Cozinhando Discografias: Nick Cave

/ Por: Cleber Facchi 23/10/2017

 

Em mais de quatro décadas de carreira, Nick Cave foi da rebeldia punk, com o grupo The Birthday Party, ao som doloroso que marca os trabalhos em parceria com os integrantes do Bad Seeds. Dono de um lirismo raro e algumas das composições mais sensíveis da cena alternativa – como Into My Arms, Where the Wild Roses Grow e Rings Of Saturn –, Cave acumula uma verdadeira seleção de clássicos. Trabalhos que refletem a caótica cena britânica no começo dos anos 1980 (Junkyard), pintam um retrato doloroso da música alternativa no começo dos anos 1990 (Let Love In), além de obras de significativa relevância para o universo musical dos anos 2000 (Push the Sky Away). Um imenso catálogo de obras organizadas do pior para o melhor lançamento em mais uma edição da seção Cozinhando Discografias.

 

#22. The Birthday Party
(1980, Missing Link Records / CBS Records / 4AD)

Passada a divulgação do acelerado Door, Door (1979), primeiro álbum de estúdio da banda punk The Boys Next Door, Nick Cave e os parceiros de banda, Mick Harvey, Tracy Pew, Phill Calvert e Rowland S. Howard decidiram mudar para a cidade de Londres, onde passaram a se apresentar em uma série de clubes sob o título de The Birthday Party. Produto direto de toda essa transformação se reflete nas dez faixas que abastecem o autointitulado registro de estreia do quinteto. Do momento em que tem início, na caótica Mr. Clarinet, passando por músicas como Hats on Wrong e Happy Birthday, cada instante do registro serve de estímulo para a formação de um ambiente tenebroso, soturno, completo pelo lirismo perturbador de Cave, na época influenciado por clássicos da literatura europeia. Cru, o álbum seria posteriormente acrescido de uma série de outras composições inicialmente produzidas pela banda para o EP Hee Haw (1979), sendo relançado como parte de uma coletânea pelo selo 4AD.

 

#21. Door, Door
(1979, Mushroom Records)

Nick Cave tinha pouco mais de 20 anos quando entrou em estúdio para a gravação do primeiro álbum de estúdio com os parceiros do grupo The Boys Next Door, Door, Door (1979). Produto da época em que foi lançado, o registro mostra a energia não apenas do músico australiano, mas de cada integrante da banda — na época formada por Mick Harvey, Rowland S. Howard, Tracy Pew e Phill Calvert. Inspirados pelo proto-punk, glam rock e todas as transformações que tomaram conta da música inglesa e nova-iorquina no começo da década de 1970, o quinteto fez do trabalho dez faixas e pouco mais de 30 minutos de duração uma obra urgente, precisa na construção de cada fragmento instrumental e voz. Ainda que a derradeira Shivers seja o principal registro da obra, apontando o caminho que viria a ser explorado por Cave no decorrer dos anos 1980, sobram composições rápidas como Brave Exhibitions, The Nightwatchman e a curtinha Roman Roman, ponto de partida para as apresentações sempre explosivas do grupo.

 

#20. Nocturama
(2003, Mute / ANTI-)

Se você observar toda a discografia de Nick Cave, começando em From Her to Eternity (1984) até The Boatman’s Call (1997), vai perceber a construção de obra detalhada de forma crescente, maior e mais complexa a cada novo lançamento. Depois disso, ideias e referências que voltam a se repetir. Um bom exemplo disso está no 12º álbum de inéditas do músico australiano, Nocturama (2003). Melancólico e propositadamente arrastado, o trabalho de dez faixas parece seguir a trilha do antecessor No More Shall We Part (2001), mergulhando em um cenário dominado por ambientações semi-acústicas, pianos vagarosos e versos sempre intimistas, como um reflexo da mente atormentada e sentimentos de Cave. Entretanto, importante notar que mesmo a forte similaridade com outros trabalhos do cantor em nenhum momento oculta a produção de boas composições durante toda a execução da obra. Basta voltar os ouvidos para músicas como Wonderful Life, Right Out of Your Hand, Dead Man in My Bed e Still In Love para perceber como o músico continua interessante mesmo em um território consumido pela forte previsibilidade.

