Resenha: “Blonde” / “Endless”, Frank Ocean

/ Por: Cleber Facchi 26/08/2016

A boa repercussão em torno de Channel Orange (2012) deu a Frank Ocean a possibilidade de assumir o controle total sobre a própria obra. Sem pressa, livre do peso de uma grande gravadora e com um dos trabalhos mais complexos do novo R&B em mãos, o cantor, compositor e produtor norte-americano passou os últimos anos se dividindo entre a construção de músicas para outros artistas – caso de Superpower, parceria com Beyoncé –, e um secreto, quase mítico, acervo de composições produzidas especialmente para o novo registro de inéditas – projeto inicialmente anunciado ao público sob o título de Boys Don’t Cry.

Quatro anos após o lançamento do bem-sucedido trabalho – obra que rendeu ao artista um Grammy no ano de 2013 –, Ocean está de volta não apenas com um novo álbum de estúdio, mas com uma verdadeira “experiência” a ser compartilhada com o público. Além de Blonde (2016, Boys Don’t Cry), trabalho que conta com 17 faixas inéditas e distribuição em duas versões em diferentes, o cantor ainda entrega o “álbum visual” Endless (2016, Boys Don’t Cry / Def Jam), uma coletânea de sobras, versões e faixas produzidas por outros artistas. No mesmo pacote, a inusitada apresentação de uma revista, esta sim, intitulada Boys Don’t Cry. Uma espécie de “complemento” ao restante do material produzido em estúdio.

Junto de Ocean, um time imenso de colaboradores. Jamie XX e Rostam Batmanglij assumem a produção da delicada Ivy. Kendrick Lamar surge discretamente em Skyline To, música que conta com a produção do velho parceiro de Odd Future, Tyler, The Creator. Beyoncé passeia ao fundo de Pink + White, canção produzida por Pharrell Williams. Em White Ferrari e Seigfried, fragmentos de músicas originalmente compostas por Elliott Smith e The Beatles, e que acabam se encontrando dentro do ambiente montado pelo britânico James Blake. Pequenas brechas que servem de passagem para nomes como Arca, Jonny Greenwood, Jazmine Sullivan, Sampha e André 3000.

Ainda que o nome do cantor apareça estampado na capa do projeto, sobrevive na ativa interferência de diferentes vozes, músicos e produtores o grande acerto do trabalho. Trata-se de uma obra essencialmente colaborativa, conceito explícito na adaptação de músicas inteiras produzidas por outros artistas – vide Device Control, do produtor alemão Wolfgang Tillmans –, além de todo o catálogo de samples e adaptações que passam pela obra veteranos como The Isley Brothers, Stevie Wonder e até pela brasileira Gal Costa. Um rico mosaico de influências, recortes e fragmentos musicais, produto do longo período de isolamento do artista.

Livre de um resultado plástico, Ocean entrega ao público um registro marcado pela completa irregularidade dos versos, arranjos e temas instrumentais. Tal qual a lista de composições favoritas que o artista publicou recentemente – seleção que inclui nomes Frank Sinatra, Nina Simone, Kraftwek e Daft Punk –, o novo álbum nasce como uma delicada de síntese da mente inquieta e parte expressiva das influências que há tempos cercam o trabalho do cantor. Observado de forma atenta, tanto Blonde quanto Endless ampliam de forma significativa o imenso acervo de ideias, uso de samples e temas apresentados pelo rapper na mixtape nostalgia, ULTRA, de 2011, claro ponto de partida para o presente lançamento.

Nos versos dissolvidos pelo interior do disco, uma extensão do mesmo conceito intimista explorado por Ocean desde a primeira mixtape. São composições como a descritiva Nights, uma sequência de eventos que movimentam a vida noturna do cantor. Sussurros melancólicos de um indivíduo atormentado pelos próprios sentimentos em White Ferrari. O romantismo escancarado de Ivy. Sexo, pequenas descobertas e toda a emoção de um primeiro encontro em Self Control. É difícil passear pelos dois discos e não se identificar com a poesia sutil, sempre acolhedora, apresentada pelo cantor.

Em um ano dominado por grandes lançamentos que marcaram o Hip-Hop/R&B norte-americano – caso de Lemonade de Beyoncé, ANTI de Rihanna, Life of Pablo de Kanye West e Coloring Book de Chance The Rapper –, o aguardado segundo álbum de Frank Ocean assume uma merecida posição de destaque. Obra de sentimentos, Blonde / Endless não apenas “justifica” o longo período que Ocean levou para finalizar o(s) sucessor(es) de Channel Orange, como confirma a busca do cantor por um som cada vez mais complexo, versátil e livre do conforto natural da música pop. 

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.