Cozinhando Discografias: “The Cure”

/ Por: Cleber Facchi 27/10/2014

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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado muito mais democrático.

Formado em 1976 na cidade de Crawley, Inglaterra, o The Cure é uma das peças mais importantes do Rock britânico da década de 1980. Aos comandos de Robert Smith, vocalista, compositor e único membro original do projeto, a banda trouxe no uso de versos confessionais e arranjos sombrios a base para uma das discografias mais influentes de todo o período. Responsável por canções como Just Like Heaven, In Between Days e Close To Me, além de álbuns clássicos como Pornography (1982) e Disintegration (1989), o grupo é o novo escolhido da seção Cozinhando Discografias, tendo cada um dos trabalhos em estúdio organizados do pior para o melhor lançamento.

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#13. Wild Mood Swings
(1996, Fiction)

Ainda que o The Cure tenha experimentado longos períodos de instabilidade ao longo da carreira, poucos são tão perceptíveis quanto em Wild Mood Swings. Primeiro trabalho da banda depois de um hiato de quatro anos, o sucessor de Wish (1992) é uma tentativa de Robert Smith e seus novos parceiros de banda em adaptar conceitos do pós-punk ao rock alternativo que predominava na cena musical da época. Recebido com frieza pelo público e crítica, o registro de 14 faixas tremula entre composições típicas da banda nos anos 1980 (Want, Trap) e peças completamente descartáveis (The 13th, Strange Attraction). A julgar pela coleção de ritmos, uso exagerado de metais, percussão e flertes explícitos com a música pop, grande parte do material pensado para o trabalho se assemelha ao resultado exposto em The Top, de 1984. Pequenos gracejos melódicos, como em Mint Car e Gone! que parecem adaptar (ou emular) o trabalho da banda para o grande público. Irregular, Wild Mood Swings é o último suspiro do grupo nos anos 1990 e uma espécie de rascunho antes da boa sequência  de obras lançadas na década seguinte.

#12. The Top
(1984, Fiction)

De todos os disco lançados pelo The Cure na década de 1980, The Top talvez seja o mais “estranho” e musicalmente instável. Sequência ao elogiado Pornography (1982), o registro apresentado em abril de 1984 é muito mais um trabalho solo do líder Robert Smith do que um novo disco da banda propriamente dito. Em uma tentativa de ocupar o espaço deixado pelo ex-colaborador Simon Gallup, Smith assume a gravação de grande parte dos instrumentos, tornando o ambiente musical da obra um espaço voltado em essência ao experimento. Além da inclusão de arranjos acústicos (Piggy In The Mirror), melodias pop (Dressing Up) e bases psicodélicas que incorporam temas da World Music (Wailing Wall), grande parte dos versos atentam para a loucura temporária de Smith, confortável em um cenário de ideias desvendadas apenas por ele. Com exceção de faixas como The Caterpillar e Shake Dog Shake, poucas composições do disco foram comercialmente bem recebidas pelo público, fazendo de The Top um trabalho quase esquecido dentro do rico acervo da banda. Uma curva rápida antes da assertiva chegada de The Head on the Door, logo em 1985.

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#11. 4:13 Dream
(2008, Geffen)

A jovialidade explosta pelo The Cure no disco homônimo de 2004 serve de base para a construção de 4:13 Dream. Mesmo inaugurado de forma dramática pela extensa Underneath the Stars, grande parte do trabalho se sustenta em meio a vocalizações dinâmicas de Robert Smith, acompanhado de perto por um acervo de guitarras sujas e batidas limpas, sempre pontuais. Inicialmente concebido como um disco duplo – 33 composições foram desenvolvidas para o disco -, o trabalho registrado ao longo de dois anos foi lentamente reduzido em estúdio, mantendo a coerência explícita em sua edição final. Com um cardápio de faixas comerciais – caso de Freakshow e The Perfect Boy – e elementos que remetem à boa fase da banda, 4:13 Dream talvez seja o exemplar mais “nostálgico” do grupo desde Disintegration (1989). De fato, grande parte das canções trabalhadas ao longo do disco foram concebidas ainda nos anos 1980, como Sleep When I’m Dead, composta durante a produção de The Head on the Door (1985). Entretanto, a aproximação com o passado não faz do disco uma obra datada, pelo contrário, é nítida a capacidade da banda em solucionar uma obra tão íntima dos anos 1980, quanto de 2008, ano em que o álbum foi lançado.

