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Ano: 2024

Selo: Psychic Hotline

Gênero: Jazz

Para quem gosta de: Letieres Leite e Jonathan Ferr

Ouça: Encantados e Dança dos Martelos

8.8
8.8

Amaro Freitas: “Y’Y”

Ano: 2024

Selo: Psychic Hotline

Gênero: Jazz

Para quem gosta de: Letieres Leite e Jonathan Ferr

Ouça: Encantados e Dança dos Martelos

/ Por: Cleber Facchi 06/03/2024

Nascido de um intenso processo de imersão com a comunidade indígena Sateré-Mawé, nas proximidades de Manaus, Amazonas, Y’Y (2024, Psychic Hotline) é um trabalho diferente de tudo aquilo que o pianista e compositor pernambucano Amaro Freitas já havia revelado anteriormente, afinal, trata-se de uma obra viva. Com Mapinguari (Encantado da Mata) como composição de abertura, o músico não apenas cria um elemento de conexão com uma das figuras fantásticas que habitam os mitos dos povos originários, base para grande parte do repertório do disco, como transporta para dentro de estúdio a mesma atmosfera e orgânica sensação de envolvimento bastante característica de quando adentramos uma floresta fechada.

Em um avanço lento, pianos fragmentados, ruídos que emulam o som das matas e entalhes percussivos parecem pensados de forma a envolver o ouvinte. É como se cada componente fosse trabalhado em uma medida própria de tempo, como um preparativo para a corredeira que se revela logo na canção seguinte, Uiara (Encantada da Água) – Vida e Cura. Entre ondulações cristalinas, a composição destaca a relação de Freitas com as águas, elemento reforçado logo no título da obra, que em dialeto Sateré-Mawé pronuncia-se “eey-eh, eey-eh” e pode ser entendido como “rio”. São ambientações sutis que mudam de direção a todo instante, indicando o aspecto volátil do registro, como na curta Viva Naná, homenagem ao percussionista e compositor Naná Vasconcelos (1944 – 2016), mas que ganha ainda mais destaque em Dança dos Martelos.

Utilizando do piano como um tambor de 88 teclas, Freitas segue de onde parou no disco anterior, Sankofa (2021), porém, transportando a ritualística percussão africana para o ambiente esverdeado dos trópicos. São pouco mais de oito minutos em que o músico rompe com a linearidade típica de uma obra de estúdio para imprimir a mesma energia de uma apresentação ao vivo. É simplesmente impossível prever qualquer mínimo movimento do instrumentista que assume diferentes percursos ao longo da canção. Um delirante exercício criativo que só desacelera, mas nunca diminui seu impacto, com a posterior Sonho Ancestral.

A partir desse ponto, Freitas rompe com o aspecto imersivo que marca os minutos iniciais da obra e leva o trabalho para outras direções. Com a chegada da faixa-título, minutos à frente, os pianos perdem parte do protagonismo, porém, destacam o esforço do instrumentista em continuamente testar os limites da própria criação. Exemplo disso fica bastante evidente no uso destacado das vozes, como se evocassem um canto ancestral através das eras, mas principalmente, na inserção das flautas do compositor britânico Shabaka Hutchings, músico que concede à canção um caráter labiríntico, jogando com a interpretação do ouvinte.

Claro que nem todas as composições que integram o disco partilham do mesmo caráter exploratório. É o caso de Mar De Cirandeiras. Completa pela participação do guitarrista estadunidense Jeff Parker, músico que já integrou projetos como Tortoise, a faixa encanta pelo incontestável refinamento dado aos arranjos, porém, soa de maneira deslocada quando percebemos a riqueza de ideias explícita em outros momentos ao longo do trabalho. Esse mesmo direcionamento criativo acaba se refletindo na celestial Gloriosa, uma canção de essência reducionista que ainda abre passagem para chegada da harpista Brandee Younger.

Passado esse momento de maior suavidade, como um respiro breve, Freitas traz o disco de volta aos eixos com a chegada da potente Encantados. Em um intervalo de quase dez minutos, tempo de duração da faixa, o pianista não apenas resgata a riqueza de ideias explícita na sequência de abertura do trabalho, como partilha do mesma meticulosidade e leveza que se apodera dos instantes finais do registro. É como uma canção-síntese do material. Um misto de calmaria e caos que transcende os limites da música, reforça a relação do compositor com os mitos e elementos da cultura amazônica e, mais uma vez, convida o ouvinte a se perder em um território onde cada mínimo componente criativo surge com um objeto de destaque.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.