Ainda que pareça um alerta, Todo Cuidado É Pouco (2025, Independente) é uma obra sobre acolhimento. “Hoje eu vou ser a tua casa”, canta Ventura Profana em Me Deixa em Paz, logo nos primeiros minutos do disco que marca a estreia da multiartista baiana. São composições que mais parecem orações, como um diálogo constante da cantora com o ouvinte, direcionamento que embala o desenvolvimento do material.

Claro que esse aspecto receptivo da obra, como um contraponto ao repertório do provocativo Traquejos Pentecostais Para Matar o Senhor(2020), em nenhum momento faz com que o material apresentado pela artista pareça menos instigante. Da imagem de capa à construção dos versos, da imposição das vozes ao meticuloso cruzamento de estilos, tudo parece pensado para destacar a força e entrega da soteropolitana.

Exemplo disso fica evidente em Giramundo. De acabamento reducionista, revelando o esmero do músico Jordi Amorim na elaboração dos arranjos e produção do material, a faixa projeta as vozes da artista com uma grandeza incomensurável. “O que se compõe nas descomposições / O tempo que ascende arruina as nações / O cu que sustenta as edificações”, canta Profana, sempre tensionando a experiência do ouvinte.

Partindo dessa abordagem, Ventura combina dor e celebração, leveza e resistência em uma sequência de músicas que nunca tendem ao conforto. Enquanto Tranquila, completa pela participação de Preta QueenB Rull, entrelaça elementos de reggae e gospel, De Tal Maneira, vinda logo em sequência, leva o disco para o pagodão baiano. São diferentes gêneros e propostas criativas que atravessam o registro a todo momento.

Ainda que esse direcionamento evidencie a complexidade e capacidade da artista em transitar por entre estilos, o excesso de informações torna a experiência de ouvir Todo Cuidado É Pouco bastante confusa em alguns momentos. A própria inserção dos interlúdios, utilizando da velha estratégia de emular estações de rádio, bagunça ainda mais o registro, rompendo com a fluidez apontada nos minutos iniciais do trabalho.

Entretanto, Todo Cuidado É Pouco não seria uma obra de Ventura Profana se fosse justamente para seguir uma abordagem tradicional. Como indicado durante o lançamento de Traquejos Pentecostais Para Matar o Senhor, a artista está aqui para provocar. Entre versos que discutem religiosidade e as vivências como uma mulher trans, a cantora reafirma seu compromisso com a ruptura sem necessariamente deixar de acolher.

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