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Crítica

Hiatus Kaiyote

: "Mood Valiant"

Ano: 2021

Selo: Brainfeeder

Gênero: Neo-Soul, R&B, Jazz

Para quem gosta de: Thundercat e Lianne La Havas

Ouça: Get Sun e Red Room

7.5
7.5

Hiatus Kaiyote: “Mood Valiant”

Ano: 2021

Selo: Brainfeeder

Gênero: Neo-Soul, R&B, Jazz

Para quem gosta de: Thundercat e Lianne La Havas

Ouça: Get Sun e Red Room

/ Por: Cleber Facchi 07/07/2021

Em 2018, enquanto se preparava para gravar os vocais do aguardado sucessor de Choose Your Weapon (2015), Nai Palm foi pega de surpresa com a descoberta de um câncer de mama. Em pleno processo de divulgação do primeiro trabalho em carreira solo, Needle Paw (2017), a cantora e compositora australiana se viu obrigada a cancelar todos os compromissos para se dedicar ao tratamento da doença que, anos antes, foi responsável por causar a morte da própria mãe. Hoje recuperada, a artista transporta para dentro de estúdio parte dessa celebração à vida nas canções de Mood Valiant (2021, Brainfeeder), terceiro e mais recente álbum de inéditas do Hiatus Kaiyote e uma natural continuação de tudo aquilo que o grupo tem produzido desde o início da carreira.

Não por acaso, a banda, completa pela presença dos músicos Paul Bender, Perrin Moss e Simon Mavin, fez de Get Sun a primeira composição do disco a ser apresentada ao público. Enquanto os versos da canção refletem o processo de transformação pessoal vivido pela vocalista (“Uma maneira de se iluminar quando seu coração não está aberto“), musicalmente, o quarteto investe na construção de melodias ensolaradas, como se pensadas para acolher o ouvinte. São orquestrações sublimes e incontáveis camadas instrumentais, produto da interferência direta do cantor, compositor e arranjador carioca Arthur Verocai. É como se o grupo potencializasse tudo aquilo que foi apresentado durante o lançamento do disco anterior, porém, de forma ainda mais sensível e detalhista.

Esse mesmo refinamento pode ser percebido em diversos outros momentos ao longo da obra. São canções como Rose Water e Chivalry Is Not Dead em que o quarteto parece brincar com a colorida sobreposição dos elementos. Fragmentos instrumentais, batidas e vozes que se entrelaçam de forma pouco usual, jogando com a interpretação do público. Claro que isso não interfere na produção de faixas deliciosamente contidas, por vezes intimistas. É o caso de Red Room, composição que vai do R&B ao jazz psicodélico em uma sutil combinação de ritmos. Instantes em que o grupo se distancia de possíveis excessos para alavancar as vozes e sentimentos compartilhados por Palm, conceito que tem sido incorporado pela banda desde a estreia com Tawk Tomahawk (2012).

É justamente essa forte similaridade e permanente resgate conceitual dos antigos trabalhos que prejudica a experiência de ouvir Mood Valiant. Mesmo pontuado por momentos de maior transformação e busca por novas possibilidades, como na já citada Get Sun, parte expressiva do disco gira em torno de elementos anteriormente testados pelo grupo. Do tratamento dado aos pianos ao uso das vozes, tudo soa como uma reciclagem estética de componentes bastante característicos. E isso fica ainda mais evidente na segunda metade do álbum, quando o quarteto desacelera e passa a investir no uso de composições cada vez mais atmosféricas, como Stone Or Lavender e a derradeira Blood and Marrow, rompendo com o dinamismo que embala o bloco inicial do registro.

Entretanto, mesmo pontuado por momentos de maior desajuste e pequenas repetições estruturais, o refinamento dado ao disco invariavelmente convence o ouvinte. Do momento em que tem início, durante a apresentação de Flight Of The Tiger Lily, passando pela construção de músicas como All the Words We Don’t Say e até interlúdios, como Hush Rattle, tudo parece pensado para seduzir o público. São melodias inebriantes, vozes cuidadosamente trabalhadas em estúdio e arranjos que passeiam por diferentes campos da música de forma sempre minuciosa. Um vasto catálogo conceitual, rítmico e estrutural que ora aponta para a obra de veteranos como Erykah Badu e D’Angelo, ora mergulha em um labirinto de sons e sensações que parecem próprias do quarteto australiano.

Cuidadoso, como tudo aquilo que define as criações do Hiatus Kaiyote, Mood Valiant nasce como um exercício marcado em essência pelo conforto, mas que deve crescer para além dos próprios limites. Assim como aconteceu com Choose Your Weapon, trabalho que teve parte expressiva das canções reaproveitadas por nomes como Kendrick Lamar, Chance The Rapper e Teyana Talor, o novo disco funciona como um precioso catálogo de ideias e melodias a serem revisitadas. E não poderia ser diferente. Regido pelas vozes e sentimentos compartilhados por Palm, o álbum se sustenta pela delicadeza dos elementos e profunda entrega de cada colaborador, proposta que convence mesmo nos momentos de maior previsibilidade e permanente resgate de velhos conceitos.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.