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Crítica

Rico Dalasam

: "Dolores Dala Guardião do Alívio"

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: MC Thá, Jup do Bairro e Emicida

Ouça: Braile, Mudou Como? e Expresso Sudamericah

8.5
8.5

Rico Dalasam: “Dolores Dala Guardião do Alívio”

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: MC Thá, Jup do Bairro e Emicida

Ouça: Braile, Mudou Como? e Expresso Sudamericah

/ Por: Cleber Facchi 22/03/2021

De braços abertos, como quem recepciona de forma calorosa, Rico Dalasam ilumina a imagem de capa de Dolores Dala Guardião do Alívio (2021, Independente). Produto da dor, relacionamentos instáveis e conflitos vividos pelo rapper paulistano, o trabalho nasce como uma extensão do homônimo registro lançado há poucos meses, porém, estabelece no acolhimento e na perspectiva da afetividade preta a base para cada uma das composições que recheiam o disco. “Não estou debatendo o corpo político ou a vida do negro do modo social, mas discutindo um lugar lá dentro da gente que é pouco elaborado no imaginário coletivo da sociedade“, resume no texto de apresentação da obra. São canções que partem das vivências do próprio artista e utilizam do forte discurso universal como um precioso componente de diálogo com o ouvinte.

Dividido entre a dor e a libertação, conceito que tem sido explorado desde a estreia com Aceite-C, o registro de essência agridoce evidencia o completo domínio do artista em relação ao próprio trabalho. Instantes de amarga melancolia que antecedem momentos de doce celebração, proposta que se reflete tão logo o álbum tem início, na introdutória vinheta de abertura, mas que embala a experiência do ouvinte até a derradeira Estrangeiro (“Fui, porque acabou a fé / Não porque acabou o amor“). É como se cada composição servisse de passagem para a música seguinte, rompendo com a aleatoriedade que parecia orientar os antigos lançamentos do rapper, como Modo Diverso EP (2015) e, principalmente, o antecessor Orgunga (2016).

Uma vez imerso nesse cenário marcado pela força dos sentimentos, o rapper se aprofunda em conflitos tão intimistas e sensíveis que parecem nossos. “Colhendo flores pra não correr lágrimas / Chorei sentado na estação / Cansado de ser forte, me sentindo atrasado / Um pouco, pra viver de canção“, rima em Expresso Sudamericah, composição em que discute passado e presente da própria carreira (“Ei, fictício, cê não conhece meu início“), porém, sempre mirando o futuro (“E hoje eu mesmo abro o caminho que vai me pôr lá“). São versos em que a esperança transborda de maneira bastante explícita, mas que em nenhum momento se permitem navegar ou mergulhar em ilusão, proposta que muito se assemelha ao material entregue em Amarelo (2019), de Emicida.

A mesma riqueza se reflete nos momentos de maior romantismo e vulnerabilidade da obra. “Você argumenta, eu trago os fatos / Só chama pra ser seu PF / Diz que eu sou BFF / Quando cê chega em casa de moto / Eu penso: ‘tomara que me leve’“, confessa em Última Vez, composição que sintetiza o lado mais acessível do álbum, porém, preservando a rima minuciosa do rapper. Mesmo músicas como as já conhecidas Braille, Mudou Como? e Vividir, apresentadas no último ano, ganham novo significado ao longo do trabalho. Instantes em que o artista paulistano utiliza do álbum para exorcizar os próprios demônios e acolher o ouvinte, cuidado explícito na já citada Estrangeiro, um misto de R&B, axé e pop eletrônico que cresce na produção de Pedro Lima, o Pedrowl, parceiro de cantoras como MC Thá e Lia Clark.

É justamente esse esmero no processo de composição em grande parte das faixas que evidencia alguns dos principais desajustes em Dolores Dala Guardião do Alívio. Exemplo disso acontece em Supstah. Deliciosamente econômica, como se saída de algum trabalho de Blood Orange, a composição encanta pela base reducionista, entretanto, estabelece nos versos uma estrutura monotemática e que pouco avança quando próxima de outras faixas apresentadas ao longo da obra. O próprio uso excessivo de interlúdios e a parcial ausência de músicas inéditas contribui para esse desconforto, transmitindo a sensação de uma obra talvez incompleta. Um misto de encerramento precoce e inevitável ânsia para ouvir que outras histórias Dalasam tem a nos oferecer.

Embora pontuado por momentos de maior instabilidade, Dolores Dala Guardião do Alívio reflete a imagem de um artista em permanente processo de amadurecimento e descoberta da própria obra. São fragmentos instrumentais e poéticos que transitam por entre gêneros, estreitam a relação com diferentes colaboradores, como Mahal Pita (BaianaSystem), Dinho Souza, Chibatinha (ÀTTØØXXÁ), Moi Guimarães e Netto Galdino, e ainda estabelecem nas histórias e sentimentos incorporados pelo paulistano um importante elemento de amarra conceitual. Canções que celebram a alegria dos dias, conquistas e os romances passageiros, mesmo imersas no que há de mais doloroso nas experiências vividas por Dalasam. Afinal, como o próprio rapper anuncia logo nos primeiros minutos do disco: “Não falaria de alívio se não tivesse doído tanto“.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.