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Crítica

Kara Jackson

: "Why Does the Earth Give Us People to Love?"

Ano: 2023

Selo: Setember

Gênero: Folk

Para quem gosta de: Angel Olsen e Moses Sumney

Ouça: Pawnshop e Dickhead Blues

8.0
8.0

Kara Jackson: “Why Does the Earth Give Us People to Love?”

Ano: 2023

Selo: Setember

Gênero: Folk

Para quem gosta de: Angel Olsen e Moses Sumney

Ouça: Pawnshop e Dickhead Blues

/ Por: Cleber Facchi 28/04/2023

A pergunta levantada por Kara Jackson no título do primeiro trabalho de estúdio da carreira serve para entendermos um pouco sobre o universo sentimental desbravado em estúdio pela artista. “Por que a Terra nos dá pessoas para amar?“, questiona a cantora e compositora que, há quatro anos, foi laureada como Poeta Nacional da Juventude dos Estados Unidos. Partindo dessa abordagem exploratória, como um mergulho na própria mente, traumas, dores e inquietações, Jackson discute diferentes aspectos da nossa sociedade e tensiona as relações humanas de forma a garantir um repertório essencialmente provocativo.

Quando você está afundando na lagoa de alguém / Como uma colher se afoga em um ensopado / Que tipo de refeição eles estão fazendo de você?“, pergunta em Dickhead Blues, música em que parte de uma mensagem de áudio para refletir sobre a própria identidade e a pressão exercida diariamente sobre as mulheres, principalmente figuras negras. “Eu não sou tão inútil quanto eu pensava / Eu estou no topo“, aceita minutos à frente, como se a mesma mente que indaga é a que fornece respostas. Canções que oscilam entre momentos de dor e libertação, estímulo para o desenvolvimento e maior fluidez do material.

Concebido em uma medida própria de tempo, produto das sessões organizadas pela artista dentro do próprio quarto durante a pandemia de Covid-19, a estreia de Jackson trata cada composição como um objeto específico. É como se cada faixa se estendesse pela duração necessária, garantindo desde criações essencialmente curtas, como atos longos e contemplativos. É o caso de Rat. São pouco menos de oito minutos em que a cantora mergulha na construção de um personagem que se aventura em direção ao Oeste dos Estados Unidos para refletir sobre a degradação dos indivíduos de forma densa e melancólica.

Entretanto, é quando sintetiza e organiza melhor suas ideias que Jackson apresenta ao público algumas de suas melhores criações. Exemplo disso fica bastante evidente em Pawnshop, música de apenas dois minutos em que evoca Tracey Chapman e utiliza de alegorias para mergulhar em questões sentimentais. “Você me escolheu em uma casa de penhores / Eu era usada, mas boa como nova / Brilhante como uma tatuagem / Mas permanente como balões de festa“, canta. E ela não é a única. Durante toda a execução do material, a artista se aprofunda em em faixas curas, porém, marcadas pelo uso de versos sempre afiados.

Por conta desse maior requinte dado aos versos e da natural relação de Jackson com o processo de escrita, Why Does the Earth Give Us People to Love? deixa os arranjos em segundo plano. Parte desse resultado deficitário e que compromete o acabamento dado ao disco, vem justamente do processo de gravação do material. São pianos e violões econômicos, como esboços gerados pela artista durante o período de isolamento social. Foi somente depois de ter parte do repertório finalizado que a poetisa buscou pelo suporte de outros nomes importantes da cena de Chicago, caso de Sen Moritmoto, Kaina e NNAMDÏ.

Embora utilize de uma abordagem reducionista e talvez incapaz de igualar o mesmo refinamento dado aos versos, Why Does the Earth Give Us People to Love? reserva ao público algumas surpresas. Dos arranjos sublimes que ganham forma em Free, passando pelo jogo de vozes e delicada tapeçaria instrumental da já citada Dickhead Blues, não são poucos os momentos em que Jackson rompe com o minimalismo das próprias criações e valoriza ainda mais a construção das letras. Dessa forma, a artista amplia o campo de atuação e busca por novas possibilidades na mesma medida em que consolida seu papel como poetisa.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.