10 Discos Essenciais: Merge Records

/ Por: Cleber Facchi 31/07/2018

 

Formada em 1989, a Merge Records tinha como objetivo inicial distribuir os trabalhos produzidos pela dupla Laura Ballance e Mac McCaughan no Superchunk. Entretanto, em quase três décadas de atuação, o selo original da cidade de Durham, Carolina do Norte, acabou se transformando na casa de alguns dos projetos mais significativos da cena independente. De veteranos, como Archers of Loaf, Dinosaur Jr., M. Ward e Teenage Fanclub a novatos, caso de Waxahatchee, Ex Hex e Wild Flag, sobram trabalhos de profunda relevância que contaram com o suporte do selo. Dando continuidade à nossa série que revisita o catálogo de diferentes gravadoras e núcleos criativos – como a XL Recordings, 4AD e Balaclava Records –, listamos 10 discos essenciais da Merge Records. Menções honrosas: I Hope Your Heart Is Not Brittle (1993), do Portastic; Poor Fricky (1995), do East River Pipe; The Museum of Imaginary Animals (2000), do Pram; Andorra (2007), do Caribou; MCII (2013), de Mikal Cronin.

 

Polvo
Today’s Active Lifestyles (1993, Merge)

Ouvir Today’s Active Lifestyles é como se transportar para o início dos anos 1990. Das guitarras que se espalham sem pressa na inaugural Thermal Treasure, sempre sujas, passando pelo uso de fórmulas não convencionais, em Lazy Comet, até alcançar a atmosfera delirante de Stinger (Five Wigs), com seus quase oito minutos de duração, cada elemento do segundo álbum de estúdio do grupo norte-americano Polvo parece pensado para brincar com a experiência do ouvinte, convidado a se perder em meio a instantes de puro caos. Trata-se de uma clara evolução quando voltamos os ouvidos para o antecessor Cor-Crane Secret (1992), cuidado que se reflete na forma curiosa como cada composição do disco parece manipular o público, convidado a se perder em um território de pequenas incertezas. Fundamental para a construção da identidade musical da banda, Today’s Active Lifestyles serviria de base para toda a sequência de obras entregues pelo grupo até o fim da mesma década, vide o contínuo aprimoramento criativo em Exploded Drawing (1996) e Shapes (1997).

 

Superchunk
Foolish (1994, Merge)

Principal símbolo da Marge Records, o Superchunk, grupo comandado pelos fundadores do selo norte-americano, o guitarrista Mac McCaughan e a baixista Laura Ballance, passou grande parte da década de 1990 se revezando em uma série de obras profundamente relevantes para a cena alternativa. Claro ponto de maturação da banda de Chape Hill, Carolina do Norte, Foolish, de 1994, não apenas revela ao público algumas das composições mais icônicas do banda, caso de Driveway to Driveway e a inaugural Like a Fool, como ainda preserva o mesmo frescor da época em que foi lançado, sobrevivendo como um dos principais exemplares do período. São pouco mais de 50 minutos em que a banda se concentra na produção de um material essencialmente enérgico, concebido em meio a vozes berradas e guitarras melódicas, como uma fuga de tudo aquilo que Nirvana e demais representantes do grunge vinham experimentando até aquele momento. O destaque acaba ficando por conta da composição dos versos, do primeiro ao último instante centrados nas desilusões de McCaughan depois de um relacionamento fracassado. Com produção de Brian Pulson (Beck, Dinosaur Jr.), o trabalho ainda conta com a mixagem co-assinada por Steve Albini.

 

Neutral Milk Hotel
In the Aeroplane Over the Sea (1998, Merge / Domino)

De todos os trabalhos lançados em 1998, In the Aeroplane Over the Sea segue como o mais icônico e, ainda hoje, influente. Resultado das experimentações de Jeff Mangum no Pet Sounds Studio, do produtor Robert Schneider (The Apples in Stereo), o sucessor de On Avery Island (1996) mostra não apenas o amadurecimento da banda completa pelos músicos Jeremy Barnes, Scott Spillane e Julian Koster, como a necessidade de Mangum em produzir uma obra coesa liricamente. Não por acaso, parte expressiva do trabalho estabelece uma série de conexões com o livro O Diário de Anne Frank (1947), uma descrição detalhada dos últimos anos de vida da jovem judia Annelies Marie Frank durante a Segunda Guerra Mundial. Não se trata de um álbum conceitual, mas um reflexo de tudo aquilo que Mangum experienciava na época em que o trabalho foi concebido. A mesma força explícita nos versos ecoa em toda a base instrumental do disco. Uma criativa colisão de diferentes ritmos que passa pela música do Leste Europeu, punk-folk, temas jazzísticos e ambientações acústicas, sempre caseiras, estímulo para músicas como Two-Headed Boy, The King of Carrot Flowers, Pt. One e, principalmente, Holland, 1945. Da capa, uma colaboração entre Mangum e o artista gráfico Chris Bilheimer, aos versos, uma colisão de pequenos acertos que viriam a influenciar o trabalho de bandas como The Decemberists, Arcade Fire e toda uma geração de artista no início dos anos 2000.