 

#19. Junkyard
(1982, Missing Link)

Interessante pensar que meses antes de produzir os EPs Mutiny e The Bad Seed (1983), trabalhos que dariam origem ao projeto Nick Cave and The Bad Seeds, o cantor e compositor australiano seria capaz de produzir um registro tão cru e agressivo quanto Junkyard (1982). Último álbum de estúdio produzido pelo The Birthday Party, o álbum inaugurado pela densa She’s Hit – posteriormente substituído por Blast Off! durante o relançamento da obra em CD –, segue em um ritmo frenético até o último instante. Uma sucessão de guitarras rápidas, vozes berradas e batidas esquizofrênicas, como se o universo musical desbravado no antecessor Prayers on Fire (1981) alcançasse um novo resultado. Exemplo disso está no punk sujo de Dead Joe, música que explode logo nos primeiros segundos e preserva a mesma energia até o silenciar das guitarras. Interessante notar que mesmo frenético, Junkyard apresenta uma série de ambientações climáticas que seriam melhor exploradas nos futuros trabalhos de Cave, como um resumo de tudo aquilo que seria produzido pelo músico até o início dos anos 1990.

 

#18. Prayers on Fire
(1981, Missing Link)

Não existe palavra que melhor defina o trabalho do quinteto The Birthday Party em Prayers on Fire (1981) do que “caótico”. Obra de ideias, o primeiro grande álbum da banda longe do título de The Boys Next Door, mostra o esforço de cada integrante do grupo em provar de novas sonoridades, se reinventando dentro de estúdio. Basta uma rápida passagem pelo punk torto de Zoo Music Girl, música de abertura do álbum, para perceber como o quinteto parece mudar de direção a cada novo verso berrado, postura que se repete durante toda a execução da obra. Com produção assinada por Tony Cohen, parceiro de Nick Cave em diversos trabalhos ao longo da carreira, o registro de 11 faixas não apenas amplia o território desbravado em Door, Door (1979), como curiosamente antecipa uma série de conceitos que viriam a ser explorados por Cave nos anos 2000, durante a produção do Grinderman, criando uma obra íntima da época em que foi lançada, porém, ainda atual, dotada de um raro frescor.

 

#17. Grinderman
(2007, Mute/ANTI-)

Passada a extensa e, naturalmente, exaustiva turnê de divulgação do duplo Abattoir Blues/The Lyre of Orpheus (2004), em meados de 2005, Nick Cave começou a produzir uma série de composições inéditas, deixando de lado os habituais piano e violão pela atmosfera ruidosa de guitarra. Partindo desse conceito cru, por vezes tosco, torto, veio a inspiração para o primeiro trabalho de inéditas do Grinderman, projeto paralelo do músico australiano em parceira com três integrantes do Bad Seeds — Warren Ellis, Martyn Casey e Jim Sclavunos. Em um intervalo de apenas 40 minutos, o quarteto se reveza na produção de um material raivoso, sempre intenso, como uma versão esquelética dos primeiros trabalhos de Cave. Um repertório curto, porém hipnótico a cada nota, efeito da avalanche de ruídos que cobre toda a superfície de músicas como No Pussy Blues, (I Don’t Need You To) Set Me Free, Get It e Depth Charge Ethel, conceito que seria parcialmente replicado nas canções de Dig, Lazarus, Dig!!! (2008), trabalho seguinte de Nick Cave and The Bad Seeds.

