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Crítica

Mari Herzer

: "Cheia"

Ano: 2022

Selo: Mamba Rec

Gênero: Experimental, Eletrônica, Breakbeat

Para quem gosta de: Teto Preto e Nicolas Jaar

Ouça: Lixo, Sóis e Cheia

8.5
8.5

Mari Herzer: “Cheia”

Ano: 2022

Selo: Mamba Rec

Gênero: Experimental, Eletrônica, Breakbeat

Para quem gosta de: Teto Preto e Nicolas Jaar

Ouça: Lixo, Sóis e Cheia

/ Por: Cleber Facchi 17/06/2022

Entre ruídos, quebras e atravessamentos totalmente imprevisíveis, Mari Herzer convida o ouvinte a se perder nas canções de Cheia (2022, Mamba Rec). Verdadeiro labirinto sensorial, o trabalho funciona como um passeio torto pelas ruas acinzentadas da cidade de São Paulo. São texturas sintéticas e sobreposições sempre inexatas, conceito que dialoga com a própria imagem de capa do disco, uma criação de Carlos Issa e Estúdio Margem, mas que ganha forma e cresce a cada novo movimento da artista que também atua como integrante da Teto Preto e costuma se apresentar nas sempre disputadas edições da Mamba Negra.

Entretanto, muito antes de arrastar o ouvinte para dentro desse ambiente caótico, Herzer, que assina a composição, produção e mixagem do registro, abre o álbum de maneira misteriosa. Em um intervalo de quatro minutos, Eros apresenta parte dos elementos que serão incorporados pela artista ao longo da obra, como as texturas submersas e costuras pouco usuais, porém, de forma deliciosamente contida, quase contemplativa. Um lento desvendar de informações, estrutura que assume novos rumos com a chegada da crescente Prólogo, parceria com M é d i o, e um precioso exercício de transição para o restante do disco.

Não por acaso, com a chegada de Não é Possível Estabelecer um Limite a Cada um Desses Dias de Fronteiras Impalpáveis, terceira faixa do álbum, a artista diz a que veio logo de cara. São batidas, vozes e incontáveis camadas de sintetizadores que vão de um canto a outro sem necessariamente perder a fluidez dos elementos. É como um preparativo para o que se revela de forma ainda mais turbulenta na industrial Território Conflito. Do uso fragmentado dos elementos à sobreposição de ritmos, perceba como Herzer costura décadas de referências em um curto intervalo de tempo, jogando com a interpretação do ouvinte.

Passado esse momento inicial, em que parece testar os próprios limites, a produtora reorganiza as ideias e abre passagem para o que há de mais consistente, mas não menos provocativo em Cheia. Exemplo disso fica bastante evidente na própria faixa-título do trabalho. Entre ecos de Aphex Twin, Herzer se concentra no minucioso encaixe das batidas e uso de ambientações densas, arrastando o ouvinte para as pistas. Esse mesmo esmero no processo de criação fica ainda mais evidente com a chegada de Sóis, composição que se completa pelo violoncelo de Filipe Massumi e faz lembrar as criações de veteranos como Massive Attack.

Nada que distancie Herzer do ritmo frenético dado à obra durante muito tempo. A própria Lixo, vinda logo em sequência, parece reforçar isso. Síntese conceitual de tudo aquilo que a artista paulistana busca desenvolver ao longo do trabalho, a faixa cresce em meio a ruídos metálicos, fragmentos de vozes, quebras e reverberações nostálgicas que vão da IDM ao drum n bass de forma sempre autoral. É tudo tão bem amarrado pela produtora que mesmo a faixa seguinte, Sibilitz, parece engolida. Um delirante exercício criativo, direcionamento que se reflete até o necessário respiro proposto na atmosférica Solvente (Dub).

Escolhida para o encerramento do trabalho, Ponte não apenas regressa ao mesmo ambiente reducionista que embala a introdutória Eros, como convida o ouvinte a reviver as experiências propostas pela artista durante toda a execução do material. Embora se revele por completo logo em uma primeira audição, convidando o ouvinte a se perder em um universo de batidas, curvas e formas inexatas, Cheia é o típico caso de uma obra que ganha maior profundidade a cada novo mergulho. São canções que confessam referências e dialogam com outros nomes recentes da cena paulistana, mas em nenhum momento perdem o frescor ou mesmo diminuem o forte caráter provocativo que parece próprio das criações de Herzer.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.