Disco: “Government Plates”, Death Grips

/ Por: Cleber Facchi 19/11/2013

Death Grips
Hip-Hop/Rap/Experimental
http://thirdworlds.net/

Por: Cleber Facchi

MC Ride

Não existem atalhos para quem resolveu se aventurar pela obra do Death Grips. Desde a apresentação de Exmilitary, mixtape de 2011, cada registro assinado pela trinca californiana parece se perder em um jogo de experiências essencialmente ruidosas. São vozes desenvolvidas de forma descompassada, batidas íntimas do Math Rock e uma avalanche densa de sons que ampliam o teor de desespero que ocupa a curta discografia de MC Ride, Zach Hill e Flatlander. Um exercício que até parecia assumido de forma “comercial” na construção de The Money Store, mas se transformou em caos no polêmico NO LOVE DEEP WEB, e agora se fragmenta por completo na arquitetura torta de Government Plates (2013, Independente).

Seguindo a pista suja de I’ve Seen Footage e outras faixas carregadas pela eletrônica no último ano, o novo álbum traduz na irregularidade de 11 canções uma desconstrução dentro do que já parecia (in)certo na obra do trio. Coletando aspectos específicos do Industrial Rock, Noise e, claro, Hip-Hop, o disco concentra na mudança brusca o princípio de renovação dentro da estética do projeto. Se antes as composições pareciam capazes de assumir um fluxo “estável”, pelo menos dentro do próprio desenvolvimento, hoje nada disso parece ter sobrevivido. Cada música pende para uma direção oposta, quebrando versos, sons ou mínimos ruídos em um cenário marcado pela constante ruptura.

Diferente da proposta assumida nos três últimos álbuns, Government Plates é uma obra em que os sons falam mais alto dos que as próprias rimas. Mesmo que a presença de MC Ride seja fundamental para as canções, trazendo nos versos sujos um movimento natural, é na manifestação das bases e arranjos sintéticos que o disco cresce de fato. Basta observar a inaugural You might think he loves you… ou a “simpáticaBirds para perceber o quanto as vozes são moldadas de acordo com as batidas. Do detalhamento tímido dos sintetizadores, passando pela quebra rústica das bases, todos os elementos são movidos em essência pelos sons. O próprio Ride, em diversos momentos do álbum, funciona muito mais como um instrumento do que um mecanismo orgânico em si, algo explícito nas vozes cada vez mais carregadas de efeitos que ocupam o trabalho.

Por mais que a arquitetura caótica do álbum pareça desenvolvida para transformar a mente do ouvinte em um condensado liquefeito, pela primeira vez um registro do Death Grips se revela “acessível” ao grande público – ou quase isso. Mesmo no meio do turbilhão de experiências opostas que definem o eixo central da obra, músicas aos moldes de Two Heavens e a própria Birds garantem um ponto de respiro ao espectador médio. São vozes delineadas em uma formatação semi-melódica, mas que de forma alguma se esquiva do fluxo instável imposto em toda a construção do álbum. Uma abertura para o jogo de imposições que lentamente se transformam em confusão (controlada) no decorrer do projeto.

A instabilidade, entretanto, ainda é o principal alimento de todo disco, e é dentro desse estágio irregular que a obra do Death Grips alcança seu melhor estágio. O mais interessante talvez seja observar como toda essa movimentação acontece em poucos instantes. Faixas como Anne Bonny e Im Overflow parecem diluir em poucos minutos toda a essência dos registros anteriores. Um tipo de resumo acelerado e excêntrico que quase transforma o disco em uma versão em “miniatura” do mesmo catálogo de batidas, rimas e sons impostos com maturidade no último ano. Mesmo desenvolvido em pouco mais de 30 minutos, Government Plates se apresenta de forma nítida como a obra com a maior soma de possibilidades dentro da curta trajetória do coletivo. Não é difícil perceber durante todo o disco uma série de elementos antes raros, caso da IDM em Big House, o Glitch em Feels like a wheel ou mesmo outras variantes da recente eletrônica norte-ameircana. Uma prova de que o trio californiano, cada vez mais, parece distante de buscar pelo conforto.

Com ares de “resposta” ao cenário proposto por Kanye West em Yeezus – obra que se apossou de diversos elementos conquistados em The Money Store -, o presente álbum encontra no dinamismo dos sons um caráter pleno de provocação. É como se a tríade desarticulasse a própria base conceitual – se é que algum dia ela existiu – dentro de uma formatação ainda mais anárquica. Enquanto nos registros anteriores faixas como The Cage e Black Dice garantiam um mínimo equilíbrio ao ouvinte, com o recente álbum pouco desse princípio parece ter sobrevivido. Da abertura ao fechamento, cada canção parece agrupada em um bloco totalmente desconfigurado de sons e interferências. Não há começo, nem fim, apenas um sentimento continuo de desapego e ausência de ordem cada vez maior.

 

Death grips

Government Plates (2013, Independente)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Danny Brown, DJ Rashad e Kanye West (do álbum Yeezus)
Ouça: Birds, You might think he loves you… e Whatever I want (Fuck who’s watching)

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.