 

 

#16. Kicking Against the Pricks
(1986, Mute)

Em um universo de obras autorais como The Boatman’s Call (1997) e Skeleton Tree (1996), Kicking Against the Pricks (1986), terceiro álbum de estúdio de Nick Cave and The Bad Seeds, muitas vezes acaba passando despercebido dentro da extensa discografia da banda australiana. Um erro. Ainda que montado a partir de versões para o trabalho de diferentes artistas – como Johnny Cash (The Singer), John Lee Hooker (I’m Gonna Kill That Woman) e Billy Roberts (Hey Joe) –, sobrevive no interior de cada composição comandada pela voz grave de Cave uma fina representação da identidade musical do artista. Prova disso está na intensa interpretação de All Tomorrow’s Parties, faixa originalmente composta por Lou Reed para o clássico The Velvet Underground & Nico (1967), mas que se transforma na estrutura intensa e forte carga emocional criada pelos músicos Blixa Bargeld, Mick Harvey, Barry Adamson e Thomas Wydler. Interessante perceber a evolução de Cave em relação ao material apresentado um ano antes em The Firstborn Is Dead, como se o músico australiano e os parceiros de banda finalmente tivessem se encontrado dentro de estúdio, transformação reforçada pela presença dos produtores Flood e Tony Cohen.

 

#15. The Firstborn Is Dead
(1985, Mute)

Poucos meses após o lançamento do primeiro álbum de inéditas pelo projeto Nick Cave and The Bad Seeds, o músico australiano já estava em estúdio para a produção de um novo registro, The Firstborn Is Dead (1985). Acompanhado de Blixa Bargeld, Barry Adamson e do velho parceiro Mick Harvey, Cave decidiu ampliar ainda mais o próprio repertório, buscando inspiração em elementos do Blues e do rock clássico produzido nos anos 1950/1960. O próprio título da obra nasce como uma referência direta ao irmão gêmeo natimorto de Elvis Presley, Jesse Garon Presley, reforçando essa estranho olhar do músico em direção ao passado. Surgem ainda faixas como Wanted Man, canção originalmente composta por Bob Dylan e eternizada por Johnny Cash, mas que se transforma na voz (e pequenas alterações) de Cave. Em Tupelo, composição de abertura do trabalho, um diálogo breve com a obra do guitarrista John Lee Hooker (1917 – 2001), além de toda a sequência de músicas explosivas como Say Goodbye to the Little Girl Tree, Train Long-Suffering e Black Crow King que ocupam o eixo central da obra, fazendo de The Firstborn Is Dead crua e insana até o último instante.

 

#14. Grinderman 2
(2010, Mute)

Se por um lado o primeiro álbum de estúdio do Grinderman acabou influenciando fortemente o trabalho de Nick Cave em Dig, Lazarus, Dig!!! (2008), não há como negar em quem Grinderman 2, segundo registro do projeto paralelo do músico australiano, percebemos o efeito inverso. Livre da crueza e fino toque de anarquia que marca o registro de estreia da banda completa com Warren Ellis, Martyn Casey e Jim Sclavunos, o trabalho entregue ao público em setembro de 2010, mostra o esforço do quarteto em se aprofundar no uso de melodias complexas, ainda que sujas e densas. Um exercício que começa de forma minuciosa em Mickey Mouse and the Goodbye Man, ganha forma em Worm Tamer e Heathen Child, alcança melhor resultado na extensa When My Baby Comes e segue até o campo melódico de Palaces of Montezuma, faixa mais conhecida da banda. Além da extensa turnê de divulgação do trabalho — um dos mais elogiados e bem-avaliados pela crítica no ano em que foi lançado —, o registro de nove faixas renderia uma coletânea de remixes intitulada Grinderman 2 RMX, lançada em 2012.

 

#13. Dig, Lazarus, Dig!!!
(2008, Mute / ANTI-)

