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Crítica

Tori

: "Descese"

Ano: 2023

Selo: PWR Records

Gênero: MPB, Dream Pop

Para quem gosta de: Sara Não Tem Nome e Jadsa

Ouça: Descese, Dies Irae e Terceira Margem

8.3
8.3

Tori: “Descese”

Ano: 2023

Selo: PWR Records

Gênero: MPB, Dream Pop

Para quem gosta de: Sara Não Tem Nome e Jadsa

Ouça: Descese, Dies Irae e Terceira Margem

/ Por: Cleber Facchi 31/01/2023

Descese (2023, PWR Records) é um registro que parte de fora pra dentro. Primeiro trabalho em carreira solo de Tori, identidade adotada pela cantora e compositora sergipana Vitória Nogueira, o álbum utiliza de cenas e conflitos que se manifestam no entorno da musicista, mas que se resolvem internamente. É como um ato constante de retorno emocional. Composições que espiam memórias, traumas e sensações em uma abordagem contemplativa, porém, nunca de forma inacessível, produto do lento desvendar de informações e tramas instrumentais delicadamente tecidas em estúdio. Um exercício sutil de voltar para dentro de si.

Dessa forma, como toda obra do gênero, Descese é um registro que segue em uma medida própria de tempo. As interpretações nunca são imediatas, os movimentos parecem sempre calculados e cada novo avanço resulta em um retrocesso. Embora fundamental para o desenvolvimento do trabalho, esse ritmo moroso vez ou outra tende ao excesso, consumindo e prejudicando a experiência do ouvinte. Entretanto, uma vez habituado ao direcionamento dado pela artista, cada mínima particularidade, mesmo farelos instrumentais e poéticos que se escondem por entre as brechas do disco, capturam a atenção e seduzem.

Com produção assinada em parceria com Bem Gil, Bruno Di Lullo e Domenico Lancellotti, Descese é um desses discos que mais ocultam do que necessariamente revelam informações. São composições de essência labiríntica, como um passeio pela mente e alma da própria idealizadora. “Maneira de sentir / O artífice / Contorno frágil e rente / No inferno da matéria ele se diz / Criar o inexistente“, detalha na faixa-título do registro, criação que se completa pela participação do músico alagoano Bruno Berle e funciona como uma delicada representação de tudo aquilo que Nogueira busca desenvolver ao longo do trabalho.

São jogos de palavras e pequenas cacofonias poéticas que se espalham em meio a momentos de maior vulnerabilidade emocional. Canções que apresentam pistas, muitas delas voltadas ao universo feminino, mas que se permitem completar na cabeça do ouvinte. É como uma obra orgânica, viva e em constante processo de expansão, ainda que os versos a todo momento se voltem para dentro. A própria imagem de capa do disco, uma fotografia de Elisa Maciel, com Nogueira eclodindo em flores e espinhos, como um cacto, funciona como uma boa representação de tudo aquilo que caracteriza o repertório de Descese.

Embora imersa em um território bastante particular, por vezes difícil de ser explorado pelo ouvinte, Tori não está sozinha. Durante toda a execução do trabalho, as raízes desse cacto metafórico penetram o solo em busca de nutrientes e estabelecem relações com diferentes colaboradores. Além do já citado time de produtores, nomes como Joana Queiroz, Tainá, Dora Morelenbaum e Julia Mestre surgem e desaparecem durante toda a execução do material. Outro nome importante é o músico João Mário, com quem a artista divide parte dos versos e autor de preciosidades como Dies Irae, composição que abre passagem para a segunda metade do disco, quando essas relações, trocas e diferentes vozes se tornam mais evidentes.

Do breve encontro com Domenico Lancellotti, em Terceira Margem, passando pelo fechamento quase ensolarado de Minha Dança, mais uma vez acompanhada de João Mário, tudo parece pensado para atrair a atenção e encantar o ouvinte, mesmo que de maneira pouco usual. São fragmentos emocionais, líricos e sonoros que, uma vez organizados, destacam a sensibilidade e evidente domínio de Nogueira em um terreno subjetivo que parece desvendado somente por ela. Composições que trazem de volta a poética contemplativa que Tori já havia testado em Ignatia, (2019), último álbum com os parceiros de banda do Ipásia, mas que alcança melhor resultado e floresce com todo seu esplendor no fino repertório de Descese.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.