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Crítica

Qampo

: "Ao Espírito da Hora Passada"

Ano: 2024

Selo: Independente

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Tagore e Boogarins

Ouça: Leão de Fogo, Galo de Briga e Marcha

7.8
7.8

Qampo: “Ao Espírito da Hora Passada”

Ano: 2024

Selo: Independente

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Tagore e Boogarins

Ouça: Leão de Fogo, Galo de Briga e Marcha

/ Por: Cleber Facchi 02/05/2024

Ainda que ritmado, o avanço lento de Marcha é fundamental para entender o tipo de som proposto pelos pernambucanos da Qampo em Ao Espírito da Hora Passada (2024, Independente). Fortemente inspirado pelo movimento Udigrudi, que abasteceu a cena de Recife na década de 1970 e revelou nomes de peso como Ave Sangria e Zé Ramalho, o registro de nove composições avança aos poucos, sem pressa, porém, de maneira sempre detalhista, indicando o meticuloso processo de criação incorporado pelo grupo formado pelos músicos Rafael Zimmerle, Pedro Laporte, Beró Ferreira, Marco D’Almeida e Rafael Durão.

Entretanto, diferente de outros vários projetos consumidos de maneira nostálgica pelo passado, o grupo pernambucano parece ter encontrado uma abordagem particular. São criações que partem da lisergia empoeirada de outrora, mas em nenhum momento deixam de dialogar com o pop. A própria Leão de Fogo, Galo de Briga, vinda após a canção de abertura, funciona como uma boa representação desse resultado. Um doce misto de passado e presente que se revela de forma grandiosa, estreitando laços com o ouvinte, estrutura que se projeta até o breve respiro proposto com a apresentação da curtinha Hoje É Carnaval.

Passado esse momento de sutil calmaria, Ávida Dor mais uma vez destaca a riqueza de ideias da banda que contou com o suporte dos produtores Fábio Trummer (Eddie), Pedro Bettin e Cacau Lamaia. Do uso sempre destacado da percussão, incorporando elementos regionais, passando pela guitarra árida que ora aponta para a obra do icônico Paulo Rafael (1955 – 2021), ora faz lembrar do grupo tuaregue Mdou Moctar, cada mínimo elemento parece pensado para atrair e capturar as atenções do ouvinte sem dificuldades.

O mais interessante talvez seja perceber como cada faixa parece aportar em um novo território criativo. Em Marés, por exemplo, são paisagens psicodélicas que se completam pela letra existencial, por vezes brega, como se concedesse ao material uma dramaticidade única. Nada que a canção seguinte, Eucalipto, não dê conta de perverter. Menos voltada ao rock dos anos 1970, ainda que lisérgica, a música chama a atenção pelo uso de sintetizadores e timbres de guitarras que fazem lembrar de Alceu Valença na década de 1980.

São diferentes atravessamentos de informações, referências e diálogos que transcendem os limites da cena pernambucana, vide a labiríntica A Janela, música que carrega nas harmonias de vozes um curioso aceno para a obra do Secos & Molhados. A própria faixa-título é outra que surpreende pelo esforço do quinteto em testar os limites da própria criação. São pouco mais de cinco minutos em que a banda parte de uma abordagem inicialmente contida e talvez simplista, mas que cresce na inserção dos metais e sintetizadores.

Claro que em alguns pontos do material toda essa pluralidade de elementos tendo aos excessos. É o caso da derradeira Não Vale a Pena. Embora dotada de uma beleza incontestável, a composição mais parece um acumulo de informações, com seus arranjos de cordas, pianos jazzísticos e vozes que apontam para todas as direções. Ainda assim, mesmo nesses momentos de maior exagero, o lirismo contemplativo adotado pela banda logo nos minutos iniciais impede que o disco se perca. Versos que externalizam o que se esconde no interior de qualquer indivíduo e que ainda servem de amarra para um repertório essencialmente diverso.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.