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#10. The Cure
(2004, I AM, Geffen)

Poucos trablhos do The Cure são tão intensos quanto o homônimo álbum de 2004. Enérgico da inaugural Lost até a chegada da derradeira The Promise, o 12º disco de estúdio do grupo britânico cresce em uma sequência de guitarras aceleradas (alt.end), vocais berrados (Labyrinth) e versos tão poderosos (Us or Them) quanto a fase mais inventiva da banda, na segunda metade dos anos 1980. Trata-se de uma obra tomada pela jovialidade dos arranjos e temas confessionais, resposta ao som brando que Robert Smith havia solucionado quatro anos antes em Bloodflowers (2000). Verdadeira colcha de retalhos sentimentais, a obra autointitulada é a casa de algumas das faixas mais dolorosas do compositor desde a maturidade conquistada em Disintegration (1989), material explícito em The End of the World e Fake. Desenvolvido ao longo de um ano em estúdio e contando com diferentes versões para cada continente, o álbum concentra mais de 50 minutos em que ruídos, batidas densas uma série de interferências musicais exploradas em sentido de urgência, como se o instável Robert Smith estivesse próximo de um colapso.

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#09. Bloodflowers
(2000, Fiction)

A julgar pelo desempenho pouco expressivo do The Cure na década de 1990, parecia cada vez menos provável que o grupo britânico fosse capaz de alcançar o mesmo resultado dos trabalhos lançados na década de 1980. Contudo, ao lançar Bloodflowers em fevereiro de 2000, Robert Smith não apenas marcou a entrada definitiva da banda nos anos 2000, como transformou o álbum em uma espécie de regresso aos bons anos em estúdio. Guitarras lentas, sintetizadores climáticos e a voz amarga do vocalista; elementos típicos de obras como Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me (1987) e Disintegration (1989), porém, adaptados de forma ruidosa, ainda mais densa e confessional, transportando o grupo para o presente. Ocupado por faixas extensas como Watching Me Fall e The Last Day of Summer, o álbum cresce em uma medida de tempo própria, arrastando o ouvinte para dentro do novo ambiente desvendado por Smith. Trata-se de uma obra propositadamente lenta e hipnótica quando observamos de forma atenta a projeção das guitarras. Uma constante sensação de que todos os sentimentos acumulados durante os quatro anos de hiato do grupo fossem finalmente expostos.

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#08. Three Imaginary Boys
(1979, Fiction)

O jogo rápido das guitarras, a precisão dos vocais e a atmosfera sombria de Three Imaginary Boys refletem a segurança do The Cure logo no primeiro álbum de estúdio. Típico exemplar do Pós-Punk inglês – naquele ano acompanhado de Unknown Pleasures do Joy Division e Entertainment! do Gang Of Four -, o álbum pode até ecoar coerência, porém, está longe de refletir a real identidade da banda. Sem experiência em estúdio, Robert Smith, Michael Dempsey e Lol Tolhurst deixaram o trabalho nas mãos dos produtores Chris Parry e Mike Hedges, resultado que desagradou Smith. Mesmo aos comandos da gravadora – que decidiu tanto a ordem das faixas como a capa do trabalho -, a obra surge carregada de boas composições. Músicas acessíveis como Fire in Cairo ou mesmo canções amargas aos moldes de Object, instantes que parecem antecipar grande parte da estrutura incorporada pelo grupo nos próximos lançamentos. Com diferentes versões, o trabalho seria lançado nos Estados Unidos em uma espécie de coletânea, concentrando desde faixas originais, como os singles Boys Don’t Cry e Killing an Arab.

