10 Discos de 1990

/ Por: Cleber Facchi 27/05/2013

10 Discos de 1990

Visitar o passado e encontrar as referências que abastecem a música atual, esta é a proposta de nossa nova seção no Miojo Indie. A ideia é que os leitores do blog utilizem os comentários do post, indicando um ano específico, bem como alguns registros que gostariam de ter expostos ao final da seleção. A equipe e convidados do blog auxiliam na escolha dos trabalhos e textos para finalizar dez grandes lançamentos de cada ano. Não precisam ser apenas os melhores, mas registros obscuros ou que talvez acabaram de fora de listas do gênero. Para começar: 10 Discos de 1990. Até a próxima sexta-feira (31), o ano mais votado serve de base para a próxima seção. Enquanto isso, aproveitem para conhecer dez obras importantes lançadas há exatos 23 anos.

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Twin Peaks

Angelo Badalamenti
Music From Twin Peaks (Warner Bros.)

Parte expressiva do que sustenta e impulsiona o cenário delimitado por David Lynch em Twin Peaks não está no mistério que inaugura a história, mas na trilha sonora cuidadosa assinada por Angelo Badalamenti. Contrariando a lógica de qualquer exemplar típico do gênero, o compositor se esquiva de transformar cada tema da obra em um objeto irregular para o restante do trabalho, fazendo de cada música do registro um complemento natural para a canção seguinte. Entregue aos elementos do Jazz, porém dialogando de forma exata com tudo aquilo que viria a ser delimitado como Dream Pop anos mais tarde, o Badalamenti segue o mesmo exercício firmado anos antes em Blue Velvet (1986), transformando a obra em um registro que praticamente cerca e absorve o espectador. Acompanhado pela cantora Julee Cruise em três das 11 faixas do trabalho, o músico utiliza dos vocais como um complemento e também âncora, impedindo que a obra se perca em contornos demasiado climáticos.

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Cocteau Twins

Cocteau Twins
Heaven or Las Vegas (4AD)

Elizabeth Fraser e os parceiros Robin Guthrie e Will Heggie haviam passado boa parte da década de 1980 explorando melodias etéreas e vocais flutuantes que praticamente transformaram o Cocteau Twins em uma passagem para um universo paralelo. Entretanto, foi só com o lançamento de Heaven or Las Vegas, em setembro de 1990, que o trio escocês conseguiu alcançar um ponto de aprimoramento e plena compreensão da própria arte. Sem fugir do enquadramento sombrio que haviam testado anos antes, porém, tratando de cada composição como um objeto de pleno detalhe, a banda assume em cada música um tratamento sonoro invejável. Registro de extrema influência para o que orienta o trabalho de artistas recentes como Julianna Barwick, Grimes, Julia Holter ou qualquer outra desbravadora da música experimental, o trabalho acumula desde a faixa de abertura Cherry-Coloured Funk, passando por Iceblink Luck, Pitch the Baby e demais canções um alinhamento primoroso de vozes e sons, exercício que nem a própria banda seria capaz de superar.

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Violator

Depeche Mode
Violator (Mute)

Catálogo mais rico de composições já alcançadas pelo Depeche Mode, Violator talvez seja o último grande exemplar das heranças acumuladas ao longo da década de 1980 – tanto pela banda, como por qualquer outro artista do gênero. Sobrepondo a eletrônica em meio a encaixes minimalistas que se contrastam aos vocais de Dave Gahan, o álbum deixa crescer um acolchoado de referências próprias do grupo. Ainda que Music for the Masses (1987) já fosse capaz de revelar boa parte dos elementos que se espalham pela obra, é na essência de músicas como Sweetest Perfection, Personal Jesus e Enjoy the Silence que se esconde o verdadeiro acerto da banda. Tramado em cima de referências soturnas, abusos com drogas, sexo e doses exageradas de pessimismo, o disco serviria de base para boa parte dos trabalhos posteriormente lançados pelo grupo, sendo o último grande respiro de criatividade e invenção em torno da carreira da banda.

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Happy Mondays

Happy Mondays
Pills ‘n’ Thrills and Bellyaches (Factory)

As drogas sempre foram uma constante (quase) natural dentro do trabalho do Happy Mondays. Entretanto, tamanha a quantidade de comprimidos, álcool e outras substâncias ilícitas usadas por Shaun Ryder e demais integrantes da banda durante o processo de construção de Pills ‘n’ Thrills and Bellyaches, seria de suspeitar que o grupo fosse capaz de finalizar um álbum  satisfatório. Talvez fosse a presença de Paul Oakenfold ou Steve Osborne, mas o fato é que o terceiro registro em estúdio da banda de Manchester não apenas foi lançado, como se transformou em uma das obras mais assertivas da década de 1990. Carregado pela lisergia e versos de Ryder, o álbum traz no cruzamento entre a psicodelia, o pop e a música negra as bases para um registro que tende à dança até os últimos instantes. Seja pelo rock flutuante de Dennis and Lois ou os flertes com a eletrônica em Step On, cada instante dentro do álbum abre espaço para que um composto dançante se espalhe descompromissado pela obra.

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Pixies

Pixies
Bossanova (4AD)

O pop e a própria essência do Pixies haviam sido reconstruídos durante o lançamento de Doolittle (1989), segundo registro em estúdio do quarteto de Boston, Massachusett. Conscientes de todas as dimensões da banda e talvez cientes do fim precoce do grupo – fruto dos desintedimentos constantes entre Francis Black e Kim Deal -, dos sete anos em que a banda esteve em atividade, boa parte foi dividida entre os palcos e os estúdios, o que acelerava as intrigas entre os próprios integrantes e consequentemente o peso crescente entre as obras. Gravado no meio da turnê do segundo disco, Bossanova traz em cada uma as 14 composições que o recheiam um exercício intenso, como se a banda estivesse a ponto de explodir a qualquer instante. Enquanto os vocais de Black crescem paralelos às guitarras, os demais instrumentos (e vozes de Deal) se estapeiam, resultando em uma imensa catástrofe controlada. Embora desprovido da mesma acessibilidade do trabalho anterior, o disco traz em Dig for Fire, The Happening e Velouria alguns dos melhores exemplares do Pixies.