Não há como negar que a breve passagem de Nick Cave pelo Grinderman acabou se refletindo na força dos arranjos, guitarras e vozes que marcam Dig, Lazarus, Dig!!!, 14º álbum de inéditas do músico australiano. Entregue ao público pouco mais de um ano após o lançamento do primeiro álbum da banda paralela de Cave — projeto completo pela presença dos músicos Warren Ellis, Martyn Casey e Jim Sclavunos —, o sucessor de Abattoir Blues/The Lyre of Orpheus (2004) mostra o esforço do grupo em produzir um som denso e raivoso, como um parcial regresso ao mesmo território de obras como Tender Prey (1988) e Henry’s Dream (1992). Entretanto, o peso evidente, como uma ponte para o sucessor Push the Sky Away (2013), não sufoca o esforço da banda em produzir um som melódico e, na medida do possível, íntimo de uma parcela maior do público. Inspirado na passagem bíblica sobre a ressurreição de Lázaro de Betânia, além de detalhar referências ao ilusionista Harry Houdini, Dig, Lazarus, Dig!!! entrega ao público uma sequência de boas composições como Today’s Lesson e Hold on to Yourself, sendo o último registro com a presença de Mick Harvey, membro formador do Bad Seeds que deixaria o projeto no ano seguinte.

 

#12. From Her to Eternity
(1984, Mute)

Catártico, assim é o primeiro álbum de Nick Cave and The Bad Seeds, From Her to Eternity (1984). Com título inspirado no filme A Um Passo da Eternidade (1953), de Fred Zinnemann, o trabalho produzido logo em sequência ao encerramento das atividades da antiga banda do australiano, The Birthday Party, o registro gravado em sua maioria no Trident Studios, em Londres, segue exatamente de onde o Cave havia parado meses antes, mergulhando em uma solução de versos amargos, arranjos sujos e temas sempre confessionais, como se um turbilhão sentimental fosse convertido em música. Parte dessa atmosfera vem da forte interferência do antigo parceiro de banda, Mick Harvey, além, claro, de Blixa Bargeld, um dos integrantes do grupo germânico de industrial Einstürzende Neubauten. No repertório do disco, um compilado versátil. Composições como a inaugural Avalanche, música originalmente composta por Leonard Cohen, uma das grandes inspirações de Cave, além de canções assinadas com a cantora Anita Lane, caso da faixa-título do disco, além de músicas como as caóticas Cabin Fever! e A Box for Black Paul, essa última, com quase 10 minutos de duração.

 

#11. Your Funeral… My Trial
(1986, Mute)

Your Funeral… My Trial (1986) é um desses trabalhos capazes de derrubar qualquer indivíduo. Produzido em um período turbulento na vida de Nick Cave, na época, viciado em heroína e sufocado pela própria depressão, o registro de oito faixas se espalha sem pressa, propositadamente arrastado, fazendo de cada composição um doloroso ato confessional por parte do músico australiano. Inicialmente pensado como um EP duplo, o trabalho acabou se transformando dentro de estúdio, ampliando o território musical que vinha sendo explorado pelo artista e seus parceiros de banda desde a estreia com From Her to Eternity (1984). Trata-se de uma obra marcada pela forte teatralidade, conceito evidente na extensa The Carny, com oito minutos de duração, ou mesmo nas vozes espaçadas e arranjos “cênicos” que detalham a faixa-título do projeto. Em futuras entrevistas, Cave viria a apontar o trabalho como uma de suas obras favoritas, efeito da profunda transformação musical detalhada no interior de cada faixa. Posteriormente acrescido de novas faixas durante o lançamento do álbum em CD, Your Funeral… My Trial ainda seria explorado no filme Asas do Desejo (1987), do cineasta alemão Wim Wenders, detalhando ao vivo uma performance da música The Carny.

 

#10. Henry’s Dream
(1992, Mute)

Nas contramão de tudo que abastecia a indústria da música no início dos anos 1990, Nick Cave fez de Henry’s Dream (1992), sétimo álbum de inéditas com os parceiros do Bad Seeds, uma espécie de fuga criativa. Gravado ao vivo por David Briggs, parceiro de longa data de Neil Young, o registro de nove faixas e pouco mais de nove minutos de duração emenda uma composição na outra, garantindo ritmo ao trabalho, como uma fuga do som atmosférico, propositadamente arrastado do antecessor The Good Son (1990). O resultado está em uma seleção de faixas essencialmente aceleradas, intensas, caso de Papa Won’t Leave You, Henry, John Finn’s Wife, Brother, My Cup is Empty e I Had a Dream, Joe. Composições que costuram elementos do blues, country, pós-punk e rock clássico de forma sempre curiosa, como se Cave e os parceiros de banda brincassem com as possibilidades dentro de estúdio, detalhando um rico pano de fundo instrumental para a poesia versátil do músico, ainda inspirado pela curta passagem pelo Brasil. Considerado uma obra menor por Cave, efeito da produção crua de Briggs, Henry’s Dream acabaria se transformando em uma das obras mais queridas do público na discografia do músico.

