10 Discos Para Gostar de Trip-Hop

/ Por: Cleber Facchi 20/09/2013
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Por: Cleber Facchi

Trip-Hop

Um gênero nascido da colagem de outros gêneros. Quando os primeiros artistas britânicos resolveram colecionar texturas, brincar com uma versão desacelerada das batidas e o clima jazzístico no final dos anos 1980, não apenas a base para o Trip-Hop estava lançada, mas o princípio de uma série de outras interferências que caracterizariam a década de 1990. Por vezes confundido como um material essencialmente sombrio e erótico – resultado da forte repercussão em torno da obra de grupos como Portishead e Massive Attack -, o Trip-Hop nada mais é do que um cenário de convergência musical, bases que condensam o jazz, dub, rock, soul e pequenas experimentações em um mesmo universo instrumental. Em uma tentativa de construir uma discografia básica para quem talvez desconheça o gênero ou apenas busque desvendar um pouco mais sobre ele, foram selecionados 10 Discos Para Gostar de Trip-Hop. Obras que expandiram os limites estéticos iniciados na Bristol dos anos 1990 ou mesmo servem de princípio para uma série de outras obras voltadas ao mesmo segmento.

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Amon Tobin

Amon Tobin
Bricolage (1997, Ninja Tune)

Brasileiro naturalizado em Londres, Amon Tobin talvez seja um dos nomes mais importantes da segunda leva de artistas que resolveram brincar com o Trip-Hop. Longe do que delimitava a obra soturna dos grupos de Bristol ou mesmo do que abastecia a produção norte-americana, o produtor encontrou no clima eletrônico do Jazz e nas interferências brasileiras (principalmente a bossa nova) visível identidade. Em atuação desde o começo dos anos 1990, quando ainda se apresentava como Cujo, Tobin fez dos primeiros exemplares em estúdio um propósito de experimentação, invento que ao alcançar Bricolage, em 1997, revelaria toda a suavidade e a perfeição do artista. Mesmo que haja o interesse em brincar com samples e velhos recortes sonoros, cada música do registro parece “fabricada” especialmente para a obra, o que faz com que um sentimento de homogeneidade se esparrame por todo o disco. Desenvolvido em cima de elementos que esbarram na obra de Miles Davis e outros grandes jazzistas, o álbum lentamente substitui as orquestrações orgânicas por um catálogo de interferências eletrônicas, favorecendo ao produtor um cenário talvez mais amplo de possibilidades.

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DJ Shadow

DJ Shadow
Endtroducing… (1996, Mo’Wax)

Nascido da colagem de gêneros e distintas vertentes musicais, o Trip-Hop trouxe na convergência de essências, sons e vozes sampleadas de outros registros um princípio natural para a consolidação do estilo. Entretanto, o que parecia delimitado de forma clara na estética de Tricky, Massive Attack e outros representantes do segmento, encontrou na composição ainda mais abrangente de DJ Shadow um novo princípio. Ao lançar Endtroducing… em 1996, o produtor californiano não apenas entregava um acréscimo conceitual ao gênero, como parecia brincar com a eletrônica, forçar crativamente o (instrumental) Hip-Hop, além de antecipar uma série de outras marcas que só viriam a ser compreendidas anos mais tarde. Fruto da colagem de horas de músicas, filmes, séries e diversos outros recortes que, ainda hoje, se mantém parcialmente “ocultos”, o álbum comporta em pouco mais de 60 minutos de duração uma espécie de olhar para a produção musical/cultural do século XX, atravessando o Jazz, pop, rock e centenas de outras marcas em um bloco denso de sons. Imenso em essência, Endtroducing… acabou sufocando criativamente o trabalho do produtor, que a cada novo álbum se depara com a ingrata tarefa de superar o que parece ser insuperável.

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Lamb

Lamb
Lamb (1996, Universal)

Mesmo dentro da imensa produção britânica, Manchester sempre manteve a construção de um cenário musical próprio, quase isolado. Não por acaso, quando o Trip-Hop começou a chamar a atenção do público, no começo da década de 1990, a cidade serviu como base para que Andy Barlow e Lou Rhodes pervertessem com acerto a essência do gênero, garantindo o princípio musical básico para a formação do Lamb. Longe do terreno jazzístico/nostálgico que acompanha com samples samples e colagens conceituais a obra de Tricky, Massive Attack e Portishead, o duo fez da arquitetura eletrônica própria e vozes límpidas um efeito atento de construção de identidade. Com elementos do Drum and Bass, IDM e outros segmentos da eletrônica, o primeiro registro em estúdio do casal funde a plasticidade dos arranjos com o teor orgânico das vozes, proposta que alimenta cada uma das dez extensas composições do registro. Ora intimista, ora sexualmente agressivo, o debut e faixas como Trans Fatty Acid e God Bless parecem garantir um cenário de oposição ao que orientava a produção da época, o que faz com que a estreia do Lamb se mantenha tão provocante hoje, quanto na época em que foi lançado.

