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Crítica

Bruno Berle

: "No Reino dos Afetos"

Ano: 2022

Selo: Far Out Recordings

Gênero: Indie, R&B, Lo-Fi

Para quem gosta de: Mahmundi e Bebé

Ouça: Quero Dizer e Até Meu Violão

8.5
8.5

Bruno Berle: “No Reino dos Afetos” 

Ano: 2022

Selo: Far Out Recordings

Gênero: Indie, R&B, Lo-Fi

Para quem gosta de: Mahmundi e Bebé

Ouça: Quero Dizer e Até Meu Violão

/ Por: Cleber Facchi 12/07/2022

No Reino dos Afetos (2022, Far Out Recordings) é um produto do acaso. Inicialmente pensado como uma combinação de faixas que viriam em sequência ao material apresentado em Lembrança & Viva (2019), início da parceria entre o cantor e compositor alagoano Bruno Berle com o produtor Leonardo Costa Acioli, o Batata Boy, o registro foi pouco a pouco ampliado com o inevitável avanço da pandemia de Covid-19. Isolados e imersos na escuta de antigos discos de vinil, os dois artistas se concentraram na formação de um repertório marcado pela sobreposição de ideias, retalhos de vozes, ruídos e captações caseiras.

O resultado desse processo está na entrega de um registro marcado pela singularidade dos elementos e sonoridade granulada, mas que encanta pela profunda sensibilidade dos temas. “Felicidade é eu e você / No mundo / E mais cantigas de paz / Palavras de amor / Reciprocidade“, detalha na introdutória Até Meu Violão, música que sintetiza parte das experiências sentimentais e conceitos incorporados por Berle ao longo da obra. Frações poéticas que se revelam ao público em pequenas doses, sempre adornadas por microfonias e incontáveis atravessamentos rudimentar que reforçam a atmosfera particular do trabalho.

Uma vez transportado para dentro desse ambiente tão característico, cada mínimo fragmento se revela ao público como um componente precioso. São canções essencialmente curtas, resolvidas em um intervalo de poucos minutos, mas que ocultam um universo de pequenos detalhes e formas pouco usuais. Perfeita representação desse resultado acontece na curiosa Virginia Talk. Entre ambientações etéreas, Berle utiliza das vozes e mensagens de áudio enviadas pela cantora Virginia Guimarães como um instrumento complementar. O mesmo acontece na ensolarada Som Nyame, composição em que parte de trechos de um documentário para estreitar a relação entre a música produzida no Brasil e os ritmos da costa africana.

Embora marcado pelo permanente cruzamento de informações, quebras instrumentais e momentos de maior experimentação, No Reino dos Afetos em nenhum momento rompe com a música pop. Exemplo disso fica bastante evidente em Quero Dizer. Primeira composição do disco a ser apresentada ao público, a canção segue de onde o artista alagoano parou há três anos, em Lembrança, porém, de forma ainda mais acessível. São batidas e sintetizadores cuidadosamente encaixados, como um complemento aos versos que refletem a vulnerabilidade e entrega do compositor que já atuou como integrante do grupo The Mozões.

Mesmo quando brinca com as possibilidades, como na curtinha Guardo Em Tuas Mãos e Beat 1, tudo parece pensado de forma a atrair a atenção do ouvinte. São melodias enevoadas, vozes submersas e batidas sempre econômicas que continuam a ecoar mesmo após o encerramento do trabalho. Nada que prejudique a construção de músicas convencionais, ampliando os limites da obra. A própria É Preciso Ter Amor, escolhida para o fechamento do registro, funciona como uma boa representação desse resultado. Pouco menos de três minutos em que a letra cíclica, como um mantra, flutua em uma base psicodélica.

Delicado exercício de reapresentação, No Reino dos Afetos encanta pela evidente familiaridade dos temas, porém, convence pela capacidade de Berle em perverter uma série de elementos bastante característicos. São ecos de Geraldo Azevedo e Frank Ocean, mas que em nenhum momento tendem ao óbvio. A própria releitura de Arraiada, poema originalmente composto pelo conterrâneo Lêdo Ivo (1924 – 2012), funciona como uma boa representação desse resultado. Canções talvez incompletas, por vezes cruas em excesso, mas que estabelecem nessas pequenas rachaduras e captações caseiras um apurado senso estético.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.