Cozinhando Discografias: Fellini

/ Por: Cleber Facchi 02/12/2013

Por: Cleber Facchi

Fellini

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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.

Em 1985 a essência do Post-Punk inglês e suas principais bandas começavam a se dissolver. No Brasil, entretanto, o gênero parecia recém-descoberto, alimentando uma série de obras que caminhavam pelas sombras do solo tupiniquim. Princípio para o trabalho de grupos como Legião Urbana e Ira!, o estilo encontrou na postura versátil da paulistana Fellini um ponto natural de transformação. Sustentados pelos experimentos, Cadão Volpato, Thomas Pappon, Jair Marcos e Ricardo Salvagni fizeram da curta passagem da banda um dos momentos mais curiosos do rock brasileiro dos anos 1980 – e até além dele. Da essência de Adoniran Barbosa, passando pelos arranjos sombrios de grupos como The Smiths, Gang Of Four e Joy Division, poucas bandas surgidas no mesmo período conquistaram um repertório tão hermético e ainda amplo quanto a Fellini.

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Fellini

#06. Você Nem Imagina
(2010, Tratore)

Um passeio pela década de 1980 sem sair dos anos 2000, é com base nessa proposta que Cadão Volpato e Thomas Pappon revisitam alguns dos maiores clássicos da Fellini em Você Nem Imagina (2010). Centrado no resgate de faixas originalmente lançadas em O Adeus A Fellini (1985), 3 Lugares Diferentes (1987) e Amor Louco (1989), o registro aposta na limpidez dos arranjos e vozes como um ponto de completa novidade dentro da trajetória artesanal do grupo. É possível, pela primeira vez, saborear faixas memoráveis como Teu Inglês, Funziona Senza Vapore e demais canções dos primeiros registros sem se deparar com o teor rudimental das gravações. Sem a necessidade de manter os mesmos arranjos e a estrutura prévia, algumas das faixas encontram um novo posicionamento instrumental, enquadramento que serve para ampliar a beleza em torno de faixas como Zum Zum Zum Zazoeira ou mesmo a naturalmente ruidosa Chico Buarque Song. Uma coletânea curiosa e uma nova maneira de observar a obra da banda.

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Amanhã é Tarde

#05. Amanhã É Tarde
(2002, Midsummer Madness)

Os anos de parcial silêncio e distanciamento de forma alguma conseguiram distanciar Cadão Volpato e Thomas Pappon da boa forma conquistada nos anos 1980. Primeiro álbum de estúdio desde o fatídico Amor Louco (1989), Amanhã É Tarde sintetiza a essência da Fellini em um bloco de sons que viajam pelo passado, mas nunca se entregam exclusivamente à ele. Com ares de obra esquecida da década de 1960, o disco aos poucos substitui a raiva controlada do projeto por um jogo de sons e versos essencialmente brandos, quase preguiçosos. A calmaria, entretanto, de forma alguma distancia o duo da mesma arquitetura experimental alcançada nos primeiros trabalhos da banda, algo que o cruzamento com o samba, eletrônica e diferentes ritmos regionais manifesta de forma inteligente por todo o álbum. Sereno, Volpato passeia de forma estável em canções como Ventre Livre e Longe, faixas que mais parecem uma sobra de estúdio dos primeiros álbuns, mas que se relacionam (instrumentalmente) com toda a carga de referências atuais.

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Fellini

#04. O Adeus A Fellini
(1985, Baratos e Afins)

Começar pelo fim, essa parece a proposta adotada pelos membros da Fellini para o lançamento do debut O Adeus A Fellini (1985). Construído em cima da mesma arquitetura instrumental que abastecia o rock (europeu) naquele instante, o registro trouxe no manuseio sombrio das vozes e arranjos um princípio básico de funcionamento. Gravado de forma quase artesanal, em uma mesa de som de oito canais, o álbum substitui sem grandes dificuldades a carga inicial de ruídos por conta das letras curiosas de Cadão Volpato. São versos de postura irônica, recortes inexatos da mente de seu criador e um estranho passeio por uma São Paulo soturna, quase fictícia. Tratadas de forma melódica, as palavras praticamente são costuradas aos versos, o que garante ao ouvinte um saldo imenso de boas canções – caso de Funziona Senza Vapore, Rock Europeu e Nada. O mais curioso talvez seja perceber a inclusão de samples e outros efeitos experimentais durante a construção de toda a obra, proposta que serviria como estímulo para uma série de projetos futuros, entre eles os pernambucanos Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A.

