Cozinhando Discografias: Everything But The Girl

/ Por: Cleber Facchi 17/02/2021

Formado em 1982 pela cantora e compositora Tracey Thorn e o cantor, multi-instrumentista e produtor Ben Watt, o Everything But The Girl talvez seja um dos projetos mais bem-sucedidos e musicalmente versáteis da cena inglesa durante o período de atuação da dupla. Original de Hull, na região Norte da Inglaterra, o casal que acabou se envolvendo romanticamente e teve três filhos, fez de cada trabalho de estúdio a passagem para um novo território criativo. Do início da carreira, inspirado pela onda revisionista do jazz que tomava conta do Reino Unido, passando pelo diálogo com a produção eletrônica, base para o clássico Walking Wounded (1996), sobram registros em que o duo parece testar os próprios limites dentro de estúdio, tratamento que se reflete até o início dos anos 2000, quando o projeto chegou ao fim. Com dez álbuns de inéditas e uma seleção de músicas marcantes, caso de Night and Day, I Don’t Want to Talk About It e Missing, o Everything But The Girl foi o nome escolhido para ter cada um dos registros organizados do pior para o melhor lançamento em mais uma edição do Cozinhando Discografias.


#10. Acoustic
(1992, Blanco y Negro)

Inicialmente pensado como em EP de versões para a obra de outros artistas, Acoustic (1992) ganhou forma e se transformou em um novo trabalho de estúdio do Everything But The Girl. Na primeira metade do registo, interpretações delicadas para faixas como Tougher Than the Rest, de Bruce Springsteen, Time After Time, de Cyndi Lauper, e Alison, de Elvis Costello. Nada que se compare ao refinamento explícito em Downtown Train, música originalmente apresentada no clássico Rain Dogs (1985), de Tom Waits, mas que se transforma na voz de Tracey Thorn. Já a porção seguinte do álbum, puxada pela nova adaptação de Driving, do disco The Language of Life (1990), mostra o esforço da dupla inglesa em transportar o próprio repertório para um novo território criativo, sempre movido pelo destacado dos pianos e vozes cuidadosamente detalhadas pelos dois artistas.

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#9. Worldwide
(1991, Blanco y Negro)

Worldwide (1991), como tudo aquilo que o Everything But The Girl produziu no início dos anos 1990, é uma obra que reflete a completa falta de inspiração e excessivo conforto de Tracey Thorn e Ben Watt em estúdio. Da construção dos arranjos, apoiados em elementos do sophisti-pop, passando pelas vozes sempre calculadas que tomam conta de cada composição, tudo soa como uma permanente reciclagem de ideias. Não há nada aqui que a dupla já não tenha testado em obras como Baby, the Stars Shine Bright (1986) e Idlewild (1988). O próprio The Language of Life (1990), lançado um ano antes, parece servir de molde para o material entregue ao longo do registro. Claro que isso não interfere na produção de músicas como One Place, canção que preserva a essência dos antigos trabalhos da banda, porém, sustenta no uso das batidas e guitarras a passagem para o som que seria melhor explorado em Amplified Heart (1994) e Walking Wounded (1996).

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#8. Love Not Money
(1985, Blanco y Negro)

Quem esperava por uma possível continuação do pop minimalista de Eden (1984), estreia do Everything But The Girl, encontrou em Love Not Money (1985), segundo álbum de estúdio da dupla de Hull, a passagem para uma obra completamente distinta. Da construção dos versos, marcados pela forte carga política, sexismo, atentados terroristas e o peso do capitalismo, passando pelo tratamento dado aos arranjos, tudo soa como uma criativa desconstrução do material entregue meses antes. Mais uma vez acompanhado pelo produtor Robin Millar (Sade, Eric Clapton), com quem havia colaborado no disco anterior, Ben Watt decide investir em uma obra marcada pela força dos instrumentos, uso das guitarras e batidas, estrutura que se completa pela voz fluida de Tracey Thorn, sempre inclinada a testar os próprios limites dentro de estúdio. Musicalmente confuso e recebido de forma tímida pelo público e crítica, o álbum serviria de passagem para o também diverso Baby The Stars Shine Bright (1986), lançado no ano seguinte.

