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Crítica

U.S. Girls

: "Heavy Light"

Ano: 2020

Selo: 4AD

Gênero: Experimental, Rock Alternativo, Indie Rock

Para quem gosta de: Amen Dunes e Julia Holter

Ouça: Overtime e And Yet It Moves / Y Se Mueve

8.0
8.0

U.S. Girls: “Heavy Light”

Ano: 2020

Selo: 4AD

Gênero: Experimental, Rock Alternativo, Indie Rock

Para quem gosta de: Amen Dunes e Julia Holter

Ouça: Overtime e And Yet It Moves / Y Se Mueve

/ Por: Cleber Facchi 11/03/2020

Heavy Light (2020, 4AD) está longe de parecer uma obra fácil. Contraponto curioso ao material entregue no antecessor In a Poem Unlimited (2018), o novo álbum de Meghan Remy como U.S. Girls preserva a essência nostálgica do material entregue há dois anos, conceito reforçado logo nas introdutórias 4 American Dollars e Overtime, porém, se permite avançar criativamente, provando de novas possibilidades, fórmulas pouco usuais e instantes de breve experimentação. São canções que atravessam a música produzida entre os anos 1970 e 1980 para mergulhar em um universo próprio da artista canadense, proposta que orienta a experiência do público até a derradeira Red Ford Radio.

Com base nessa estrutura, Remy entrega ao público uma obra que exige ser observada em suas particularidades, como se cada composição exercesse um função específica para o desenvolvimento do disco. Exemplo disso está na sequência formada entre Born To Lose e And Yet It Moves / Y Se Mueve. São pouco menos de sete minutos em que a multi-instrumentista canadense parte do mesmo soul-rock detalhado por David Bowie em Young Americans (1975) para um rock latino marcado pelo forte discurso político, tema central e importante elemento de aproximação entre as faixas do disco.

Eles mentem para nós sobre tudo / Eles mentem para nós sobre ontem, para que não possamos entender o amanhã“, aponta Remy enquanto sintetizadores tratados de forma detalhista se entrelaçam de maneira inexata, mudando de direção a todo momento. Instantes em que a musicista canadense preserva o som harmonioso que havia testado nos acessíveis Gem (2012) e Half Free (2015), porém, joga com a interpretação do ouvinte, brincando com a completa ausência de direção. É justamente essa fuga do óbvio que torna a experiência de ouvir Heavy Light tão satisfatória. Frações de um pop radiante que se perdem em meio a rupturas criativas, conceito que se reflete na poesia da obra, sempre regida pela insatisfação do eu lírico.

Você não escolheu nascer / E eu nunca ouvi falar de alguém que tenha / Eu nunca conheci nenhum bebê com um plano / Para saber como sobreviver, como permanecer vivo“, canta em IOU, uma balada melancólica que reflete parte do lirismo angustiado que rege o disco. São temas existencialistas, conflitos mundanos e a permanente sensação de isolamento da cantora. Instantes em que Remy parece em busca do próprio espaço em um cenário marcado pelo caos político, o avanço do conservadorismo e a corrupção fomentada pelo dinheiro, conceito reforçado logo nos primeiros minutos do disco, na já citada 4 American Dollars.

Parte dessa sensação é reforçada justamente nas vinhetas e inserções complementares que surgem no decorrer da obra. São faixas como The Most Hurtful Thing, canção montada a partir do depoimento de adultos sobre seus traumas e frustrações da infância, e a curtinha The Color Of Your Childhood Bedroom, música que tinge com tristeza e fino toque de nostalgia o eixo final do disco. Fragmentos de vozes e variações atmosféricas, como em State House (It’s A Man’s World), que fazem lembrar do completo experimentalismo que marca o trabalho de Laurie Anderson, principalmente em obras como Big Science (1982) e United State Live (1984).

Livre do parcial imediatismo explícito nas canções de In a Poem Unlimited, Heavy Light utiliza de uma estrutura particular, talvez difícil de ser absorvida em uma primeira audição, porém, satisfatória à medida em que desvendamos a estranha narrativa proposta pela musicista canadense. Trata-se de uma obra marcada pelas possibilidades. Canções que resgatam a essência melódica e lirismo acessível do material apresentado nos últimos trabalhos da cantora, vide a atmosfera convidativa de Overtime e Born To Lose, mas que em nenhum momento deixam de bagunçar os rumos da obra, cuidado que orienta a formação do álbum mesmo nos momentos de maior calmaria.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.