10 Discos de 1969

/ Por: Cleber Facchi 02/08/2013

Por: Cleber Facchi

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Mesmo às vésperas do fim, a década de 1960 ainda acumulava uma seleção de obras clássicas a serem lançadas. Em um período de pura invenção para a música – principalmente o rock -, em 1969 uma série de importantes bandas fechavam seus principais capítulos, enquanto um grupo de novatos antecipavam o que viria a ocupar o cenário nos anos 1970. Com a psicodelia ainda em alta, a música brasileira parecia cada vez mais impulsionada pelo caráter lisérgico dos sons, efeito ministrado pelos sons regionais, a força da tropicália e um esforço ainda mais anárquico do que na música estrangeira. Dando continuidade ao nosso especial que revisita clássicos do passado em diferentes anos, listamos agora 10 Discos de 1969. Por conta do período riquíssimo, uma variedade de discos acabaram de fora da seleção final. Obras de Neil Young, Sly and the Family Stone e King Crimsom que podem aparecer em breve na construção de outro especial.

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Captain

Captain Beefheart and His Magic Band
Trout Mask Replica (Reprise)

Só existe uma garantia para quem se aventura pelas composições de Trout Mask Replica: A completa incerteza. Depois de estabelecer todas as bases em Safe as Milk (1967), Captain Beefheart fez do terceiro álbum da carreira uma completa perversão de tudo o que havia testado previamente. Apoiando elementos do Blues em cima de uma trama de sons focados na Avant-Garde, o músico fez do trabalho parte expressiva do que viria a guiar o Pós-Punk, o Rock Alternativo e toda uma variedade de obras anos mais tarde. Álbum duplo, o trabalho acomoda em 28 rápidas composições um estágio constante de histeria e experimentação musical, como se a desordem sonora fosse parte natural do que alimenta o tratado. Convidado para assumir a produção do álbum, Frank Zappa é estranhamente o responsável por evitar que o disco fuja do controle, ambientando todas as canções em um cenário de proximidade. Com letras sustentadas por temas surrealistas e sons ruidosos, o álbum mais parece a pintura de um universo abstrato prestes a explodir.

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Gal Costa

Gal Costa
Gal Costa (Phonogram/Phillips)

Influenciada pelo rock e os ensaios psicodélicos testados no movimento tropicalista, em 1969 Gal Costa surgia completamente transformada para o público. Fazendo valer os versos da faixa Vou Mudar (“Pois agora eu vou recomeçar/ E daqui pra frente eu vou mudar”), a cantora assume com o primeiro registro solo um princípio claro de identidade, esforço particular dentro das transformações que ocupavam a música brasileira naquele instante. Longe da calmaria inicial que a aproximava da Bossa Nova, a baiana parecia inclinada a se distanciar da figura tímida de interprete para dançar de forma desmedida pelos sons. Assumindo com imposição o rock (Se Você Pensa) e brincando com os ritmos nacionais (Divino Maravilhoso), cada passo dado no interior do registro se preenche de incerteza e novidade. Com os vocais limpos, a cantora faz crescer algumas das composições mais importantes do período, entre elas o clássico Baby. Seria o princípio de um dos catálogos mais ricos da música brasileira.

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Led Zeppelin

Led Zeppelin
Led Zeppelin II

Poucos discos representam com tamanha propriedade o significado da palavra “Rock” quanto Led Zeppelin II. Lançado poucos meses após a estreia do grupo, em Janeiro do mesmo ano, o álbum apresenta em um curto espaço de tempo a completa evolução da banda. Raivoso, cru e completo pelas guitarras de Jimmy Page, também produtor do álbum, o disco segue em uma medida ascendente durante os mais de 40 minutos de duração. Uma solução de vozes, acordes e batidas carregada pela densidade dos arranjos e a forma nada tímida como o grupo atua em unidade. Dá abertura ao som do clássico Whole Lotta Love, passando pela sujeira em The Lemon Song até o clima soturno em Bring It On Home, cada etapa do registro sustenta o que viria a ser copiado posteriormente por gerações de outros artistas. Ainda que o melhor da banda estivesse por vir, II era a certeza de que o grupo britânico ocupava um espaço próprio naquele momento, mesmo em meio a gigantes como Beatles e Stones.