 

#09. Tender Prey
(1988, Mute)

Do momento em que tem início, em The Mercy Seat, passando pelo blues dramático de Up Jumped the Devil, o pop-rock-nostálgico de Deanna, até alcançar a derradeira New Morning, Tender Prey segue como um intenso turbilhão criativo, detalhando vozes, ritmos e arranjos de maneira frenética, como uma explosão. Fuga propositada do som explorado pelo grupo durante a produção do álbum anterior, Your Funeral… My Trial (1986), o quinto registro de inéditas de Nick Cave and The Bad Seeds estabelece uma espécie de ponte criativa para a coletânea de covers Kicking Against the Pricks (1986), efeito reforçado na estrutura musical que banha o registro durante toda a execução. Ora sensível e econômico (Watching Alice), ora grandioso (City of Refuge), Tender Prey parece jogar com os instantes, transportando o ouvinte para um novo universo criativo a cada composição. Parte desse resultado vem do novo time de colaboradores convidados a participar do trabalho, além do esforço de Cave em se aproximar de novas referências, dialogando com elementos da música gótica e do cancioneiro norte-americano de forma explícita, abrindo passagem para a sequência de obras icônicas do músico durante toda a década de 1990.

 

#08. Push the Sky Away
(2013, Bad Seed Ltd)

Cinco anos separam o material urgente de Dig, Lazarus, Dig!!! (2008) do som denso que marca as canções de Push the Sky Away (2013). Ainda que Nick Cave tenha reservado um tempo para a produção do segundo álbum ao lado dos parceiros do Grinderman, nunca antes um intervalo entre um registro e outro do músico australiano foi tão grande. Reflexo desse longo período está no delicado acervo de faixas cuidadosamente elaboradas e espalhadas durante toda a execução do trabalho. Canção símbolo do registro, a extensa Higgs Boson Blues, com mais de sete minutos de duração, convida o ouvinte a se perder em meio a guitarras arrastadas, inserções orquestrais e vozes em coro, conceito também replicado em outros instantes de grande acerto do trabalho, como em We No Who U R, Jubilee Street e Mermaids. Com produção assinada pelo parceiro de longa data, o músico Nick Launay (Kate Bush, Talking Heads), e gravado em uma mansão francesa do século XIX, Push the Sky Away marca o início de uma nova fase na carreira da banda, sendo o primeiro trabalho lançado pelo selo Bad Seed Ltd.

 

#07. The Good Son
(1990, Mute)

No final dos anos 1980, durante uma breve passagem pelo Brasil, Nick Cave estreitou a relação com o músico Thomas Pappon, um dos integrantes da Fellini, e com a jornalista Bia Abramo, junto de Pappon, um dos nomes aos comandos da revista Bizz. Abramo acabou apresentando o músico à amiga Viviane Carneiro, com quem Cave manteve um longo relacionamento e teve o primeiro filho, Luke. Produto direto dessa breve passagem pelo país, além, claro, da necessidade do australiano em se livrar do vício em heroína, está em The Good Son (1990). Gravado durante a estadia do músico na cidade de São Paulo, o sucessor do maduro Tender Prey (1988) mostra o esforço de Cave em se reinventar dentro de estúdio, mergulhando na composição de baladas avassaladoras, sempre sensíveis. Com um pé no pop de câmara e outro no pós-punk inglês, o sexto álbum de Nick Cave and The Bad Seeds se espalha sem pressa, fazendo de cada composição um resultado grandioso. O resultado está na formação de músicas como Foi Na Cruz, composição que adapta trechos de um hino gospel da igreja protestante, a delicada faixa-título do disco, além de músicas como as delicadas The Weeping Song e The Ship Song, fragmentos da poesia confessional de Cave.

