Disco: “Quarup”, Lupe de Lupe

/ Por: Cleber Facchi 02/12/2014

Lupe de Lupe
Alternative Rock/Indie Rock/Shoegaze
http://lupedelupe.bandcamp.com/

Por: Cleber Facchi

Quarup (2014, Independente) é uma obra imensa. São 21 canções inéditas e estruturalmente sujas, quase artesanais. Fragmentos divididos em atos curtos de dois ou três minutos – PKA Prefácio, Minha Cidade Em Ruínas -, até blocos extensos de ruídos densos, longas formações distorcidas capazes de ultrapassar os dez minutos de duração – Jurupari, Carnaval. Todavia, não são os 110 minutos do (ambicioso) registro que fazem dele a peça mais grandiosa já projetada pela mineira Lupe de Lupe. Em um cenário torto, “podre” e caótico, talvez o mesmo Reino de Minas Gerais desconstruído em Sal Grosso (2012), o quarteto lentamente expande os limites do próprio universo, desenvolvendo um dos retratos mais honestos da música (e sociedade) brasileira recente.

Longe do romantismo melancólico que corrompe grande parte do rock nacional, cada segundo do álbum (duplo) ultrapassa os limites acolhedores do eu lírico de forma a explorar um cenário arquitetado em torno dos indivíduo – sejam eles personagens reais ou fictícios. Da declaração partidária/ideológico em O Futuro É Feminino (“Meu coração é brasileiro/ Pois o futuro é feminino/ Minha presidente é uma mulher“), ao descritivo ambiente desbravado no interior de Carnaval, Quarup é uma obra que se esquiva da comodidade óbvia do “amor” e “dor”, reforçando no uso de temas sociais um exercício provocativo, temperado pela crueza.

Ainda que esse mesmo conceito seja evidente desde o primeiro trabalho da banda, o curto Recreio, de 2011, parte substancial das composições nascem como fruto de uma transformação recente do quarteto. Desde o lançamento de Distância EP, no último ano, faixas como Os Dias Morrem e Areia Suja parecem reforçar o lado “crítico” da banda, hoje ampliado em canções amargas como Você é Fraco e Eu Já Venci – esta última, uma das melhores e, talvez, mais acessíveis faixas da Lupe de Lupe.

De fato, grande parte do conteúdo entregue no decorrer do presente registro cresce como uma extensão inteligente dos conceitos apresentados no último ano pelo grupo, postura evidente não apenas no discurso “social” imposto em boa parte das canções, mas principalmente no aspecto caótico que guia os sentimentos de cada um dos vocalistas – Renan Benini, Gustavo Scholz e Vitor Brauer, este último, também produtor do disco.

Mesmo nos instantes de maior delicadeza (Gaúcha) e humor (Esse Topper Foi Feito Para Andar), há sempre um tempero extra de desespero, condimento que aos poucos sufoca e perturba a mente do ouvinte – arremessado em todas as direções. Como uma bomba relógio, tensa, Quarup amarra desilusões, cacos aleatórios de um coração partido e fragmentos vindos de diversos relacionamentos fracassados. Um agregado de experiências amargas, base para faixas curtas como Moreninha (RJ) (“Por que tanta mágoa assim nesse mundo que é só seu?“) ou mesmo peças extensas aos moldes de Querubim (“Houve um tempo/ Em que o céu era azul pra mim também“).

Curioso perceber na lenta Ágape, um Pós-Punk sujo e climático, a melhor representação de todo esse conceito desesperador, quase urgente, que rege a obra de forma versátil. Peça mais distinta do trabalho, a canção de quase seis minutos cresce como uma completa ruptura dos temas – poéticos e instrumentais – solucionados pela banda, principalmente no eixo final do registro. Uma espécie de refúgio e forte indicativo para a construção isolada que cerca cada composição em ambiente particular de referências.

Em um exercício inteligente, como um bloco de experiências sobrepostas e obras condensadas em um mesmo espaço autoral, Quarup é um registro corrompido pela imperfeição. Os vocais desafinam a todo o instante, as guitarras soam imperfeitas e mesmo o alinhamento dos versos está longe de agradar ao mais motivados dos ouvintes. Diferente do bloco homogêneo de ruídos exaltado desde Sal Grosso, com o novo disco o grupo mira, atira e acerta em todas as direções. Noise Punk em Jurupari (parceria com Cadu Tenório); doses de psicodelia em Colgate; Shoegaze em Minha Cidade Em Ruínas.

Como reforça o ritual indígena que concede título ao trabalho, a banda materializa um conceito que se arrasta obscuro do mundo dos mortos. Uma ambiente dominado pelo choro, constante lamentação, medo e sentimentos corrompidos pela desordem. Talvez soe como uma desculpa esfarrapada para o som falho de um projeto iniciante, protegido pelo rótulo óbvio de “Lo-Fi”, entretanto, a julgar pela experiência acumulada pelo quarteto mineiro, em Quarup a Lupe de Lupe assume a perfeita exposição de um grupo que encontrou na própria deformidade a principal ferramenta de equilíbrio.

 

Quarup (2014, Independente)

Nota: 9.1
Para quem gosta de: Jair Naves, Nvblado e Câmera
Ouça: Eu já venci, Ágape e O Futuro É Feminino

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.