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Miles Davis

Miles Davis
In A Silent Way (Columbia)

Ainda que Miles Davis tenha feito da própria carreira uma constante experimentação, com o lançamento de In A Silent Way, o jazzista norte-americano assumiria um espaço isolado dentro do próprio universo. Meio termo entre o jazz sombrio da década de 1960 e as inovações que viriam a guiar o trabalho do músico nos anos 1970, o trabalho traz em duas imensas composições um esforço criativo singular. Enquanto Shhh/Peaceful, na primeira metade do trabalho, absorve improvisos em um jogo de texturas tortas, típicas de Davis, In a Silent Way/It’s About That Time, no lado B do registro, expõe a porção mais climática da obra. Apostando em uma base musical carregada por instrumentos elétricos – representados na inexatidão entusiasmada de Herbie Hancock -, o disco muda de direção a todo o instante, isso sem jamais romper com o curso atmosférico exposto com exatidão no título do trabalho. Inicialmente renegado por “amantes do jazz”, In A Silent Way se transformaria em um exemplar querido da nova geração de ouvintes que nascia naquele instante.

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Nick Drake

Nick Drake
Five Leaves Left (Island)

Mesmo que Pink Moon (1972) tenha atraído todas as atenções para a obra de Nick Drake, desprezar qualquer registro anterior à obra-prima do músico britânico seria simplesmente um erro. Antecipando parte do que Drake viria a desenvolver em poucos anos, Five Leaves Left, primeiro registro em estúdio do músico, evoca parte substancial de todas as marcas do cantor. São composições banhadas pelo bucolismo, a timidez dos arranjos e, claro, a melancolia como base temática. Adornado por uma capa maior de instrumentos em relação aos discos posteriores, o álbum traz em bases simples de piano e linhas de baixo confortáveis uma morada para a intimidade do compositor. Como se fosse impulsionado pelo brilho tímido da manhã, o registro sustenta durante toda a composição a presença de músicas como River Man, Three Hours e todo um cardápio naturalmente brando de canções. Faixas que contrapõe na candura o teor amargurado que ocupava a vida de Drake naquele instante – já fortemente consumido pela depressão.

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Os Mutantes

Os Mutantes
Mutantes (Polydor)

Mesmo hoje, poucas são as bandas capazes de assumir uma postura tão corajosa, debochada e ainda assim inventiva quanto Os Mutantes no fim dos anos 1960. Se durante a construção do primeiro disco as experimentações com o Rock davam a entender os possíveis rumos da banda, com o segundo registro em estúdio tudo mudou. Tão anárquico quanto os inventos anteriores do grupo, o álbum passeia por entre gêneros, temas e sons em uma medida de completo descaso com o ouvinte. Uma plena representação da insanidade (ou seria genialidade?) que ocupava a mente do trio formado por Sérgio Dias, Rita Lee e Arnaldo Baptista. Enquanto Não Vá se Perder por Aí era um resultado do típico rock proposto na época, Dois Mil e Um e suas passagens pela música caipira alteravam completamente essa ótica. À medida que o álbum se desenvolve, cresce com ele as invenções e exageros da banda, transformando o registro em um bloco de sons tão ou talvez até mais criativos do que tudo que ecoava fora do país.

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Ronnie Von

Ronnie Von
Ronnie Von (Polydor)

Quem observa a figura comportada de Ronnie Von na TV Gazeta, talvez seja incapaz de imaginar o papel assumido pelo músico no fim dos anos 1960. Filho da Jovem Guarda, o paulistano trouxe com o trabalho de 1969 uma completa reformulação dos sons, temas e arranjos que o cercavam naquele instante. Brincando com a psicodelia e parte expressiva do que ocupava a música britânica durante o período, Von preencheu com cores e passeios lisérgicos toda a composição do disco. O resultado desse esforço está na criação de faixas memoráveis como Espelhos Quebrados, Silvia 20 Horas Domingo e Tristeza Num Dia Alegre, músicas que mesmo desprezadas na época, se transformaram na base para uma série de artistas posteriormente. Com um maior aproveitamento das guitarras e efeitos de distorção, Arnaldo Saccomani, produtor do álbum, trouxe marcas específicas da obra de The Beatles e The Beach Boys, ocupando o trabalho com uma carga de sons inéditos na produção nacional da época. Com o álbum, Ronnie Von daria início a uma série de obras com foco na psicodelia, seguindo até o lançamento do também clássico Máquina Voadora, em 1970.

