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Crítica

Servo

: "Hiato Entre a Necessidade e o Ego"

Ano: 2024

Selo: Sujoground

Gênero: Rap

Para quem gosta de: BK e Black Alien

Ouça: Ego, Necessidade e Três Fontes

8.6
8.6

Servo: “Hiato Entre a Necessidade e o Ego”

Ano: 2024

Selo: Sujoground

Gênero: Rap

Para quem gosta de: BK e Black Alien

Ouça: Ego, Necessidade e Três Fontes

/ Por: Cleber Facchi 21/10/2024

A primeira coisa que ouvimos em Hiato Entre a Necessidade e o Ego (2024, Sujoground) é a voz impecável de Milton Nascimento, porém parcialmente submersa e corrompida em meio a ruídos, efeitos e distorções. “Eu queria ser feliz”, martela a letra de Cais, esperançosa composição que integra o cultuado disco Clube da Esquina (1972), mas que acaba se transformando em um contraponto melancólico quando pensamos em tudo aquilo que Walace Santos da Silva, o Servo, busca desenvolver com o primeiro álbum da carreira.

Como indicado no próprio título da obra, Hiato Entre a Necessidade e o Ego propõe uma discussão sobre a função da arte e os anseios do rapper fluminense. São composições que se dividem entre a preservação do discurso e a tentação em ceder aos padrões impostos pela indústria como forma de sobrevivência. “É isso que o povo gosta / É isso que a indústria adota / É isso que traz as notas”, rima no diálogo interior de Ego, música que funciona como um mergulho na mente do artista e uma síntese criativa do restante do álbum.

Partindo dessa abordagem, não espere encontrar em Hiato Entre a Necessidade e o Ego uma obra de fácil assimilação ou que atenda aos desejos mais imediatos do ouvinte. Na verdade, somos confrontados com o exato oposto disso. Livre de pressa, Servo desenha cada verso com uma precisão única, detalhando frações poéticas que discutem o acesso à cultura, a realidade nas periferias, repressão e a necessidade de seguir em frente. “Enquanto eu quero fazer arte / Eles me descriminam / Com isso o sangue vira arte pelo chão dessas esquinas”, dispara na provocativa Três Fontes, canção que destaca a atmosfera opressiva do disco.

Claro que isso não interfere na entrega de músicas capazes de romper, ainda que momentaneamente, com essa proposta. Exemplo disso é o que acontece em Coro com Coça, deliciosa canção de amor que ainda se completa pelas rimas da rapper paranaense Janvi. O mesmo pode ser percebido em Necessidade, canção que equilibra a melancolia explícita nos versos com instantes que exaltam as conquistas do artista. “Parece que nada por aqui dá certo / Mas nós é de raça e insiste”, rima Servo, levando o disco para outra direção.

Embora marcado por essas pequenas variações temáticas, Hiato Entre a Necessidade e o Ego nunca perde a consistência. E isso tem um motivo: a produção de Chiarelli. Tão importante quanto as rimas de Servo é fina tapeçaria instrumental proposta pelo parceiro de criação do rapper. São batidas fragmentadas, bases e ambientações cinzentas que vão ao encontro do mesmo território criativo explorado por nomes como Earl Sweatshirt e The Alchemist, porém, preservando a identidade e refinamento estético que marca o registro.

Dessa forma, mesmo quando avançamos para a segunda metade do disco, quando parte dos conceitos e temas apresentados nos minutos iniciais começam a se repetir, há sempre um componente instrumental, batida ou sample que leva o registro para outras direções. Do inusitado diálogo com a música brasileira, em Eu Quero Uma Casa no Campo, passando pelo minimalismo de Hiato, parceria com Matheus Coringa, é praticamente impossível prever a direção seguidas por Servo e Chiarelli, proposta que torna fascinante a experiência de ouvir o material entregue em Hiato Entre a Necessidade e o Ego até os momentos finais.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.