 

#06. No More Shall We Part
(2001, Mute)

Embora prolífico, Nick Cave levou quatro anos até apresentar ao público o sucessor do elogiado The Boatman’s Call (1997). Produzido em um intervalo de apenas um mês, No More Shall We Part (2001) traz de volta a mesma atmosfera sombria que sustenta obras como Your Funeral… My Trial (1986) e The Good Son (1990), fazendo de cada composição espalhada ao longo do disco um doloroso exercício confessional, tratamento evidente em músicas como Love Letter, Fifteen Feet of Pure White Snow e principalmente na atmosfera gótica de Oh My Lord, extensa composição que ainda se abre para participação da dupla canadense Kate & Anna McGarrigle. Mergulhado em citações religiosas, No More Shall We Part sustenta no minimalismo dos arranjos um componente precioso para o natural fortalecimento dos versos e, principalmente, da voz forte de Cave. Pianos, guitarras, batidas e arranjos de cordas que assentam lentamente, ao fundo do trabalho, fazendo de cada fragmento poético produzido para o registro um elemento grandioso, naturalmente próximo do ouvinte, vide composições delicadas como Hallelujah e As I Sat Sadly by Her Side.

 

#05. Abattoir Blues/The Lyre of Orpheus
(2004, Mute)

De todos os trabalhos produzidos por Nick Cave no começo dos anos 2000, Abattoir Blues/The Lyre of Orpheus talvez seja o mais completo e complexo. Fatiado em duas porções distintas, o registro concentra no primeiro bloco de canções a passagem para o lado mais raivoso da obra de Cave. Composições como Get Ready for Love, o soul-rock de Hiding All Away, além de outras como There She Goes, My Beautiful World e Let the Bells Ring que acabaram resgatando a essência de clássicos como Tender Prey (1988) e Henry’s Dream (1992). Na segunda porção do disco, a busca declarada de Cave por novas possibilidades. Para além do universo de ambientações góticas que marcam parte expressiva da carreira do australiano, The Lyre of Orpheus cresce na produção de faixas como o folk colorido de Breathless, ambientações acústicas, no melhor estilo Murder Ballads (1996) em Easy Money, flertes com a música gospel em Spell e O Children. Composições sempre detalhadas em uma estrutura crescente, lembrando parte da atmosfera explorada pelo músico no início dos anos 1990, com o lançamento de The Good Son. O álbum ainda renderia o ótimo The Abattoir Blues Tour (2007), intenso registro da turnê de divulgação do álbum.

 

#04. Skeleton Tree
(2016, Bad Seed Ltd.)

A dor sempre foi encarada como parte fundamental do trabalho de Nick Cave. Seja no romantismo amargo de Let Love In (1994), ou nos versos sangrentos que escorrem pelas canções de Murder Ballads (1996), basta um ouvido atento para perceber como o músico sempre dialogou de forma explícita com um universo de temas consumidos pela melancolia. Confissões, tormentos, medos e delírios que assumem um enquadramento ainda mais tocante em Skeleton Tree (2016). Mergulhado em temas que falam sobre a morte, separação, saudade, culpa e aceitação, o registro de oito faixas reflete com naturalidade a tristeza que tomou conta de Cave logo após o enterro do filho Arthur, de 15 anos, morto após a queda de um penhasco no meio das gravações do trabalho. Ainda que parte expressiva das composições tenha sido finalizada antes do incidente, ainda em estúdio, Cave decidiu alterar os versos de determinadas canções, reforçando o caráter melancólico que sustenta o trabalho desde a abertura, com Jesus Alone, até a derradeira faixa-título. Dentro desse turbilhão emocional nascem faixas como a sensível Rings of Saturn, reflexo das ambientações eletrônicas que sustentam o trabalho; Girl in Amber, escrita para a esposa do cantor, Susie Bick, além de Distant Sky, faixa que conta com a participação da soprano dinamarquesa Else Torp.

