aponta para a sonoridade concebida há mais de quatro décadas, como convida o ouvinte a viajar junto com ela. “Wurlitzers quentes e sagacidade, guitarras brilhantes e coragem, com desleixo e estilo por dias“, resume no texto de apresentação da obra que teve sua produção espalhada por diferentes estúdios, incluindo o lendário Electric Lady, em Nova Iorque, a presença de diferentes engenheiros de som e músicos de apoio que a auxiliaram no processo de criação do material, como o experiente Greg Leisz.

E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos da obra, na introdutória Pay Your Way In Pain. Escolhida para anunciar a chegada do trabalho, a composição não apenas sintetiza parte da atmosfera que rege o disco, como reflete o completo esmero de St. Vincent e seus parceiros dentro de estúdio. São pouco mais de três minutos em que camadas de guitarras e melodias eletrizadas, típicas dos pianos Wurlitzer, ganham forma em meio a coros de vozes assumidas por Lynne Fiddmont e Kenya Hathaway. Um lento desvendar de ideias e experiências que rompe por completo com o pop eletrônico testado no antecessor Masseduction (2017), registro em que contou com a colaboração de Jack Antonoff, co-produtor e parceiro em parte das canções do presente álbum.

É justamente essa capacidade de Clark em se reinventar a cada novo trabalho de estúdio, tratamento que vai da direção de arte ao processo de composição, que torna a experiência de ouvir o disco tão satisfatória. Difícil acreditar que a mesma autora de músicas como Los Ageless e Pills hoje seja responsável pelo soul psicodélico de The Melting Of The Sun ou a doce nostalgia de Down, canção que parece retirada do clássico Young Americans (1975), de David Bowie. Mais do que isso: poucos são os artistas que têm a coragem de entregar ao público uma obra que não apenas perverte, como parece pensada para causar desconforto aos ouvintes conquistados no álbum anterior. E tem sido assim desde que a musicista abandonou os temas orquestrais de Actor (2009) para mergulhar na crueza de Strange Mercy (2011), material que seria sufocado pelo pop conceitual do registro seguinte.

E como ela faz isso bem. Se em Masseduction tudo se resolvia de forma rápida, efeito direto da construção de batidas e bases cíclicas, sempre atreladas ao uso de letras acessíveis, com o presente álbum, Clark exige tempo. E isso fica bastante evidente em músicas como a extensa Live in the Dream, composição de essência psicodélica que evoca George Harrison e parece feita para ser absorvida aos poucos, sem pressa. Mesmo a entrega de faixas diminutas, caso de Somebody Like Me, contribui para esse resultado, como uma fuga do conceito eufórico adotado no disco anterior. E isso faz de Daddy’s Home uma obra difícil? De forma alguma. Da explosão de ritmos em Pay Your Way in Pain às vozes em coro de …At the Holiday Party, não são poucos os momentos em que o registro brilha.

Claro que isso não exime a artista de outros problemas bastante evidentes. Salve exceções, como Down and Out Downtown e Down, parte expressiva dos versos apresentados em Daddy’s Home gira em torno de experiências, personagens e acontecimentos tão particulares de Clark, que é difícil criar maior apego. Mesmo o excesso de composições e o uso dispensável de interlúdios prejudica o rendimento do álbum, estendendo a duração do registro para além do tempo necessário. Entretanto, a beleza do trabalho está justamente na forma como St. Vincent consegue contornar esses problemas. São ganchos líricos e instrumentais que rapidamente capturam a atenção do ouvinte. Da manipulação das vozes que tomam conta da faixa-título ao uso de pequenos acréscimos e variações rítmicas em Live in the Dream e …At the Holiday Party, tudo parece pensado para seduzir o ouvinte.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.