Disco: “Grão”, Fábrica

/ Por: Cleber Facchi 07/11/2013

Fábrica
Indie/Alternative/Experimental
http://fabricaoficial.tumblr.com/

Por: Cleber Facchi

Fabrica

Existe uma distância imensa entre as canções instaladas no debut da banda carioca Fábrica, de 2012, e o recém-lançado Grão (2013, Independente). Se há poucos meses a orientação encontrada por Emygdio Costa, criador do projeto, era a de apresentar um som essencialmente prático, fundindo samba e rock em um aconchego típico do pop, ao alcançar o novo disco, nada disso parece ter sobrevivido. Mesmo que íntimo de traços específicos do som proposto no último ano – um cruzamento que encontra a velha MPB com a estética do Los Hermanos -, Costa e os parceiros de banda vão além, transformando o novo álbum em uma morada de incertezas que arrastam o ouvinte para um turbilhão de percepções sempre marcadas pela sutileza.

Ora íntimo dos coros de vozes, experimentos e tramas ambientais do Grizzly Bear, ora próximo das harmonias e dedilhados acústicos de Edu Lobo, Grão é uma obra de possibilidades. Enquanto faixas como O que é que o samba tem? e Melhor Que Eu, expostas no último ano, pareciam dançar em um palco de experiências cercadas, cada música do recente álbum autoriza a banda a provar de distintas referências sem qualquer limite aparente. São canções que se vestem com o mesmo cuidado de obras como Veckatimest (2009), mergulham na essência do samba e fragmentam o pop em um detalhe excêntrico. Um conjunto imenso de preferências estáveis, mas que se transformam delicadamente a todo o instante.

Brincando com os arranjos em uma essência sublime e ruidosa, o disco parece ser tudo aquilo que Sábado do cantor Cícero parecia anunciar, mas não conseguiu de fato colocar em prática. Parte natural dessa transformação não está na escolha de Costa em romper com a sonoridade anunciada no disco passado, mas em agregar ao presente álbum uma série de marcas já acertadas em outros projetos que há tempos desenvolve. Arrastando para dentro do disco toda a manifestação estética do Sobre A Máquina – representado pelos parceiros Cadu Tenório e Alexander Zhemchuzhnikov -, a banda faz com que os experimentos dancem pelas melodias simples de outrora, fomentando um conjunto de músicas distantes e próximas do ouvinte na mesma medida. Dessa forma, enquanto o debut assume um detalhamento da aura matutina, Grão é manifestação específica da noite.

Fazendo uso de canções cada vez mais subjetivas, Emygdio encontra nas vozes um complemento natural para os arranjos. Em oposição ao acabamento proposto em todo o debut, Grão é uma obra em que o som fala mais alto do que as palavras. Aqui não há espaço para possíveis hits ou mesmo canções de essência radiofônica, resultado que o disco sustenta com leveza e instabilidade até o último segundo. Em determinados momentos, como na construção de Matilha e Viração, os versos simplesmente desaparecem, abrindo espaço para que ruídos vocálicos assumam a direção em uma forte aproximação com a obra de Djavan. São pequenas melodias efêmeras que surgem e desaparecem a todo momento. Uma típica representação dos sons instáveis que borbulham de forma aleatória na mente de qualquer pessoa.

Claro que a busca por um cenário menos óbvio em relação ao trabalho passado não exclui o público de canções mais “simples” e vendáveis. Prova concreta disso está no arsenal de vozes e sons que definem toda a composição de Mais um, Infante (com a presença do conterrâneo Momo) e Córrego. Concentrando décadas de referências – nacionais e estrangeiras – em uma espiral turbulenta, cada composição vai do recolhimento ao esforço de grandeza em um piscar de olhos, estabilizando desde cenários jazzísticos até o fluxo épico de bandas como Arcade Fire. Já outras como Resposta e Verão trazem de volta toda o acolhimento do disco passado, substituindo o fluxo pop por um jogo de complementos ambientais, indo da inclusão de arranjos de cordas até doses condensadas de distorção.

Além do habitual grupo de colaboradores – como Alexandre Goulart, Gabriel Feitosa, e Ricardo Gameiro – e da presença dos parceiros do Sobre A Máquina, a inclusão de Sávio de Queiroz (Epicentro do Bloquinho/Ceticências) como produtor do disco garante maior homogeneidade ao resultado final. É como se toda a carga de referências (grande parte delas essencialmente complexas) fossem assumidas com cuidado, resultando em uma obra que caminha pelo pop e as experimentações em um sentido de harmonia estável. Se há um ano a estreia do Fábrica ecoava como uma obra atrasada, principalmente dentro da recente cena carioca, com Grão a banda assume o que há de mais inventivo dentro do mesmo universo. Uma proposta que faz do presente disco mais do que uma continuação ao “ensaio” de 20112, mas um novo começo.

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Grão (2013, Independente)

Nota: 8.6
Para quem gosta de: Cícero, Los Hermanos e Alice Caymmi
Ouça: Mais Um, Córrego e Infante

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.