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Massive Attack

Massive Attack
Blue Lines (1991, Virgin)

Enquanto Robert Del Naja (“3D”) e Grant Marshall (“Daddy G”) vão aos poucos delimitando toda a trama instrumental que toma conta do do trabalho, um time isolado assume a limpidez dos vocais em um esforço de buscar pela perfeição. São nomes como Tricky, Shara Nelson e Horace Andy, artistas até então pouco conhecidos da cena britânica, mas que derramam pela obra um misto constante de suspiro e provocação. As batidas sincopadas, os scratches, doses moderadas de dub, soul e hip-hop se acumulam com parcimônia no interior do trabalho, resultando em um jogo de nove composições capazes de esbanjar gemidos e sensualidade sem qualquer dose de exagero. Uma ode ao sexo, sem necessariamente focar nesse resultado. Originalmente apresentado há mais de duas décadas, Blue Lines serviu como a estrutura de base para todos os lançamentos seguintes voltados ao Trip-Hop, mantendo uma unidade e independência instrumental tão marcante hoje, quanto na época de sua estreia.

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Neotropic

Neotropic
Mr Brubaker’s Strawberry Alarm Clock (1998, Ntone)

A versatilidade sempre foi a principal marca no trabalho de Riz Maslen. Britânica, a produtora acumula ao longo de toda a década de 1990 uma das obras mais complexas e ricas já desenvolvidas do período, esforço claro na capacidade da artista em se adaptar aos mais diversos territórios da eletrônica sem perder a própria identidade. Ora mergulhada na IDM, ora brincando com conceitos da música abstrata, ao lançar Mr Brubaker’s Strawberry Alarm Clock, em 1998, pelo Neotropic, a artista se aproximava com cuidado do Trip-Hop, trazendo na imensa carga de referências experimentais um complemento ao gênero. Extenso, o trabalho cruza mais de uma hora de batidas instáveis com samples que parecem caminhar pelas ruas de um imenso centro urbano. Diálogos, choro, ruídos e interferências sintéticas se cruzam a todo o momento, como corpos que se esbarram no meio do caos diário, fazendo do álbum uma manifestação sombria e talvez até mais anárquica do que o resultado proposto pelo californiano DJ Shadow dois anos antes.

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Dummy

Portishead
Dummy (1994, Go! Beat)

Blue Lines (1991), Maxinquaye (1995) e Endtroducing… (1996) podem ser bases para o Trip-Hop, mas nenhum destes álbuns parece representar com tamanha comoção as experiências do gênero quanto Dummy. Estreia do Portishead, o registro praticamente se transformou em um sinônimo para o estilo, carregando nas batidas lentas, clima jazzístico e nas confissões vocais de Beth Gibbons o princípio para uma série de outras obras que viriam posteriormente. Essencialmente melancólico, o disco encaixa em cada composição versos de fundo amargurado, com Gibbons discutindo sexualidade, abandono e romance enquanto scratches e colagens noir surgem cuidadosamente. Grandes responsáveis pela beleza que envolve o disco, Geoff Barrow e Adrian Utley vão até o jazz dos anos 1950 e o cinema da década de 1960 para amarrar todas as pontas do trabalho. Verdadeira coleção de clássicos, o álbum condensa em músicas como Mysterons, Numb e Glory Box alguns dos exemplares mais significativos da década de 1990, princípios para a trilha sonora mais executada até hoje em qualquer noite de amor e sexo.

