Pequenos Clássicos Modernos

/ Por: Cleber Facchi 26/03/2013

Lily Allen
British/Pop/Female Vocalists
http://lilyallenmusic.com/lily/

Por: Cleber Facchi

Lily Allen

A música pop britânica se dividiu em duas vertentes bem específicas em 2006. De um lado permaneceram as herdeiras do clima sombrio que predominava na obra de Amy Winehouse. Artistas como Adele, Duffy e Corinne Bailey Rae influenciadas pelo drama e o regresso à soul music – proposta que alimenta a completude de Back To Black, maior obra da hoje falecida artista. Quase como um contraponto açucarado aos inventos chorosos da conterrânea, Lily Allen tratou de destilar os dramas pessoais e a melancolia do pós-relacionamento de maneira ensolarada, substituindo o R&B pelo Ska, o choro pela ironia e o desespero pelo bom humor na adorável estreia Alright, Still (2006, EMI).

Depois de conquistar relativo sucesso em sua página no MySpace, Allen (nascida Lily Rose Beatrice Cooper) assinou contrato com uma grande gravadora, dando vida ao primeiro registro em estúdio e um dos primeiros trabalhos que marcaram a transposição de um artista surgido na internet para o centro da indústria musical. Mantendo o mesmo tom de deboche e o bom humor que acumulava em suas composições virtuais, a artista fez do Hit Smile (lançado em seis de março daquele ano) a primeira mostra do projeto que vinha desenvolvendo. Acompanhada de um time imenso de produtores, músicos e engenheiros de som, a jovem cantora faria do primeiro álbum um fino exemplar da música pop e ao mesmo tempo um trabalho que parece ir além desse limite.

Circundada por referências distintas da música britânica (e mundial), Allen atravessa os ritmos jamaicanos em LDN, lida de maneira descompromissada com o Grime em Everything’s Just Wonderful, brinca com o Britpop em Take What You Take e até faz de Shame For You um contraponto ensolarado os sons obscuros que posteriormente viriam a flutuar no trabalho de Winehouse. Alright, Still é tudo, menos um registro ingênuo ou um produto pop de fundamentos descartáveis. Transformando problemas cotidianos, crises de relacionamentos e o término recente de um relacionamento na matéria-prima que alimenta o álbum, Lily alcança um retrato musical honesto e uma manifestação coesa de todas as crises que acompanham o dia-a-dia de um jovem adulto.


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Parte fundamental do que estimula e eterniza o álbum ainda hoje vem da instrumentação forte que é despejada ao longo da obra. Faixa após faixa guitarras bem planejadas, naipes de metais, arranjos de cordas, sintetizadores bem posicionados e todo um jogo de samples cuidadosamente executados vão se acomodando, formalizando as bases para que as letras agridoces de Allen sejam construídas. Ainda que a primeira metade do disco identifique o caráter mais sintético da obra, basta mergulhar no dub de Friday Night ou no clima tropical de LDN para observar o esmero com que o disco é desenvolvido e toda a versatilidade de instrumentos que se acumulam dentro dele. Porção ampliada na melancolia de Littlest Things, nas orquestrações cômicas de Alfie e até no semi-rock Take What You Take.

Filha do ator e músico britânico Keith Allen, Lily trouxe da amizade do pai com Joe Strummer (The Clash) parte das transições pelo regga, ska e diversos ritmos regionais que alimentam toda a execução e construção da obra. A medida não apenas serviu como estímulo para romper com a regularidade do pop eletrônico da época, como da música britânica como um todo. Enquanto o Arctic Monkeys (grande fenômeno daquele período) tingia com ruídos acinzentados boa parte da cena inglesa (resultado da bem sucedida estreia com Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not), Allen parecia surgir como um contraponto festivo, acrescentando um pouco de cor e ritmo ao que Alex Turner e tantos outros seguiam de forma quase matemática (e extremamente copiosa) naquele instante.

Talvez pela busca por um som marcado pelos elementos sintéticos, ausência de instrumentos plurais e até mesmo pela construção de letras pseudo-criticas, com o lançamento de It’s Not Me, It’s You em Fevereiro de 2009 Lily Allen se mostrou incapaz de passar na “prova do segundo disco”. Ainda assim, a cantora se mantém responsável por uma sequência de crias e base nítida do que alimenta boa parte dos lançamentos do gênero ainda hoje, feito que transforma Alright, Still em um dos projetos mais divertidos e bem construídos da cena inglesa recente – mesmo que para alguns ele ainda pareça como um descartável registro pop.

Lily Allen

Alright, Still (2006, EMI)


Nota: 8.5
Para quem gosta de: Kate Nash, Eliza Doolittle e Mika
Ouça: LDN, Everything’s Just Wonderful e Littlest Things

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.