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Crítica

Hermeto Pascoal

: "Pra Você, Ilza"

Ano: 2024

Selo: Rocinante

Gênero: Jazz, Samba

Para quem gosta de: Moacir Santos e Egberto Gismonti

Ouça: Pra Você, Ilza e Passeando Pelo Jardim

8.0
8.0

Hermeto Pascoal: “Pra Você, Ilza”

Ano: 2024

Selo: Rocinante

Gênero: Jazz, Samba

Para quem gosta de: Moacir Santos e Egberto Gismonti

Ouça: Pra Você, Ilza e Passeando Pelo Jardim

/ Por: Cleber Facchi 14/06/2024

Entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, o compositor alagoano Hermeto Pascoal escreveu um total de 198 partituras registradas em um caderno dedicado à esposa, Ilza, com quem foi casado por 46 anos e teve seis filhos. Agora, mais de duas décadas após a partida da mulher amada, o “bruxo” retorna com Pra Você, Ilza (2024, Rocinante), trabalho em que resgata parte dessas canções, porém, substitui o tom fúnebre de outros exemplares do gênero por um repertório que funciona como uma celebração à vida.

Acompanhado pelos músicos André Marques (piano), Jota P (saxofone), Fábio Pascoal (percussão), Itiberê Zwarg (baixo) e Ajurinã Zwarg (bateria), o artista estabelece logo na introdutória Passeando pelo Jardim parte dos temas que serão explorados ao longo da obra. São delicadas paisagens instrumentais, sempre orientadas por antigas memórias e experiências vividas entre o compositor e a mulher amada, mas que a todo instante rompem com o comum, possibilitando o surgimento de momentos de maior experimentação.

Não se trata de algo necessariamente novo dentro da extensa obra do artista, afinal, muitos dos temas e direções criativas aqui exploradas podem ser percebidas em outros registros de Pascoal, porém, tudo é tratado de forma tão meticulosa em estúdio que é difícil não se deixar conduzir pela experiência proposta pelo músico e seus parceiros. São canções que reavivam velhas recordações e usam o próprio título para dar pistas e localizar o ouvinte dentro da narrativa sentimental orquestrada pelo instrumentista alagoano.

Em Voltando Para Casa, por exemplo, é quase possível visualizar o casal atravessando um caminho de terra enquanto é acompanhado pelo coaxar de sapos em um fim de tarde. Essa mesma composição de caráter quase cinematográfico pode ser percebida em outros momentos ao longo do trabalho. São canções como Recordações de Recife, Porto da Madeira e Do Rio Para Recife que delicadamente transportam o ouvinte para um cenário momentâneo, destacando uma intimidade poucas vezes antes vista na obra de Pascoal.

Vem justamente dessa passagem para o universo particular do casal o estímulo para algumas das músicas mais sensíveis do disco. São canções de essência agridoce, como Inspirando Fundo, faixa que destaca o piano cristalino de Marques e doce desalento soprada pelo saxofone de Jota P. A mesma delicadeza no processo de criação pode ser percebida em Sentir é muito bom, composição dotada de um fino toque de melancolia, mas que em nenhum momento oculta o direcionamento quase radiante dado aos arranjos.

São sentimentos e composições sempre contrastantes, como tudo aquilo que envolve o processo de luto. Instantes em que Pascoal olha com pesar e contentamento para o passado, criando uma narrativa sonora para a vida construída junto de Ilza. Ainda que algumas dessas canções pareçam se desviar do caminho, como nos improvisos de Na feira do Jabour, prevalece a força das emoções e sempre curiosa interpretação do compositor alagoano sobre o cenário que o cerca, as pessoas e relações construídas ao longo da vida.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.