 

#03. Let Love In
(1994, Mute)

Em um intervalo de apenas uma década, Nick Cave foi de um mero personagem obscuro do pós-punk, com From Her to Eternity (1984), para um dos nomes mais inovadores da cena alternativa. Prova disso está em toda a sequência de obras que marcam a transformação do músico entre o final dos anos 1980 e o início da década seguinte – vide a produção de álbuns como Kicking Against the Pricks (1986), Tender Prey (1988) e The Good Son (1990). Oitavo registro de inéditas como parte do projeto Nick Cave and the Bad Seeds, Let Love In (1994) é onde todo esse material acumulado pelo artista durante dez anos alcança melhor resultado. Entre composições marcadas pela forte sensibilidade e profunda confissão detalhada nos versos – caso de Do You Love Me?, Loverman, Lay Me Low e I Let Love In –, Cave encolhe e cresce a todo instante, indo do completo romantismo ao desespero, raiva e melancolia em poucos  instantes, como uma passagem para o mesmo universo doloroso que viria a ser explorado pelo músico com maior naturalidade nos dois trabalhos seguintes, Murder Ballads (1996) e The Boatman’s Call (1997).

 

#02. Murder Ballads
(1996, Mute)

Trancado em estúdio durante dois anos, em 1996, Nick Cave veio a público com um de seus trabalhos mais complexos até então: Murder Ballads. Inspirado pelo mesmo romantismo escancarado que marca os versos do antecessor Let Love In (1994), o cantor e compositor australiano decidiu ir além, mergulhando na composição de histórias centradas em personagens reais, romances trágicos e crimes passionais. O resultado não poderia ser outro. Além do enorme sucesso comercial, o nono álbum de inéditas em parceria com os parceiros do Bad Seeds concentra algumas das composições mais conhecidas (e delicadas) de Cave. Estão lá faixas como Lovely Creature, Henry Lee, encontro musical com a então namorada PJ Harvey, a bem-sucedida Where the Wild Roses Grow, parceria com a conterrânea Kylie Minogue, além de Death Is Not the End, música originalmente composta por Bob Dylan, mas que brilha no coro de vozes femininas e participação do músico irlandês Shane MacGowan. Um doloroso catálogo de faixas refinadas pela poesia sensível de Cave, porém, completas pela inserção de fragmentos históricos, memórias e músicas extraídas do folclore de diferentes países.

 

#01. The Boatman’s Call
(1997, Mute / Reprise)

A dor se revela em cada fragmento de voz ou arranjo de The Boatman’s Call (1997). Está na melancólica, por vezes religiosa, confissão romântica que abre o disco em Into My Arms (“E não acredito na existência de anjos / Mas olhando para você, eu me pergunto se isso é verdade“), nos versos sufocados pela saudade da derradeira Green Eye (“Beije-me novamente, beije-me e beije-me / Deslize suas mãos frias por baixo da minha camisa“) e, principalmente, na base minimalista de guitarras e pianos atmosféricos que servem de alicerce para a base do disco, como uma fuga de possíveis excessos. Vindo em sequência aos bem-sucedidos Let Love In (1994) e Murder Ballads (1996), o décimo álbum de inéditas produzido por Nick Cave and The Bad Seeds não apenas preserva a essência musical do cantor e compositor australiano, como sutilmente amplia esse mesmo conceito doloroso, detalhando algumas das composições mais amargas já produzidas pelo músico. Inspirado pelos últimos relacionamentos de Cave, caso da brasileira Viviane Carneiro (em Where Do We Go Now But Nowhere?) e PJ Harvey (West Country Girl), The Boatman’s Call cresce como uma típica carta de separação, detalhando faixas que reforçam os principais questionamentos que invadem a vida de um indivíduo apaixonado, como em (Are You) The One That I’ve Been Waiting For?. Arranjos e versos que assentam lentamente, como uma propositada quebra do material que vinha sendo produzido pelo músico e seus parceiros de banda desde a estreia com From Her to Eternity (1984).

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.