O dente sujo de batom, a fumaça do cigarro, o cabelo loiro desbotado que escorre pela jaqueta preta. Em Caminhos Selvagens (2025, Editsy), primeiro registro de inéditas de Catto após um intervalo de oito anos, tudo é retratado de maneira tão intensa e dramática que o som instantaneamente se converte em imagem. É como se um filme de beleza decadente fosse rodado no canto escuro das nossas mentes. Fragmentos de memórias, romances fracassados e uma protagonista que, mesmo consumida pela dor, permanece intacta.

E não poderia ser diferente. Concebido a partir de canções inicialmente registradas no celular, Caminhos Selvagens nasce como um acúmulo das experiências, relacionamentos fracassados e dores sentidas pela artista gaúcha entre o intervalo que abrange o último trabalho de inéditas e o presente álbum. São versos tão expositivos e íntimos que é difícil não se identificar e perguntar: “como ela sabe dos meus segredos?”.

Em um diálogo franco com o ouvinte, Catto garante uma obra tão particular quanto pertencente ao próprio público. Exemplo disso fica bastante evidente em Eu Te Amo. Na contramão de outras canções do gênero, a artista propõe uma inversão, com o lírico que assume seus riscos, sendo consciente das decisões tomadas em uma relação marcada pelo conflito. Nada que prejudique a entrega de músicas puramente românticas, caso de Solidão É Uma Festa, quando a ausência se transforma em dor física e divide o coração em dois.

Triunfo poético de uma compositora que, nos últimos anos, assumiu o papel de intérprete ao mergulhar na obra de Gal Costa com Belezas são coisas acesas por dentro (2023), Caminhos Selvagens também acerta na instrumentação. Acompanhada de Fabio Pinczowski e Jojô Inácio, com quem divide a produção do registro, Catto segue a trilha apontada no trabalho anterior, porém administra melhor os instantes de calmaria e caos. Composições que começam pequenas, por vezes discretas, mas que explodem nos momentos finais.

É o caso da minimalista Madrigal, composição que avança aos poucos, cheira a PJ Harvey, mas em nenhum momento oculta a identidade de Catto. Mesmo quando deixa as guitarras em segundo plano e se entrega ao piano, como na própria faixa-título, a artista garante sempre um fechamento catártico. Claro que nem todas as composições do trabalho partilham da mesma potência criativa, vide a trilha regular, quase arrastada, de Leite Derramado, canção que naturalmente convence nos versos, mas pouco acrescenta musicalmente.

Interessante perceber justamente no completo afastamento sonoro do restante da obra a passagem para a principal faixa do disco, Para Yuri Todos Os Meus Beijos. Expositiva, reducionista e corroída pelos ruídos, a canção, mais uma vez, posiciona os sentimentos em primeiro plano, destacando a capacidade de Catto em se entregar por completo e convencer pela força avassaladora das emoções. É nesse desnudamento que o trabalho encontra sua verdadeira força — não na contenção, mas na coragem de sentir sem qualquer pudor.

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