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Crítica

Maria BC

: "Spike Field"

Ano: 2023

Selo: Sacred Bones Records

Gênero: Folk, Ambient Pop

Para quem gosta de: Midwife e Grouper

Ouça: Amber, Still e Watcher

7.8
7.8

Maria BC: “Spike Field”

Ano: 2023

Selo: Sacred Bones Records

Gênero: Folk, Ambient Pop

Para quem gosta de: Midwife e Grouper

Ouça: Amber, Still e Watcher

/ Por: Cleber Facchi 21/11/2023

Estranho e ao mesmo tempo fascinante. Assim é o trabalho da cantora e compositora norte-americana Maria BC. Utilizando de uma base reducionista e vozes enevoadas, a artista que hoje reside na região de Oakland, na Califórnia, convida o ouvinte a se perder em um cenário marcado pelo uso de ambientações flutuantes, versos sempre consumidos pela dor e momentos de maior experimentação que perturbam sem necessariamente romper com a calmaria habitual que orienta as composições da musicista. Um espaço conceitual onde tormentos particulares se materializam de forma a estreitar laços com o próprio ouvinte.

Seu perfume está em mim agora / Seus sentidos me atraem / Não tenho escolha para lutar / E não há erros para corrigir“, canta na introdutória Amber, canção que sintetiza de forma expressiva a vulnerabilidade da artista, como uma extensão natural do repertório entregue no ainda recente Hyaline (2022). São versos sempre fragilizados, como manifestações das angústias que habitam o interior da musicista. Composições que tratam sobre encontros e desencontros, términos e recomeços com uma sensibilidade que partilha do mesmo lirismo melancólico que embala as criações de Cat Power e outros nomes da cena norte-americana.

Exemplo disso fica bastante evidente em Still, música em que celebra o amor (“Você ainda está do meu lado“), porém, de forma dolorosa, como um fardo a ser carregado (“Nada está errado / Eu me tornarei o que eu disfarço“). O próprio título do trabalho, inspirado em um projeto que busca alertar as futuras gerações sobre regiões contaminadas por lixo radioativo, funciona como uma boa representação desse resultado. É como se a cantora seguisse em frente, mesmo partindo de antigos traumas e recordações dolorosas, direcionamento que embala a experiência do ouvinte até os momentos finais de Spike Field.

Entretanto, para além do forte aspecto emocional que embala as criações da musicista, parte expressiva da beleza de Spike Field reside no experimentalismo adotado durante toda a execução do trabalho. Mesmo partindo de uma base acústica bastante característica, típica de registos do gênero, o uso ruidoso dos elementos e inserções abstratas leva o disco para outras direções. Décima composição do disco, Lacuna funciona como uma boa representação desse resultado. Pouco mais de quatro minutos em que a artista se permite brincar com a sobreposição dos arranjos, texturas, batidas e vozes de forma sempre provocativa.

Esse mesmo direcionamento acaba se refletindo em outros momentos ao longo do registro. Em Watcher, por exemplo, a cantora pode até partir de uma base acústica convencional, porém, encanta pela forma como ruídos ocasionais e vozes dobradas se projetam como um instrumento complementar. Surgem ainda preciosidades como Tired, colaboração com a violoncelista nova-iorquina MIZU, e a labiríntica Haruspex, com suas ambientações e batidas complementares, que ampliam consideravelmente os limites do trabalho. Instantes em que a artista preserva e sutilmente perverte tudo aquilo que foi incorporado ao disco anterior.

Se por um lado esse esforço da musicista em buscar por diferentes possibilidades leva o trabalho para novas direções, por outro, evidencia a fragilidade de algumas composições que soam como ideias ainda incompletas. A própria faixa-título, localizada no encerramento do material, funciona como uma boa representação desse resultado. Já outras, como Tire Iron e Daydrinker, carecem de ritmo e custam a avançar, consumindo a experiência do ouvinte. São pequenas irregularidades que prejudicam o desenvolvimento do registro, mas em nenhum momento ofuscam a sensibilidade e entrega de Maria BC.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.