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#7. The Language of Life
(1990, Blanco y Negro / Atlantic)

Em algum momento entre o final dos anos 1980 e o início da década de 1990, Tracey Thorn e Ben Watt estabeleceram uma estrutura conceitual que serviu de base para grande parte dos trabalhos do Everything But The Girl. Canções que pareciam apontar para o jazz dos anos 1950 e 1960, porém, sempre capazes de regressar ao pop atmosférico que apresentou a dupla inglesa. Exemplo disso acontece em The Language of Life (1990). Segundo álbum da banda a ultrapassar meio milhão de cópias vendidas, o disco que conta com produção de Tommy LiPuma (Miles Davis, Paul McCartney) é uma soma de tudo aquilo o casal havia testado meses antes. São vozes contidas que se espalham em meio a pianos sofisticados, metais e camadas de sintetizadores, conceito que se reflete em algumas das principais faixas do disco, como Meet Me in the Morning e Imagining America.

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#6. Idlewild
(1988, Blanco y Negro / Sire)

Ponto de encontro entre os temas jazzísticos incorporados em Eden (1984) e os arranjos sutis que marcam as canções de Baby, the Stars Shine Bright (1986), Idlewild (1988), quarto álbum de estúdio do Everything But The Girl, nasce como uma obra essencialmente equilibrada. Do momento em que tem início, em I Don’t Want to Talk About It, música originalmente composta por Danny Whitten (Neil Young, Rod Stewart), passando por faixas como The Night I Heard Caruso Sing, I Always Was Your Girl e a derradeira Apron Strings, tudo soa como uma criativa sobreposição de ideias que sintetizam o que há de mais característico na obra da dupla britânica. Canções marcadas pelo reducionismo dos arranjos e versos sempre confessionais, conceito que embala a experiência do ouvinte durante toda a execução do trabalho.

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#5. Baby, the Stars Shine Bright
(1986, Blanco y Negro)

Entregue ao público em um ano repleto de grandes lançamentos para a cena inglesa, como The Queen Is Dead, dos Smiths, e The Colour Of Spring, do Talk Talk, Baby, the Stars Shine Bright (1986), terceiro álbum de estúdio do Everything But The Girl, mais uma vez reflete a busca de Tracey Thorn e Ben Watt em revisitar o passado, porém, preservando a própria identidade criativa. Do momento em que tem início, em Come on Home, passando por músicas como Cross My Heart e Don’t Leave Me Behind, tudo soa como uma tentativa da dupla britânica em revisitar o pop dos anos 1960 e o jazz de forma deliciosamente nostálgica. São arranjos de cordas, pianos e melodias cuidadosamente trabalhadas dentro de estúdio, conceito que se reflete mesmo nos momentos mais contidos da obra, como em Don’t Let the Teardrops Rust Your Shining Heart. Canções em que Watt e o co-produtor Mike Hedges (U2, Manic Street Preachers), utilizam de delicadas paisagens instrumentais como forma de alavancar as emoções e versos confessionais detalhados por Thorn.

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#4. Eden
(1984, Blanco y Negro)

No início dos anos 1980, a Inglaterra passava por um período de redescoberta do jazz e curioso olhar para a bossa nova. Nesse cenário dominado por nomes como Sade, Carmel e Prefab Sprout, o casal formado por Tracey Thorn e Ben Watt estreava com o primeiro álbum de estúdio do Everything But The Girl, Eden (1984). Naturalmente íntimo de tudo aquilo que a dupla havia testado em seus próprios trabalhos em carreira solo, A Distant Shore (1982) e North Marine Drive (1983), o registro de essência contida convida o ouvinte a mergulhar em um território marcado pela leveza das vozes e evidente refinamento dos instrumentos. São canções que homenageiam os clássicos, como Tender Blue, música que evoca Cole Porter e Chet Baker, porém, estabelecem na fragmentação dos arranjos o estímulo para uma sonoridade própria da banda. O resultado desse processo está na entrega de faixas como Each and Every One, Another Bridge e toda uma sequência de músicas que não apenas garantiriam ao duo mais de 20 semanas de exposição nas paradas inglesas, como serviriam de passagem para toda uma sequência de obras que produzidas pelos próximos anos. No mesmo ano, o disco seria relançado nos Estados Unidos, porém, com apenas seis músicas da versão original e outros pequenos acréscimos.