 

The Ladybug Transistor
The Albemarle Sound (1999, Merge)

Formado na segunda metade dos anos 1990, o The Ladybug Transistor, grupo associado ao coletivo The Elephant Six, parece seguir a trilha de outros projetos que surgiram no mesmo período. Agrupamentos criativos como The Apples in Stereo, The Olivia Tremor Control, Neutral Milk Hotel, Beulah e of Montreal, sempre inclinados a revisitar o pop psicodélico dos anos 1960/1970. Exemplo desse claro diálogo com o passado ecoa nas canções de The Albemarle Sound. Terceiro álbum de estúdio do grupo comandado por Gary Olson e segundo com distribuição pela Merge Records, o sucessor do bom Beverley Atonale (1997) se espalha em meio a ambientações acústicas, sempre melódicas e convidativas ao ouvinte. Canções de amor, versos descritivos e personagens detalhados em meio a coros de vozes que apontam para a obra de veteranos como The Beach Boys. Influência confessa para o trabalho de artistas que viriam a surgir nos anos 2000, como o sueco Jens Lekman, The Albemarle Sound ainda conta com algumas das composições mais delicadas do grupo nova-iorquino, caso de Six Times, Like a Summer Rain e a grudenta Oceans in The Hell.

 

The Magnetic Fields
69 Love Songs (1999, Merge)

Desde o início da década de 1990, Stephin Merritt e seus parceiros de banda, Claudia Gonson, Sam Davol, John Woo e Shirley Simms, vinham se aventurando na produção de uma série de obras curiosas. Trabalhos sempre introspectivos, sensíveis, caso de The Charm of the Highway Strip e Holiday, ambos de 1994. Nada que se compare ao trabalho do grupo norte-americano no hoje clássico 69 Love Songs. Inspirado pelo Teatro de Revista e, inicialmente, pensado como uma peça teatral, o trabalho aos poucos foi se transformando dentro de estúdio, resultando em, como o próprio título aponta, 69 canções de amor. São versos apaixonados, desilusões e experiências centrados em personagens (homossexuais, héteros e bissexuais), cenas e acontecimentos. Um delicado turbilhão emocional que se espalha em um intervalo de quase três horas de duração. Entre as preciosidades que recheiam o projeto, canções como a melódica The Luckiest Guy on the Lower East Side, Nothing Matters When We’re Dancing e, principalmente, The Book of Love, ainda hoje, uma das melhores composições do grupo de Boston.

 

Lambchop
Nixon (2000, Merge)

É necessário tempo até que Nixon se revele por completo para o ouvinte. Quinto álbum de estúdio na carreira do Lambchop, o trabalho guiado pelas emoções (e falsetes) de Kurt Wagner dá um passo além em relação ao material entregue nos antecessores How I Quit Smoking (1996) e What Another Man Spills (1997), costurando melodias discretas, porém, sempre detalhistas. São variações instrumentais e poéticas que vão da música country, típica da região de Nashville, Tennessee, onde o grupo foi formado, até o soul dos anos 1970, como em The Book I Haven’t Read, curioso diálogo com a obra de Curtis Mayfield. Composições montadas a partir de camadas, como em Up with People, criação adornada pelo canto gospel e a inserção minuciosa de metais, resultando em um dos momentos de maior beleza do trabalho. Um lento desvendar de ideias e experiências conceitualmente inspiradas no ex-presidente norte-americano Richard Nixon. Cravejado de faixas preciosas, como Nashville Parent e You Masculine You, Nixon seria a passagem do Lambchop para o novo século, cuidado evidente na série de obras posteriormente entregues pelo grupo, como Damaged (2006), OH (Ohio) (2008) e Mr. M (2012), esse último, profundamente guiado pelo soul/R&B.

 

Arcade Fire
Funeral (2004, Merge)

Ainda que a anunciação mórbida dada ao título trate Funeral como uma obra guiada pela morte, bastam os instantes iniciais de Neighborhood #1 (Tunnels), faixa de abertura do disco, para perceber como a vida cresce no primeiro álbum de estúdio do Arcade Fire. Sequência ao material entregue um ano antes, no primeiro EP da banda, o debute do coletivo canadense encontra em histórias de amor, tramas cotidianas e canções de rico detalhamento melódico um curioso cenário para a apresentação e plena sustentação do som produzido pelo grupo. Embalado por referências que vão do pop de câmara dos anos 1960 aos experimentos de David Bowie na década de 1970, o casal Win Butler e Régine Chassagne usa das próprias confissões como a matéria-prima para o crescimento do registro. São canções como Neighborhood #2 (Laika) e Crown of Love em que o coletivo resgata o que há de mais sublime e doloroso na alma de qualquer indivíduo, direcionamento incorporado até o último instante do trabalho. De base orquestral, nascido a partir da colagem de arranjos de cordas, guitarras e sintetizadores, Funeral cresce e diminui a todo instante, sem ordem aparente, reforçando a construção de uma obra essencialmente complexa. Embora sóbrio, direcionamento expresso com notoriedade em músicas como In the Back Seat, Funeral de forma alguma distancia o grupo canadense de um possível tratado radiofônico. Exemplo disso está em Wake UpRebellion (Lies) e Haiti, canções de brilho pop peculiar, preferência que acaba fazendo do álbum uma obra mágica, feita para ser desvendada pelo ouvinte.

