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Crítica

The Soft Pink Truth

: "Shall We Go on Sinning So That Grace May Increase?"

Ano: 2020

Selo: Thrill Jockey

Gênero: Experimental, Eletrônica, Música Ambiente

Para quem gosta de: Matmos, Oval e Mouse on Mars

Ouça: We e Grace

8.0
8.0

The Soft Pink Truth: “Shall We Go on Sinning So That Grace May Increase?”

Ano: 2020

Selo: Thrill Jockey

Gênero: Experimental, Eletrônica, Música Ambiente

Para quem gosta de: Matmos, Oval e Mouse on Mars

Ouça: We e Grace

/ Por: Cleber Facchi 21/05/2020

Você provavelmente conhece o trabalho de Drew Daniel como uma das metades do Matmos, projeto de experimentalismo eletrônico que ainda conta com a interferência direta de M.C. Schmidt. Entretanto, foi com o The Soft Pink Truth, criado no início dos anos 2000, que o artista californiano revelou ao público algumas de suas principais criações. Do uso de temas dançantes que marcam o introdutório Do You Party? (2003), passando pelas reinterpretações de Why Do the Heathen Rage? (2014), obra em que transporta para as pistas diferentes exemplares do metal extremo, cada registro entregue pelo produtor norte-americano parece mergulhar o ouvinte em um mundo de novas possibilidades.

Primeiro registro de Daniel em cinco anos, Shall We Go on Sinning So That Grace May Increase? (2020, Thrill Jockey) nasce como um bom exemplo desse resultado. Obra que mais se distancia dos antigos trabalhos do produtor, o álbum que busca inspiração em trechos bíblicos de Romanos 6:1 – “permaneceremos no pecado, para que a graça abunde?” –, utiliza desse aspecto contemplativo, quase religioso, como estímulo para um repertório de essência transcendental. São ambientações minimalistas, ruídos e sobreposições etéreas, leveza que se reflete tão logo o disco tem início, na crescente Shall, e segue até a derradeira May Increase.

Entretanto, assim como nas criações do Matmos, a grande beleza da obra de Daniel no The Soft Pink Truth está nos detalhes. Na contramão de outros registros de essência atmosférica, sempre regidos pela economia dos elementos, o produtor se encontra na montagem de um álbum meticuloso, como se incontáveis camadas instrumentais fossem condensadas dentro de um único disco. Exemplo disso está na principal faixa de Shall We Go on Sinning So That Grace May Increase?, a hipnótica We. São pouco mais de cinco minutos em que o artista parece brincar com o uso da percussão minimalista, pianos e vozes assumidas por Angel Deradoorian, Colin Self e Jana Hunter (Lower Dens), com quem divide parte expressiva do trabalho.

O mesmo refinamento estético acaba se refletindo mais à frente, em Grace. Faixa mais extensa do disco, a canção parte de uma base atmosférica, se entrega ao uso de pianos jazzísticos e estabelece na força das batidas a passagem para um território quase dançante, conceito reforçado pelo uso turbulento dos sintetizadores nos momentos finais da composição. São estruturas sempre labirínticas, incertas, como se Daniel manipulasse o ouvinte, imprevisibilidade que se reflete com maior naturalidade na já citada May Increase, música que nasce como um acumulo de todas as experiências detalhadas pelo produtor ao longo da obra.

Mesmo faixas como a efêmera Go, com pouco mais de dois minutos de duração, refletem o completo esmero de Daniel. Do uso dos sintetizadores à captação de sinos e vozes submersas, como mantras, perceba como o artista parece cercar e confortar o ouvinte, lembrando os temas contemplativos de nomes como Laraaji. São criações essencialmente complexas, porém, concisas, como se Daniel evitasse ao máximo os exageros de outras obras do gênero, sempre pautadas pelo uso de ambientações extensas e pequenas repetições. Em Shall We Go on Sinning So That Grace May Increase?, as canções se estendem apenas pelo tempo necessário para que elas sejam assimiladas pelo ouvinte.

Trabalho mais acessível de toda a sequência de obras produzidas por Daniel nos últimos anos, o registro encanta justamente pela forma como o produtor norte-americano parece ter encontrado um ponto de equilíbrio entre o experimentalismo dos primeiros projetos autorais e o que há de menos hermético no repertório acumulado pelo Matmos. Instantes em que The Soft Pink Truth parece brincar com as possibilidades, porém, dentro de um evidente cercado conceitual, como se nenhuma faixa ultrapassasse os temas atmosféricos detalhados pelo artista logo nos primeiros minutos do disco.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.