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Crítica

Jai Paul

: "Leak 04-13 (Bait Ones)"

Ano: 2019

Selo: XL Recordings

Gênero: R&B, Eletrônica, Hip-Hop

Para quem gosta de: Mount Kimbie e A.K. Paul

Ouça: Jasmine, BTSTU e Str8 Outta Mumbai

8.8
8.8

“Leak 04-13 (Bait Ones)”, Jai Paul

Ano: 2019

Selo: XL Recordings

Gênero: R&B, Eletrônica, Hip-Hop

Para quem gosta de: Mount Kimbie e A.K. Paul

Ouça: Jasmine, BTSTU e Str8 Outta Mumbai

/ Por: Cleber Facchi 06/06/2019

Imagine ser acordado no meio da noite e descobrir que um trabalho que você levou anos para produzir não apenas caiu na internet, como passou a ser comercializado ilegalmente, sem a sua autorização. Foi exatamente isso que aconteceu em abril de 2013, quando uma seleção de músicas ainda não finalizadas do produtor britânico Jai Paul foi posta à venda no bandcamp. Seis anos após o incidente, uma ação da polícia que prendeu duas pessoas e um acordo que garantiu a devolução do dinheiro para mais de 500 compradores via Paypal, o artista inglês decidiu vir a público para expressar suas frustrações com o caso, preparar o terreno para um novo trabalho de estúdio e, finalmente, disponibilizar de maneira oficial parte do repertório que havia vazado anteriormente.

É surreal para mim que essa música exista dessa forma, inacabada e até mesmo sequenciada pelas pessoas que a vazaram. Será sempre um pouco doloroso, mas eu não quero negar às pessoas a chance delas ouvirem“, escreveu no texto de apresentação do trabalho, agora intitulado Leak 04-13 (Bait Ones) (2019, XL Recordings), e que conta com a mesma imagem de capa do material que circulou há seis anos. Pouco mais de 30 minutos de ideias tortas, fragmentos de vozes e canções que mesmo inacabadas, sintetizam com naturalidade a estranheza do som produzido pelo artista britânico.

Paul? É John Paul? Qual o nome dele?“, questiona a voz de um radialista logo nos primeiros segundos do trabalho, indicando a completa incerteza que orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução da obra. Produto das ideias e inspirações pouco convencionais do artista inglês, o registro encontra no R&B de veteranos como Prince e Janet Jackson a base para um exercício delirante. São variações instrumentais, batidas e vozes submersas que encolhem e crescem a todo instante, conceito anteriormente testado em duas de suas principais criações do produtor, BTSTU e Jasmine, ambas apresentadas no disco em suas versões não finalizadas.

Uma vez dentro desse território marcado pela ruptura dos elementos, Jai Paul divide o trabalho em dois blocos expressivos de canções. No primeiro deles, um compilado de músicas dançantes, como uma tentativa do artista em dialogar com as pistas de forma particular. Exemplo disso está no regionalismo torto de Str8 Outta Mumbai, música que utiliza de trechos de Bala Main Bairagan Hoongi, de Ravi Shankar e Vani Jairam, refletindo a completa versatilidade do produtor dentro de estúdio. Surgem ainda composições com Zion Wolf Theme, também calcada no uso das batidas, o pop estranho de Genevieve, faixa que revisita o pop dos anos 1980 de forma particular, e a quente 100,000.

No restante da obra, um delicado acervo de faixas atmosféricas, sempre reducionistas e sujas. É o caso de Crush, música que lembra uma versão artesanal do som produzido para os primeiros discos do The Weeknd. O mesmo comprometimento estético acaba se refletindo em Vibin’, um esboço claro do produtor britânico e um limitado conjunto de ideias que se espalha em meio a vozes borbulhantes e batidas densas. Na curtinha Chix, camadas de sintetizadores e versos confessionais que apontam para a obra de Michael Jackson, referência também evidente no pop entristecido de All Night.

Síntese involuntária de tudo aquilo que Jai Paul vinha produzindo em estúdio desde o início da carreira, Leak 04-13 (Bait Ones) antecipa de forma curiosa uma série de conceitos, temas instrumentais e sonoridades que viriam a ser melhor exploradas por diferentes artistas em seus futuros trabalhos. Do erotismo ruidoso Miguel, em Wildheart (2015), passando pelo uso inusitado das vozes e captações caseiras que marcam o trabalho de Frank Ocean, em Blonde (2016), sobram instantes que se conectam diretamente à obra do produtor inglês, estabelecendo pequenas pontes criativas mesmo no isolamento de ideias e experiências tratadas de forma particular.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.