Camera Obscura
Let’s Get Out of This Country (2006, Elephant / Merge)

Fundado em 1996 na cidade de Glasgow, Escócia, o Camera Obscura parece seguir a trilha de outros grupos locais, como Belle and Sebastian, The Pastels e Teenage Fanclub, dosando entre versos marcados pelo lirismo melancólico e arranjos sempre detalhistas, apontando para o pop/folk dos anos 1960 e 1970. Exemplo disso está nas dez composições que abastecem Let’s Get Out of This Country. Terceiro álbum de estúdio do grupo do grupo escocês, o trabalho que conta com produção de Jari Haapalainen (The Concretes, Lacrosse) e arranjos do sueco Björn Yttling (Peter Bjorn and John), faz de cada fragmento um recorte precioso. Músicas como o pop orquestral de Come Back Margaret, a agridoce If Looks Could Kill, e Tears For Affairs, com seus temas e arranjos essencialmente nostálgicos. Um lento desvendar de ideias e experiências sempre centradas em relacionamentos fracassados, personagens entristecidos e o tédio da vida adulta, conceito anteriormente testado pela banda durante o lançamento de Underachievers Please Try Harder, em 2004. Na faixa-título do disco, uma síntese do trabalho. Arranjos coloridos que se espalham em meio a versos de essência escapista, sempre sensíveis e capaz de dialogar com qualquer ouvinte.

 

Spoon
Ga Ga Ga Ga Ga (2007, Merge)

Com o lançamento e boa repercussão em torno de Girls Can Tell (2001) e Kill the Moonlight (2002), os integrantes do Spoon passaram a investir na produção de um som cada vez mais acessível, pop. Entretanto, foi somente com a chegada de Ga Ga Ga Ga Ga, em 2007, que esse direcionamento alcançou melhor resultado. Do momento em que tem início, na poesia destacada e cíclica de Don’t Make Me a Target, passando pela formação de músicas como You Got Yr. Cherry Bomb e Don’t You Evah, poucas vezes antes um trabalho entregue pela banda texana pareceu tão pegajoso, íntimo do grande público. São guitarras e pianos que passeiam por diferentes épocas da música, indo do pop-rock de veteranos como The Beatles e The Kinks, ao material entregue por contemporâneos como Pavement e Guided By Voices. Pouco mais de 40 minutos em que cada composição do disco se projeta como um objeto de destaque, vide músicas como Finer Feelings e The Underdog, essa última, encorpada pela inserção de metais e co-produção do compositor Jon Brion.

 

Destroyer
Kaputt (2011, Merge / Dead Oceans)

Em mais de duas décadas de carreira, sobram trabalhos que mostram a força criativa de Dan Bejar e seus parceiros de banda do Destroyer. Da poesia delirante de City of Daughters (1998), passando pela força dos arranjos e vozes em Streethawk: A Seduction (2001), ao completo amadurecimento em Destroyer’s Rubies (2006), cada novo álbum de estúdio transporta público e banda para dentro de um novo território, sempre curioso, provocante. Nono registro de inéditas na carreira do grupo canadense, Kaputt talvez seja a melhor representação da completa mutabilidade proposta pelo grupo. Entre diálogos com o soft-rock/smooth jazz dos anos 1970 (Suicide Demo for Kara Walker), canções marcadas pela força das guitarras (Savage Night at the Opera) e versos deliciosamente sedutores (Blue Eyes), Bejar entrega ao público não apenas um de seus melhores trabalhos, como uma seleção de faixas que refletem a completa melancolia do eu lírico. “Desperdiçando seus dias / Perseguindo algumas garotas, tudo bem / Perseguindo cocaína / Pelos dos bastidores do mundo / A noite toda“, canta na dolorosa faixa-título do trabalho. Um canto amargo, ainda que hipnótico, conceito reforçado em músicas como Downtown e Chinatown, frações instrumentais e poéticas que acabam servindo de preparação para a extensa música de encerramento do disco, Bay of Pigs (Detail). Pouco mais de 11 minutos em que Bejar transforma as próprias confissões em música – “Ouça, eu tenho bebido / Como a nossa casa está em ruínas / Não sei o que fazer / Sozinho no escuro“.

 

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.