Disco: “Quando Calou-se A Multidão”, Guri

/ Por: Cleber Facchi 18/10/2013

Guri
Brazilian/Indie/Alternative
http://www.guriassisbrasil.com.br/

Guri Assis Brasil

Um coração partido e Guri Assis Brasil teria em mãos a matéria-prima para a construção de Quando Calou-se A Multidão (2013, Independente). Estreia solo do guitarrista e um dos principais compositores da banda gaúcha Pública, o presente álbum é, antes de tudo, um catálogo de memórias sorumbáticas posicionadas sem ordem aparente. Tratado em um exercício honesto de confissão e pequenas reminiscências amargas, o disco encontra no território sombrio do pós-relacionamento a base para um conjunto de experiências que vão do piegas, ao que há de mais sincero no próprio abandono.

Longe da relação com o britpop melódico que tanto embala a proposta de sua antiga banda, Guri fragmenta os próprios sentimentos em um som de forte aproximação com a música Brega dos anos 1970. Poderia ser Odair José, Erasmo Carlos ou Waldick Soriano, mas é apenas mais um retrato atual de um indivíduo sem rumo e que transforma o desespero em música. Com um cuidado atento no manuseio das líricas, o cantor se desprende parcialmente dos sons, encontrando nos versos de forte relação com o ouvinte o princípio para uma obra que busca ir cada vez mais fundo, além dos limites do fundo do poço.

Eu tô tentando te esquecer”, “Aonde você foi parar?”, “Mas não me peça pra jurar te esquecer” são alguns dos versos que impulsionam com tristeza e certa dose de esquizofrenia toda a construção do álbum. Seguindo pela mesma trilha de memórias recentes que apresentou a Pública em 2006, com o álbum Polaris, Guri se transforma na face de uma centena de indivíduos sofredores. Ao apostar em um registro ausente de linearidade, o músico logo se apresenta tanto como o solitário personagem em um fim de namoro, como o indivíduo inseguro que vê o relacionamento se fragmentar aos poucos. Cacos de diversos corações colados para a construção de um único sofredor.

Curioso observar o quanto álbum esbarra em uma série de conceitos aproveitados recentemente por outros artistas. De Bruno Souto, em Estado de Nuvem, ao trabalho de Bárbara Eugênia, com o amargo É O Que Temos, a melancolia funciona como uma ferramenta sublime. Parte disse parece fluir como uma natural continuação daquilo que Pélico testou em 2011, com o disco Que Isso Fique Entre Nós, efeito reforçado com a participação do músico paulistano nos versos e vozes de Ao Sul, uma das composições mais dolorosas de toda a obra. Contudo, Guri, longe de repetir experiências, encontra na busca por uma manuseio pop dos instrumentos um ponto de transformação.  

Basta observar a arquitetura simples da faixa-título, ou quem sabe Palermo, parceria um pouco mais densa com Eduardo Praça (Quarto Negro), para perceber o quanto a fluidez dinâmica da obra impede que ela se desmanche em exageros. Mesmo nos instantes mais dolorosos do álbum, quando abre o coração e despeja todas suas confissões, Assis Brasil em nenhum momento exagera. Há um ponto constante de sobriedade, como se antes de mergulhar de cabeça no precipício, o músico resolvesse parar. Ainda assim, Quando Calou-se A Multidão é uma obra que está longe de parecer esperançosa. “Eu não consigo mais ter tempo pra sonhar”, entrega o músico em um dos instantes que melhor revelam o quão sombrio é o atual cenário do cantor.

De composição naturalmente simples, o registro materializa na arquitetura honesta dos versos um princípio de crescimento. Sempre próximo do ouvinte (ou seria o contrário?), o cantor estabiliza um cenário em que sofrer ganha um novo significado, por vezes, tratado como um efeito essencial. Como ponto fundamental, o cantor pontua a obra como um cardápio rápido de temas que longe de garantir qualquer conforto ao espectador, assertivamente potencializam esse resultado de angústia. Dessa forma, sofrer, poucas vezes antes, pareceu fluir como algo tão “positivo”.

 

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Quando Calou-se A Multidão (2013, Independente)

Nota: 7.8
Para quem gosta de: Pélico, Pública e Bárbara Eugênia
Ouça: Azul, Ao Sul e Palermo

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.