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Public Enemy

Public Enemy
Fear of a Black Planet (Def Jam)

Com o lançamento de It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back (1988) ou mais especificamente o hit Don’t Believe the Hype, o Public Enemy havia se transformado em um pequeno fenômeno dentro do cada vez maior e presente hip-hop norte-americano. Aprimorando tudo o que havia sido alcançado com o segundo álbum da carreira, ao apresentar Fear of a Black Planet em Abril de 1990 o grupo dava um passo além. Ainda que as rimas e letras presentes no disco sejam o principal mecanismo de comunicação do grupo – muitas delas retratando o desconforto do público/mídia perante a existência do projeto -, é na sonoridade abrangente que se esconde a verdadeira beleza da obra. Registro fundamental para aquilo que DJ Shadow, J Dilla, Flying Lotus e tantos outros produtores viriam a explorar ao final da mesma década, o álbum é um verdadeiro mural de colagens, amarrando Bob Marley, Sly & the Family Stone e Michael Jackson em um mesmo cenário. Ao lado de Enter the Wu-Tang (1993), Illmatic (1994) e Aquemini (1998) é facilmente uma das obras mais relevantes do Rap estadunidense.

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Ride Nowhere

Ride
Nowhere (Creation)

Nowhere surgiu como um ponto de concentração para aquilo que iria ocupar a música britânica nos primeiros anos da década de 1990. Acomodado em espessas barreiras de distorção, vocais submersos e todo um artificio ruidoso que se conectava ao que outros representantes da cena inglesa haviam testado anos antes, o trabalho de estreia do Ride é um exemplar coeso da relação entre Andy Bell e os parceiros de banda. Mais do que um exercício peculiar de íntima relação entre versos e sons explorados em meio a orquestrações ruidosas, o registro seria um aquecimento para aquilo que My Bloody Valentine e outros grupos viriam a desenvolver no restante da década. Concentrando experiências que incluem os primeiros anos do Sonic Youth, bem como outros representantes da cena nova-iorquina, o álbum nada mais é do que um imenso catálogo de hits sujos, indo do clássico Vapour Trail, até canções “menores” como Kaleidoscope e Dreams Burn Down.

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Goo

Sonic Youth
Goo (DGC)

Passado o lançamento da obra-prima Daydream Nation (1988), Thurston Moore, Kim Gordon e os demais parcerios do Sonic Youth bem poderiam descansar. Felizmente eles resolveram ir além, pervertendo a própria essência. Ao transformar Goo em um ponto de ruptura em relação ao que fora conquistado dois anos antes, o grupo abriria de forma criativa as portas para o que seria testado na década de 1990, substituindo os imensos experimentos sonoros de Moore e Lee Ranaldo por uma ambientação quase confortável. Ainda que os ruídos que definiram a carreira da banda estejam por todas as partes da obra, há no esforço do grupo um desejo de novidade, exercício que constrói o álbum em uma medida agridoce de vocais (metade de Moore, metade de Gordon), bem como o uso de versos quase descritivos em torno do próprio universo do grupo. Comercialmente bem recebido, Goo levaria o grupo e “novatos” como Nirvana e Dinosaur Jr a excursionar pela Europa no ano seguinte, turnê que alimenta o documentário 1991: The Year Punk Broke, de Dave Markey.

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The Breeders

The Breeders
Pod (4AD)

Se por um lado as coisas não estavam muito bem para os membros do Pixies, em se tratando do The Breeders Kim Deal parecia livre para experimental, tanto lírica como instrumentalmente. Incansável, a cantora e compositora norte-americana faz de cada instante no decorrer de Pod, primeiro álbum da nova banda, uma espécie de contraponto em relação ao que abastecia a presente fase de seu antigo grupo. Mediando instantes de raiva e calmaria, a artista passeia em um universo de composições marcadas pelo próprio cotidiano, tingindo tudo com as mesmas propriedades excêntricas firmadas desde o lançamento de Surfer Rosa (1988). Influência para bandas como Yeah Yeah Yeahs ou para o próprio Kurt Cobain, que não cansava em assumir sua devoção pela obra, Pod serviria como base para aquilo que a banda viria a desenvolver com maior cuidados em poucos anos com Last Splash (1993).

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The La's

The La’s
The La’s (Polydor)

Antes que Oasis, Blur, Pulp e toda a avalanche de bandas que marcaram o britpop ao longo da década de 1990 conquistassem real destaque, foi com o primeiro (e único) registro em estúdio do The La’s que diversos elementos deste cenário foram acertados. Resgatando elementos específicos dos sons que marcaram a produção dos anos 1960 – como as melodias de voz -, além de trabalhar as guitarras de forma a contrapor o que abastecia a musica inglesa naquele período, o grupo conseguiu transformar o registro em um combustível para o que toda uma geração de bandas viriam a estabelecer em poucos anos. Espécie de coletânea, o trabalho concentra desde composições lançadas pelo grupo no decorrer dos anos 1980 (como Way Out e There She Goes) até faixas construídas especialmente para a estreia da banda. Lançado sob pressão da gravadora, o registro levou anos até ser “finalizado”, tamanho o cuidado e o perfeccionismo de Lee Mavers, resultado que praticamente levou o grupo a encerrar as atividades poucos anos depois.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.