Image
Crítica

Felipe S

: "Espelhos"

Ano: 2021

Selo: Zelo

Gênero: Indie, MPB

Para quem gosta de: Mombojó, Wado e China

Ouça: Umbigo Digital e Amigo Máquina

7.8
7.8

Felipe S: “Espelhos”

Ano: 2021

Selo: Zelo

Gênero: Indie, MPB

Para quem gosta de: Mombojó, Wado e China

Ouça: Umbigo Digital e Amigo Máquina

/ Por: Cleber Facchi 21/10/2021

A respiração cansada logo nos minutos iniciais de Umbigo Digital, música de abertura em Espelhos (2021, Zelo), segundo álbum em carreira solo de Felipe S, funciona como um precioso indicativo das angústias e forte carga emocional que parece consumir o registro produzido pelo também integrante do grupo pernambucano Mombojó. Completa pela participação da cantora e compositora Juçara Marçal, a faixa que explora o impacto das redes sociais em nossas vidas é apenas o ponto de partida para o trabalho que discute o atual cenário político e cultural do país de forma bastante sensível, consciente e necessária.

Não atualize o seu sistema / Não aceite a nova versão / Compactaram a minha vida num algoritmo frágil e é tarde demais“, alerta Felipe enquanto arranjos econômicos se revelam ao público em uma medida própria de tempo. É como uma ponte para o material que chega minutos à frente, na complementar Amigo Máquina. Também regida pelo mesmo debate tecnológico, a faixa encontra na temática da robotização e no diálogo com inteligências artificiais um novo ponto de aprofundamento na poesia política que abastece o trabalho. “Bom dia meu querido amigo máquina / Estou contigo, mas não sei quem é você“, detalha.

Entretanto, para além dos ambientes digitais, das telas de computadores e mensagens compartilhadas pelo celular, a poesia de Felipe, sempre provocativa, percorre ruas de forma a explorar paisagens, personagens e acontecimentos reais. É o caso de Violento Monumento, composição em que aponta para o Palácio do Planalto, discute a crescente mobilização popular e diferentes formas de repressão implantadas pelo governo. “Violentos a procura de cobiça e sangue / Em silêncio os vampiros saboreiam o poder“, canta em uma ruidosa base de maracatu, vozes submersas, quebras e guitarras sempre turbulentas, fortes.

Essa mesma reflexão sobre o atual cenário brasileiro, porém, partindo de uma abordagem local, acaba se refletindo na colaborativa Atlântico Várzea. Completa pela participação do conterrâneo Otto, a faixa parte de um passeio imaginário, entre uma região de Recife e outra de Olinda, para mergulhar no ambiente caótico em que estamos imersos. “Vai passar o tempo rodando sem guia / Vi no seu olhar um imenso desespero se alastrar / Buscando lealdade pelas patas de animais políticos“, detalha a letra da canção, como um reforço ao restante da obra. É somente com a chegada da composição seguinte, a sentimental e curtinha Vento e Fogo, que o músico muda os rumos do trabalho e garante um breve respiro ao ouvinte.

Passada a momentânea mudança de direção, Sujeição, sexta faixa do disco, traz de volta o ouvinte ao ambiente contestador do restante da obra. Consumida pelas inquietações do eu lírico, a composição marcada pela leveza dos arranjos encanta pelo contraste gerado pela participação do poeta Lucas Afonso. “Uns com arma outros com arte / Os que brilha os que late / Do parto parti hoje faço a minha parte“, dispara. Minutos à frente, Liberta, música que mais se distancia do restante do álbum, mas que seduz pela combinação de vozes e melodias empoeiradas que se completam pela participação de Barbarelli.

Escolhida para o encerramento do trabalho, Pela Janela da Sala nasce como um produto natural dos meses de isolamento vividos durante a pandemia de Covid-19. Um misto de registro documental e crônica musicada que peca pela economia dos arranjos e voz limitada do artista pernambucano, mas que encanta pela letra essencialmente descritiva, íntima de qualquer ouvinte. “Do outro lado do meu campo de visão / Filmando do ponto de vista do vizinho/ Parece estática a vida que escolhi“, detalha Felipe em tom melancólico, ainda que sóbrio, consistente com tudo aquilo que busca desenvolver ao longo da obra.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.