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Crítica

Zé Ibarra

: "Afim"

Ano: 2025

Selo: Coala Records

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Dora Morelenbaum e Ítallo

Ouça: Segredo, Transe e Retrato de Maria Lúcia

8.4
8.4

Zé Ibarra: “Afim”

Ano: 2025

Selo: Coala Records

Gênero: MPB

Para quem gosta de: Dora Morelenbaum e Ítallo

Ouça: Segredo, Transe e Retrato de Maria Lúcia

/ Por: Cleber Facchi 18/06/2025

Em um cenário de artistas influenciadores em que a lógica do algoritmo invariavelmente tende ao ego ou ao isolamento autoral em busca de maior arrecadação, raríssimos são aqueles que podem sacrificar suas vaidades em virtude do fazer artístico. E é exatamente isso que Zé Ibarra faz em Afim (2025). Compositor de mão cheia, o músico fluminense ultrapassa os limites do próprio cercado para investir em repertório.

Das oito faixas que integram o disco, apenas duas são inteiramente assinadas pelo músico. O restante, são colaborações com outros artistas, como Essa Confusão, encontro com a companheira de Bala Desejo, Dora Morelenbaum, e, principalmente, releituras para a obra de diferentes compositores. Entretanto, oposto ao esperado de outros representantes da novíssima MPB, sempre inclinados a revisitar o trabalho de Caetano Veloso e demais medalhões da nossa música, Ibarra acerta ao manter os dois pés bem firmes no presente.

Em Morena, por exemplo, Ibarra substitui o pai pelo filho, interpretando uma música inédita de Tom Veloso, antigo companheiro de banda no Dônica. Nada que prepare o ouvinte para a doce releitura de Retrato de Maria Lúcia. Uma das composições mais sensíveis do alagoano Ítallo França, a faixa saída do reducionista Tarde no Walkiria (2023) surge ainda mais econômica, potencializando a riqueza das vozes e sentimentos.

Entretanto, é quando brinca com a questão de gênero que Ibarra garante algumas das melhores faixas do disco. É o caso da labiríntica Da Menor Importância, composição de Maria Beraldo que discute o tema da não-binariedade e tem seu significado ampliado na voz andrógina do carioca. Outro exemplar recente da comunidade LGBTQIAPN+ que se transforma nas mãos do artista é Segredo, criação de Sophia Chablau que ainda assume os versos de Hexagrama 28, já conhecida dos palcos, mas nunca registrada em estúdio.

Caprichoso no manuseio da poesia alheia, Ibarra não economiza nos poucos momentos em que assume o controle da palavra. Exemplo disso fica bastante em Transe. Enquanto a letra trata da ressaca emocional e dos resquícios afetivos deixados em um relacionamento que chegou ao fim, arranjos de cordas assinados por Jaques Morelenbaum, coros de vozes e a percussão imprevisível escancaram a potência do músico.

Pena que esses momentos de maior tensão criativa são tão reduzidos, como se o cantor avançasse com o freio de mão puxado. Falta ao disco uma inquietação formal, um desejo de deslocamento que o aproxime do presente não apenas pelos compositores escolhidos, mas por uma linguagem que realmente arrisque mais, questione mais, e vá além da reverência ou reconstrução. Por ora, o resultado agrada pelo esmero e incontestável dedicação depositada pelo multi-instrumentista e o coprodutor Lucas Nunes, mas ainda há espaço para uma entrega mais instintiva, menos calculada e, sobretudo, mais radical em sua formatação.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.