Disco: “Pure Heroine”, Lorde

/ Por: Cleber Facchi 30/09/2013

Lorde
Alternative/Pop/Female Vocalists
http://lorde.co.nz/

Por: Cleber Facchi

Lorde

Mas toda música fala sobre dentes de ouro, vodka, drogas no banheiro/ (…) E nunca seremos da realeza, não corre no nosso sangue/ Esse tipo de amor não é pra gente”. Quando os versos de Royals chegaram aos ouvidos do público no último ano, a jovem Ella Yelich-O’Connor, a Lorde, assumiu um espaço isolado não apenas dentro da produção musical neozelandesa, mas de alcance além do território insular a que estava submetida. Capaz de brincar com a música pop em uma medida instrumental e lírica de visível caráter adulto, a jovem foge aos clichês de outros artistas da mesma idade (ou até superior), transformando o primeiro registro em estúdio em uma representação antagônica de tudo que a adolescência estilizada tenta passar.

Como se pusesse à prova toda obra encarada com maturidade, assim que entramos no território moldado para Pure Heroine (2013, Universal) Lorde assume a própria grandeza. São batidas arquitetadas em uma atmosfera épica e ao mesmo tempo ponderada, emanações de caráter minimalista, mas que sufocam, além de um cercado poético obscuro que consegue ir além das temáticas de uma jovem de sua idade. Em um exercício atento e por vezes confessional, a cantora acaba desenvolvendo uma obra de reforço universal, rompendo a plasticidade colorida dos adolescentes típicos das comédias norte-americanas para falar sobre pessoas reais, sobre ela e sobre você.

Não por acaso, assim que começou a chamar as atenções da imprensa no último ano, Lorde acabou apresentada como uma versão sombria e de plena oposição ao trabalho de Lana Del Rey. Enquanto a cantora nova-iorquina aparece como uma nítida representação do sonho americano nos anos 1950/1960 – dirigindo um carro conversível por uma estrada deserta, ao mesmo tempo em que a bandeira dos Estados Unidos ondula em câmera lenta -, a novata passeia pelo presente, falando sobre temas comuns e talvez desprezados por outras “divas pop“. “Vivemos em cidades que você nunca vai ver na TV/ Nada bonitas/ Mas com certeza sabemos como correr livremente”, entrega em Team, uma das muitas canções que arquitetam o cenário obscuro-realista da obra.

Livre de excessos e em busca de uma natureza instrumental própria, a cantora e o músico/produtor Joel Little finalizam juntos toda a construção musical do registro. Dividindo letras e arquitetando os sons em uma medida de forte proximidade, o duo faz com que cada instante do álbum seja encarado como um fragmento do resultado final do disco. Do princípio ao fim, Pure Heroine é uma obra recheada por acertos instrumentais detalhistas que se completam, como se cada música apresentada ao longo da obra servisse como chamada para a canção seguinte, efeito que ambienta o ouvinte em uma atmosfera previsível, mas não por isso, menos encantadora. Little e Lorde, intencionalmente ou não, entregam ao público um catálogo prático de hits que mesmo acessíveis, estão longe de cair em redundância.

Mais do que o cuidado no manuseio dos sons, a estreia da neozelandesa é uma obra guiada com acerto pelas palavras. Enquanto Royals, Tennis Court e White Teeth Teens dão vida ao jogo lírico cotidiano da cantora, parte substancial do trabalho encontra nas melodias sublimes um aproveitamento seguro do registro. São músicas como Buzzcut Season, que firmam no jogo de palavras típico do Rap um alimento para o que poderia ser encarado de forma redundante no pop tradicional. Outras como 400 Lux e Ribs amenizam as vocalizações da artista em uma massa harmônica de sons, preenchendo as batidas e sintetizadores com uma camada extra de arranjos, como texturas. Uma obra que pode até prender o amante da música pop convencional – com todas suas frases amplas e efeitos -, mas acima de tudo, um trabalho que vai além de parcas audições ou conteúdo propositalmente fabricado para o descarte.

Sem cair em redundância e capaz de passear por uma variedade de terrenos em um forte entendimento de homogeneidade, Lorde finaliza uma obra pontuada de forma evidente pela maturidade, mas que ainda esconde seu real valor. Intencionalmente tímido em alguns aspectos, Pure Heroine é um disco que parece ocultar ou quem sabe controlar a artista (principalmente nos momentos finais), como se a cantora estivesse de fato reservando o ouro que suas palavras já conseguem revelar. Concorde ou não, mas essa parece ser a estratégia mais exata para o crescimento da própria artista, afinal, quando alguém já nasce grande como Lorde, manter a calma e surpreender aos poucos parece ser o caminho mais seguro – para ela, ou para o ouvinte.

 

Pure Heroine

Pure Heroine (2013, Universal)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Lana Del Rey, Banks e London Grammar
Ouça: Royals, Ribs e Team

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.