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Trip-Hop

Thievery Corporation
Sounds from the Thievery Hi-Fi (1997, Thievery Corporation)

Suave. Do momento em que tem início, até o último instante Sounds from the Thievery Hi-Fi embriaga o ouvinte em uma atmosfera arrastada, preguiçosa, e deliciosamente difícil de ser evitada. Enquanto outros artistas do gênero encontraram no Dub uma mera referência, o duo Rob Garza e Eric Hilton fez do estilo uma base para toda a composição de todo o primeiro álbum do projeto Thievery Corporation. Na contramão do que outros coletivos do Trip-Hop pareciam apostar, a dupla de Washington, DC, fez do debut uma obra vespertina, amenizando sensações abrandadas em um registro que se permite banhar pela luz do Sol durante todo o tempo. Tendo nos vocais de Pam Bricker e Bebel Gilberto um estímulo natural para as faixas, o álbum se escora confortavelmente na Downtempo e na Ambient music, prova de que o catálogo de referências impostas pela dupla vai muito além do cenário musical que antecede a década de 1990. Bem recebido, o álbum foi apenas o princípio de uma série de intervenções musicais que viriam a caracterizar (com erro e acerto) o trabalho da dupla nos anos 2000.

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Tricky

Tricky
Maxinquaye (1995, Island)

Embora ocupasse um lugar de destaque na produção britânica desde o meio dos anos 1980, Tricky levou quase uma década até alcançar  e finalizar o primeiro registro solo. Lançado em fevereiro de 1995, Maxinquaye parece acumular com beleza e melancolia tudo aquilo que o cantor já vinha experimentando com o Massive Attack e diversos outros projetos da cena inglesa. Tendo no Trip-Hop um efeito de resumo ao público e à imprensa, o debut é na verdade uma abertura para um cenário marcado pela convergência de gêneros e tendências da época. Brincando com samples de Marvin Gaye, The Smashing Pumpkins e Michael Jackson, o cantor/produtor faz do registro um redemoinho soturno que dança pelo Hip-Hop, Dub, Soul e Eletrônica, extasiando o ouvinte entre as rimas e o canto. Acompanhado da namorada Martina Topley-Bird, Tricky faz nascer um ambiente doloroso e provocante, como se toda a espera em torno da obra se concretizasse em acerto tão logo Overcome inaugura o álbum. Um disco que você ouve centenas de vezes, mas sempre revela uma nuance ou mínima textura antes inexpressiva.

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UNKLE

UNKLE
Psyence Fiction (1998, Mo’Wax)

Se DJ Shadow mudou as regras para o Trip-Hop – expandindo o gênero e alcançando novos terrenos conceituais -, então o duo britânico UNKLE resolveu ir ainda mais longe dentro desse efeito. Aos comandos do próprio californiano, a dupla James Lavelle e Pablo Clements fez do debut Psyence Fiction (1998) um catálogo de colagens ainda mais amplas do que aquelas instaladas na obra do produtor convidado. São apenas 13 composições, faixas que encontram na comunhão de elementos diversos a abertura para um cenário amplo. Radiohead se encontra com Star Wars, The Doors esbarra em Blade Runner e todo um agrupado de essências que aprecem surgir dentro da tapeçaria eletrônica estendida pela dupla. Tratando de cada composição como um objeto isolado dentro da obra, o duo lentamente sobrepõem vozes, sons e efeitos, trazendo nos vocais de Richard Ashcroft (The Verve), Mike G. (Beastie Boys), Thom Yorke (Radiohead) e Ian Brown (The Stone Roses) um complemento para o registro.

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Wagon Christ
Throbbing Pouch (1995, Rising High)

Luke Vibert é um dos personagens mais produtivos da música britânica. Na ativa desde o começo dos anos 1990, o produtor original de Redruth, Cornwall encontrou na criação de diferentes projetos e pseudônimos a autorização para caminhar pelos mais variados campos da eletrônica. Com o Wagon Christ, projeto mais conhecido do artista, o Trip-Hop se transformou em matéria-prima, alimentando obras pontuadas pela delicadeza dos samples e a arquitetura plástica das batidas. Segundo registro em estúdio do britânico, Throbbing Pouch chegou em 1995 aproveitando de uma série de marcas talvez desprezadas por Massive Attack, Portishead e outros gigantes do meio. Marcado pelo isolamento, o álbum ameniza sintetizadores, batidas e parcos recursos de voz em um agrupado essencialmente sintético. À exemplo do que Amon Tobin e outros artistas próximos vinham desenvolvendo na época, Vibert resolveu fabricar as próprias bases, colecionando um grupo limitado de samples, mas que passeiam com acerto em cada composição. Atencioso, o disco quase deixa ver o produtor trancado em um quarto escuro, posicionando os elementos das faixas como quem monta um quebra-cabeça.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.