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Abbey Road

The Beatles
Abbey Road (Apple)

É curioso observar o quanto o caos se comporta de forma criativa nas composições que resumem Abbey Road. Último registro gravado em estúdio pela banda – Let It Be, gravado meses antes, só viria a ser lançado no ano seguinte -, o álbum floresce em meio ao completo desentendimento entre os integrantes, que entre explosões egocêntricas e conceitos particulares, estranhamente parecem confortáveis no ambiente preparado para o disco. Ainda impulsionado pela morte de Brian Epstein, o disco, produzido por George Martin, ameniza lentamente as irregularidades de seus integrantes, que assumem um esforço individual, característico do que viria a guiar a fase solo de cada um. Musicalmente coeso, o trabalho reforça a maturação de George Harrison, responsável por algumas das canções mais importantes da obra – entre elas Here Comes the Sun e Something – e pela composição do caráter agridoce dos sons. Comercialmente bem recebido – trata-se do disco mais vendido dos Beatles -, Abbey Road é a base para uma centena de obras vindouras com foco no Rock Progressivo, tendo a capa icônica repetida por uma infinidade de outros artistas e representantes da cultura pop.

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Let It Bleed

The Rolling Stones
Let it Bleed (Decca)

Passadas as viagens psicodélicas e exageros instrumentais que alimentaram o lançamento de Their Satanic Majesties Request (1967), com a chegada de Beggars Banquet (1968) os Rolling Stones deixavam claro o quanto o Blues seria o novo destino da banda. Entretanto, é com Let It Bleed que todas essas transformações parecem finalmente bem resolvidas nas mãos do grupo. Oitavo registro em estúdio da banda, o álbum serviu para expandir a crueza em torno dos inventos dos ingleses, esforço exposto com naturalidade nas guitarras de Keith Richards e vocais versáteis de Mick Jagger. Livre, o grupo caminha por um cenário delineado por pianos, naipes de metais e uma sonoridade ainda mais complexa em relação aos inventos prévios do grupo. Com boa parte das faixas construídas durante um período de isolamento na Itália, o disco traz em cada música um forte sintoma de angústia e explosão, fazendo valer a mensagem registrada na parte interna do álbum: “Este disco deve ser tocado alto“. Let It Bleed foi o último registro do grupo com Brian Jones, que após a expulsão da banda no mesmo ano, seria encontrado morto em condições misteriosas.

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The Velvet Underground

The Velvet Underground
The Velvet Underground (MGM)

Se levarmos em conta a agressividade do debut lançado em 1967 e a completa reformulação dos sons imposta em White Light/White Heat (1968), com o terceiro registro em estúdio, o The Velvet Underground parecia buscar por um efeito de oposição. Musicalmente controlado e livre das experimentações, o disco abre espaço para a poesia de Lou Reed. Cada vez mais influenciado pelas drogas, o músico atravessa grande parte do disco em uma descrição melancólica sobre o próprio cenário que o cerca. Seja ao assinar confissões, em Pale Blue Eyes, ou tingir com ironia os versos de Jesus, a cada passo dado pela obra, Reed se converte em matéria-prima para as composições. Melódico, o disco parece crescer dentro do mesmo universo sombrio representado com acerto pela capa do álbum, com todos os sons sendo confortavelmente instalados em um estágio de proximidade. Mesmo a boa forma e os novos rumos não conseguiram atrair a atenção do público, muito mais interessado no peso do novo rock que aflorava naquele momento.

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.