Disco: “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui”, Emicida

/ Por: Cleber Facchi 27/08/2013

Emicida
Brazilian/Hip-Hop/Rap/
http://www.emicida.com/

 

Por: Cleber Facchi

Emicida

Se “a vida é só um detalhe”, como apontam os versos de Crisântemo, então a construção de O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), “estreia” de Emicida, é marcada inteiramente por eles. Detalhes. Do sonho lúcido que atravessa o álbum com o conceito de Milionário De Sonho, ao jogo de bases carregadas de acerto melódico, das rimas cruas ao catálogo de sons esculpidos com cuidado, cada passo dado pelo rapper no interior do novo disco se transformar em uma manifestação aprimorada do que foi conquistado previamente – seja em estúdio ou no ambiente caseiro da primeira mixtape. Um misto claro de maturidade e descoberta que amplia os resultados anteriores do artista e, naturalmente, o encaminha ao grande público.

Posicionado em um meio termo exato entre o Underground e o Mainstream, Emicida usa do novo registro como um ponto de colisão entre referências. De um lado estão faixas tomadas pelo comercial (Gueto), incorporações melódicas (Hoje Cedo) e azulejos musicais que aproximam o rapper da Nova MPB (Samba Do Fim Do Mundo). No outro oposto, canções que aprimoram a relação do paulistano com tudo o que foi conquistado nas duas mixtapes anteriores – Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe (2009) e Emicídio (2010). São faixas como Levanta e Anda, Noiz e Crisântemo que reforçam a posição do rapper como um dos mais significativos e provocantes da presente geração.

Desenvolvido em um efeito conceitual – cortado pelo jogo de palavras entre o rapper e a poetisa Elisa Lucinda -, O Glorioso Retorno… narra as experiências do próprio Emicida em um sentido visível de queda e ascensão. São passagens amargas pela periferia de São Paulo em Nóiz, um olhar saudoso para o passado em Crisântemo (com a presença da própria mãe, Dona Jacira), além de um efeito típico da música Gospel que preenche o álbum com um toque de auto-ajuda, em Bang. Passado e presente se confundem, como se o rapper desenvolvesse um personagem de si próprio, o que, na contramão de outros projetos de efeito similar, se traduz em acerto no decorrer da obra.

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Em um sentido visível de continuação, o novo registro é apresentado como uma quase sequência aos sons abordados em Doozicabraba e a Revolução Silenciosa EP (2011). Instrumentalmente bem delineado, o álbum permite em diversos momentos um flerte honesto com o samba, exercício que impulsiona de forma natural a estética de Trepadeira e Hino Vira-Lata, parcerias com Wilson das Neves e Quinteto em Branco e Preto, respectivamente. Entretanto, é no bem aproveitado uso das batidas e bases bem instaladas que o disco cresce como uma evolução aos discos anteriores. Basta a atmosfera “rock” que impulsiona a amargura de Hoje Cedo, assertiva colaboração com Pitty, ou os samples de Levanta e Anda, com o rapper Rael, para perceber isso.

Posicionado em um alicerce lírico digno de nomes de peso da cena estrangeira e local, Emicida esculpe o trabalho com palavras que mesmo tomadas pelo efeito de grandeza, rompem com o descartável em um cuidado nítido. Há um olhar seguro para as periferias durante grande parte do tempo, porém, sem a mesma crueza que naturalmente ocupa a obra de veteranos como Racionais MC’s e Pavilhão 9. Emicida canta sobre a esperança, muito mais do que sobre a descrença, o que amplia o catálogo de possibilidades do trabalho. Aos poucos, longe do próprio universo que o apresentou há quatro anos, o rapper assume um sentido visível de coletivo, de “quebra de muros” e “cortinas que se rasgam”, olhando para todos os lados da “cidade”. Afinal, como os versos que costuram o eixo final de Nóiz: “Quem vê só um lado do mundo/ Só sabe uma parte da verdade”.

Pronto para as massas e ainda atento aos desejos dos marginalizados, o paulistano cria com o “debut” um cercado particular não apenas dentro do Rap nacional, mas de todas as vertentes da música pátria. Uma espécie de ponto de encontro para diferentes ritmos, temáticas e histórias amarradas pelas rimas do rapper. De Tulipa Ruiz ao veterano Wilson Das Neves, do Funk de MC Guimé ao R&B de Rafa Kabelo, há espaço para todos no cenário coletivo da obra. Emicida pode nunca ter estado aqui, como o título da obra revela de forma óbvia, contudo, a chegada do presente registro e os pilares sólidos arquitetados anteriormente, garantem ao artista um lugar de nítido destaque, no topo da cena recente, e com os holofotes merecidamente apontados para ele.

 

Emicida

O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013, Laboratório Fantasma)

Nota: 9.3
Para quem gosta de: Criolo, Projota e Rashid
Ouça: Levanta e Anda, Crisântemo e Hoje Cedo

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.