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Crítica

Tulipa Ruiz

: "Habilidades Extraordinárias"

Ano: 2022

Selo: Brocal

Gênero: Pop Rock, MPB

Para quem gosta de: Karina Buhr e Céu

Ouça: Kamikaze Total e Black Pluma

9.0
9.0

Tulipa Ruiz: “Habilidades Extraordinárias”

Ano: 2022

Selo: Brocal

Gênero: Pop Rock, MPB

Para quem gosta de: Karina Buhr e Céu

Ouça: Kamikaze Total e Black Pluma

/ Por: Cleber Facchi 26/09/2022

Em um cenário de algoritmos ditosos, incontáveis colaborações para furar as bolhas das plataformas de streaming e lançamentos semanais que tão rápido surgem logo desaparecem, Tulipa Ruiz segue em uma medida própria de tempo. Sete anos após o lançamento do último registro de inéditas, o acessível Dancê (2015), a cantora e compositora paulista utiliza de uma abordagem parcialmente distinta nas canções de Habilidades Extraordinárias (2022, Brocal). Da escolha pela captação analógica, registrada em fita ao invés de computadores, passando pela construção dos versos, tudo gira em torno de um universo particular.

Escolhida para inaugurar o trabalho, Samaúma, com sua poesia enigmática, funciona como uma delicada representação de tudo aquilo que Tulipa e o irmão, o produtor Gustavo Ruiz, buscam desenvolver ao longo da obra. “Os mistérios guardo na semelhança / Agrupo por cores / Em prateleiras“, brinca em um minucioso jogo de palavras que faz lembrar de Banho, musica produzida especialmente para Elza Soares no álbum Deus é Mulher (2018). São fragmentos poéticos que surgem e desaparecem durante toda a execução do material, tornando a experiência de ouvir o registro totalmente imprevisível e inquietante.

Colaboração com o músico maranhense Negro Leo, Pluma Black é outra que encanta pelo permanente cruzamento de informações, ritmos e vozes. São encontros consonantais que destacam a flexibilidade da letra “L”, lembrando as criações labirínticas de Itamar Assumpção. Esse mesmo caráter provocativo fica ainda mais evidente na composição seguinte, Kamikaze Total, criação em que se aprofunda nas pequenas submissões vividas pelas mulheres para atender ao “ego machucado, brocha” dos homens. “É cada troço que eu engulo / Gala, gula, juro“, detalha em meio a sintetizadores e versos cíclicos, como um mantra.

Mesmo quando desacelera, como na própria faixa-título, prevalece o lirismo afiado e capacidade de Ruiz em transformar elementos simples em objetos de evidente destaque, principalmente questões voltadas ao feminino. “Para sair de casa com ou sem batom / Tudo que brilhe em você / Para poder chegar em casa só / Tudo bem“, canta. É como um delicado exercício de exposição que parte das experiências vividas pela própria artista, porém, estreita de forma bastante sensível a relação com o ouvinte. Instantes em que Ruiz substitui a fragilidade dos primeiros discos em prol de um trabalho essencialmente reativo e necessário.

Nona composição do disco, Vou Te Botar No Pau talvez seja a música que melhor sintetiza a força explícita pela artista em Habilidades Extraordinárias. Enquanto os versos partem para o enfrentamento (“Pode crer, vou confrontar / Verificar o que passou despercebido / Vou te botar no pau“), guitarras ruidosas e batidas sempre destacadas transportam o som produzido pela cantora para um novo e sempre inusitado território criativo. Nada que impossibilite momentos de maior leveza, vide a curva breve dentro da mesma canção, proposta que parece esbarrar na obra de Rita Lee. A própria O Recado da Flor, reencontro com João Donato, funciona como um necessário respiro criativo após o turbulento processo de criação do registro.

Trabalho de digestão difícil quando comparado aos registros que o antecedem, entre eles Efêmera (2010) e o posterior Tudo Tanto (2012), Habilidades Extraordinárias custa a seduzir logo em uma primeira audição, porém, convence a cada novo regresso. Longe de respostas fáceis e canções imediatas, Ruiz entrega um repertório que exige ser desvendado e saboreado lentamente. Mesmo que algumas composições pareçam sobras dos álbuns anteriores, como Estardalhaço e Acho Que Hoje Eu Mesmo Dou, prevalece o esforço da artista em se reinventar e tensionar a experiência do ouvinte mesmo nos momentos de maior calmaria.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.