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Crítica

Sofia Freire

: "Ponta da Língua"

Ano: 2024

Selo: Independente

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: Luiza Lian e Ava Rocha

Ouça: Autofagia, Minha Imaginação e Mormaço

8.3
8.3

Sofia Freire: “Ponta Da Língua”

Ano: 2024

Selo: Independente

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: Luiza Lian e Ava Rocha

Ouça: Autofagia, Minha Imaginação e Mormaço

/ Por: Cleber Facchi 11/03/2024

Quis explodir o teto / Pra que só o céu lhe cobrisse a cabeça“, canta Sofia Freire nos primeiros minutos de Autofagia. Escolhida como composição de abertura em Ponta Da Língua (2024, Independente), terceiro e mais recente trabalho de estúdio da cantora, compositora e produtora pernambucana, a faixa adornada pelo uso dos sintetizadores funciona como uma representação do sentimento de liberdade que sutilmente invade o repertório do disco. É como o princípio de uma nova fase na carreira da recifense e, ao mesmo tempo, o encerramento de uma jornada sentimental e criativa que marcou os últimos anos da musicista.

Isolada em casa durante o período pandêmico, Freire foi acometida por um bloqueio criativo e uma intensa crise existencial que a distanciou da música por quase um ano. As palavras e sentimentos estavam ali, na ponta da língua, porém, impossíveis de serem articulados. Foi só depois de se reconectar criativamente a partir de outras manifestações artísticas, como o desenho, que a musicista pode enfim dar vida ao sucessor do contemplativo Romã (2017). O resultado desse processe está na entrega de um material que partilha do mesmo lirismo internalizado que marca o lançamento anterior, mas que, aos poucos, joga tudo para fora.

Da vívida força explícita nos vocais, passando pelo tratamento dado aos arranjos, construção das batidas e uso destacado dos sintetizadores, poucas vezes antes Freire pareceu tão liberta criativamente. “Quero logo estourar“, anuncia em Arrebento, outra importante manifestação poética da força que move o trabalho da cantora durante toda a execução da obra. São composições que parecem geradas a partir do acumulo de frustrações, medos e inseguranças da pernambucana, porém, reorganizadas e manifestas em um exercício celebratório que expõe as emoções da artista por completo e instantaneamente se conecta com o ouvinte.

Meu bem, eu até que tento / Não ceder à fantasia / Mas sou feita de desejo / Invenção e teimosia“, confessa em Minha Imaginação, composição que não apenas expõe o que habita poeticamente no interior da artista, como destaca a relação da pernambucana com a música pop. Do uso das batidas à manipulação das vozes, Freire vai do brega ao toque conceitual de Caroline Polachek e Kate Bush sem necessariamente perder a própria identidade. E ela não é a única. Do flerte com as pistas na base retrô de Resta Saber, passando pela brasilidade retorcida de Mormaço, sobram momentos que destacam o lado mais acessível da compositora.

Embora parta de uma abordagem transformada, destacando a fluidez dos elementos, Ponta Da Língua em nenhum momento rompe por completo com os discos que o antecedem, incluindo o introdutório Garimpo (2015). Exemplo disso fica fica bastante evidente em composições como Dentro de Mim, com suas batidas e bases atmosféricas, servindo de passagem para o que há de mais contemplativo no trabalho. É como uma tentativa da artista em ampliar e preservar a própria essência, mas que acaba esbarrando em pequenas repetições temáticas excessivamente dependentes da poética internalizada, por vezes hermética, de Freire.

Entretanto, como indicado logo nos minutos iniciais, Ponta da Língua é um trabalho que busca “explodir o teto” e anseia por novas direções criativas, porém, ainda confinado a um ambiente físico e emocionalmente restritivo. Na impossibilidade de ir além do próprio quarto, Freire parece ter encontrado em si mesma a passagem para um mundo mágico. Canções que detalham momentos de vulnerabilidade emocional, como um registro dos meses em que a artista passou confinada, mas que não se restringem a um período de tempo específico, evidenciando a potencia do material que continua a reverberar para além de prováveis limites.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.