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Fellini

#03. Fellini Só Vive 2 Vezes
(1986, Baratos e Afins)

Estranho e melancólico. Assim é o segundo álbum de estúdio da banda paulistana Fellini – Fellini só vive 2 vezes, de 1986. Longe das guitarras velozes e do esforço “levemente” acessível do disco de estreia, o novo álbum encontra na completa experimentção um ponto de reforço para o crescimento da própria banda. Gravado em totalidade por Thomas Pappon, na casa do músico, e posteriormente mixado em estúdio, a obra fragmenta a essência da banda em um jogo de transições instrumentais ainda mais confusas e desafiadoras do que aquelas testadas um ano antes. Com uma maior interferência de sintetizadores – responsáveis pela arquitetura climática do disco -, cada instante do projeto se divide entre faixas de forte instabilidade (Mãe dos gatos) e canções de puro sofrimento (Todos os dias da semana), efeito que sustenta um estranho caráter de homogeneidade ao continuamente sombrio registro. Abertura para a chegada do samba (Domingo de Páscoa) e outras transições pela MPB, o álbum é mais um preparativo para os futuros inventos do grupo do que uma obra definitiva em si, o que de forma alguma exclui a beleza em torno da composição final que ele carrega.

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Fellini

#02. 3 Lugares Diferentes
(1987, Baratos e Afins)

Meio termo entre as experimentações testadas em Fellini Só Vive 2 Vezes (1986), e regresso inevitável os sons conquistados em O Adeus A Fellini (1985), 3 Lugares Diferentes é uma obra em que a maturidade da banda se faz evidente em todas as composições. Os versos melódicos se encontram com as bases soturnas do grupo, resultando em um composto plenamente inventivo, mas não menos próximo do grande público. Melhor exemplo disso está na construção de faixas aos moldes de Teu Inglês, Rio – Bahia e Zum Zum Zum Zazoeira, três das canções mais conhecidas do repertório da banda. Entretanto, a beleza do álbum se esconde nos momentos de maior provocação, caso dos atos que definem toda a produção de Valsa De La Revolucion, ou mesmo Lavorare Stanca, música que acomoda o ouvinte em um jogo de sonorizações essencialmente sensíveis. Também lançado pelo selo Baratos Afins, o disco brinca com o próprio hermetismo da banda em uma passagem do radialista Osmar Santos: “Ninguém ganha nada, não tá vendendo nada, o disco não tá legal, mas a gente tá dando risada, tá uma curtição, vamos levar isso pra frente”. Sem dúvidas, a melhor definição de toda a trajetória do Fellini e a proposta assumida pela banda.

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Amor Louco

#01. Amor Louco
(1989, Wob Bop)

Há um distanciamento visível na estética assumida para os três primeiros discos da Fellini e o (quase) isolado Amor Louco. Menos caseiro que os lançamentos anteriores do grupo paulistano, o álbum trouxe em um estúdio melhor equipado e a possibilidade de gravar em uma mesa de 16 canais um ponto evidente de transformação para a sonoridade da banda. Ciente das possibilidades, Thomas Pappon passeia pelo trabalho amenizando violões, batidas eletrônicas e uma composição detalhista dos sintetizadores. A voz de Cadão Volpato, por sua vez, surge parcialmente límpida, resultado fundamental para uma maior absorção de faixas como Você é música, Love ‘till the morning e Samba das Luzes. Por falar em Volpato, é visível a mudança em relação ao fluxo dos versos – agora assumidamente românticos e livres do hermetismo prévio, uma das marcas do cantor.

Gravado ao longo de cinco meses e pequenas pausas em estúdio, o álbum não apenas funciona como uma obra de distanciamento da New Wave e do Pós-Punk, íntimos dos anos 1980, como abre espaço para as sonorizações que definiriam a década de 1990. Os flertes com o samba e a eletrônica são apenas um princípio para a série de elementos que Astromato, Los Hermanos e centenas de outros artistas nacionais trariam como “novidade” anos mais tarde. Sensível, mas não menos íntimo do propósito complexo que define a discografia pregressa da banda, Amor Louco é um disco que dança pelos prédios cinzas de São Paulo, mas está longe de fixar residência, o que faz dele uma obra ampla e o encerramento mais adequado para a década 1980.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.