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#3. Temperamental
(1999, Atlantic / Virgin)

Mesmo com a boa repercussão em torno dos dois últimos álbuns de estúdio, Amplified Heart (1994) e Walking Wounded (1996), no final dos anos 1990, Tracey Thorn e Ben Watt pareciam pouco interessados em seguir com Everything But The Girl. Enquanto Thorn se dedicava integralmente ao cuidado das primeiras filhas, as gêmeas Jean e Alfie, Watt se revezava entre a paternidade e o trabalho como produtor, colaborando em obras importantes como Central Reservation (1999), de Beth Orton. Com o fim das atividades da banda cada vez mais iminente, o casal decidiu investir em um último registro de inéditas: Temperamental. Entregue ao público em setembro de 1999, o disco segue a trilha eletrônica iniciada no lançamento anterior, porém, se permite provar de novos direcionamentos criativos. São canções que vão da deep house ao garage em uma tentativa clara da dupla em dialogar com as novas tendências da cena inglesa. Entre as canções que recheiam o álbum, preciosidades como No Difference e Low Tide Of The Night que foram recebidas com frieza pela crítica, porém, rapidamente caíram nas graças do público.

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#2. Amplified Heart
(1994, Blanco y Negro)

Depois de flertar com o jazz durante toda a década de 1980, no início dos anos 1990, Tracey Thorn e Ben Watt decidiram investir em uma sonoridade cada vez mais voltada ao uso de temas acústicos, conceito reforçado na sequência composta por Worldwide (1991) e Acoustic (1992). Entretanto, foi com a chegada de Amplified Heart, em junho de 1994, que o casal britânico assumiu de vez a nova identidade. Inaugurado pelo lirismo agridoce de Rollercoaster, uma das principais composições da banda, o oitavo disco do Everything But The Girl segue em uma sequência de faixas cuidadosamente trabalhadas em estúdio. É o caso I Don’t Understand Anything, Troubled Mind e a econômica Two Star. Nada que fosse capaz de igualar o sucesso de Missing. Incialmente lançada como single em agosto do mesmo ano, a canção ganhou sobrevida quando, em outubro de 1995, o dançante remix de Todd Terry transportou a faixa para o topo das principais paradas de sucesso e alavancou as vendas do álbum. Foram mais de um milhão de cópias vendidas ao redor do mundo, sucesso que não apenas serviu para apresentar o som produzido por Thorn e Watt a uma nova parcela do público, como inspirou a guinada eletrônica que embala os sucessores Walking Wounded (1996) e Temperamental (1999).

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#1. Walking Wounded
(1996, Atlantic / Virgin)

Com a boa repercussão em torno do remix de Todd Terry para Missing, a consolidação da cena eletrônica em toda a Inglaterra e a busca por novas possibilidades criativas, Tracey Thorn e Ben Watt fizeram de Walking Wounded (1996) um importante ponto de transformação na discografia do Everything But The Girl. Enquanto Watt mergulhou na criação de ambientações sintéticas e batidas que vão da house ao drum and bass, do downtempo ao techno, Thorn entrega ao público algumas de suas letras mais sensíveis. São músicas como Wrong (“Onde quer que você vá eu vou te seguir / Pois eu estava errada“), Mirrorball (“Bem, eu acho que alguns meninos me adoraram / Mas aquele que eu amava me ignorou“) e a própria faixa-título (“Não, eu nunca vou deixar você ir / Porque eu poderia ter te amado para sempre“), em que a dupla alterna entre versos melancólicos e composições sutilmente dançantes. Instantes em que a dupla preserva o mesmo sophisti-pop testado desde os primeiros registros autorais, porém, partindo de um novo direcionamento estético. Recebido de forma positiva pelo público – foram mais de um milhão de cópias vendidas do disco ao redor do mundo –, Walking Wounded ainda serviria de base para o trabalho seguinte da dupla, Temperamental (1999), além de inspirar nomes importantes da cena inglesa, como Jessie Ware, The xx e Beth Orton.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.