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#07. Wish
(1992, Fiction)

O péssimo desempenho do The Cure em Wild Mood Swings (1996) por vezes torna “esquecível” toda a atuação do grupo na década de 1990. Quase abandonado dentro da discografia da banda, Wish, de 1992, é uma obra que reforça a maturidade e completo domínio de estúdio alcançado por Robert Smith ainda na década de 1980. Lançado sob forte expectativa, o sucessor de Disintegration pode não repetir as mesmas imposições orquestrais do álbum de 1989, entretanto, em nada deve ao rico acervo previamente reforçado pelo grupo. Entre faixas extensas (From the Edge of the Deep Green Sea) e instantes de pura leveza (Wendy Time), o álbum é um passeio pelos sentimentos mais honestos do compositor, vide o resultado exposto em Apart. Casa de algumas das composições mais conhecidas do grupo – como High e Friday I’m in Love -, além de esbanjar canções sufocadas pela melancolia de Smith – vide A Letter to Elise e Trust -, Wish se mantém como o último suspiro criativo do grupo até o retorno com Bloodflowers, em 2000. Com um pouco de atraso, a década de 1980 parece acabar neste disco.

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#06. Seventeen Seconds
(1980, Fiction)

Poucos meses após o lançamento de Three Imaginary Boys (1979), Seventeen Seconds já apresentava ao público uma banda completamente transformada. As guitarras rápidas e vozes urgentes antes testadas pelo The Cure, agora abrem passagem para que arranjos climáticos e versos tomados por referências sombrias acompanhem o ouvinte durante toda a execução da obra. Faixas como In Your House e Secrets que transformam a angústia do vocalista em um mecanismo de aproximação do grande público, cada vez mais distante da verve pop instalada em Boys Don’t Cry. Primeiro trabalho da banda com o baixista Simon Gallup, Seventeen Seconds é a base de toda a discografia do grupo no restante da década. Pouco mais de 35 minutos de batidas lentas, sintetizadores controlados e a guitarra certeira de Smith – presente em cada instante da obra. Mesmo gravado às pressas e contando com um orçamento limitado, o álbum não tropeça em nenhum momento, funcionando como um alicerce seguro para o material testado nos sucessores Faith (1981) e Pornography (1982). Junto de In the Flat Field do Bauhaus e Closer do Joy Division, um dos primeiros exemplares da música gótica.

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#05. Faith
(1981, Fiction)

Sequência natural ao antecessor Seventeen Seconds, Faith é a passagem segura para a fase adulta do The Cure. Com faixas concebidas inteiramente em estúdio, o trabalho desenvolvido logo após a turnê do álbum de 1980 é uma expansão dos temas sombrios previamente sustentados por Smith. Entre referências literárias e versos tomados pelo sentimentalismo, o disco se perde em uma nuvem de sons acinzentados, por vezes psicodélicos, como se a banda se concentrasse em ocultar as próprias composições. Ainda que hermético em se tratando dos primeiros trabalhos do grupo, Primary e Other Voices, típicas representantes do lado “pop” da banda, compromisso sufocado a partir de músicas como All Cats Are Gray e The Funeral Party, as principais composições do disco. Grande responsável pela movimentação instrumental da obra, Simon Gallup espalha algumas das linhas de baixo mais expressivas de todo a década, abrindo passagem para que a voz amarga do vocalista deslize com suavidade pela obra. Misteriosa, a capa do disco é uma imagem do monastério de Bolton Abbey encoberto pela névoa, representação perfeita da sonoridade explorada ao longo do disco.

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#04. The Head on the Door
(1985, Fiction)

Melodias radiantes, versos acessíveis e a voz dramática de Robert Smith – confessional e livre em cada porção do registro. Ainda que o The Cure tivesse flertado com o grande público em composições isoladas ao longo dos anos, poucas vezes antes o grupo britânico pareceu tão confortável quanto em The Head on the Door (1985). Inaugurado pela energia romântica de In Between Days, o álbum cresce em uma coleção de arranjos tocados pelo pop (Push), vocalizações límpidas (The Baby Screams) e a capacidade do próprio vocalista em se converter no principal componente lírico da obra, evidencia declarada no movimento sutil de cada verso do trabalho. Morada de algumas das canções mais lembradas e, na época, bem recebidas pelo público – caso da intensa faixa de abertura, A Night Like This e Close To Me -, o sexto álbum de estúdio foi o primeiro registro de sucesso internacional do The Cure. Com boas vendas e composições posicionadas com destaque em diferentes paradas ao redor do globo, Smith não apenas conseguiu ocultar o próprio desequilíbrio no trabalho anterior, o instável The Top (1984), como ainda preparou o terreno para a sequência de obras mais importantes de toda a discografia do grupo.

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#03. Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me
(1987, Fiction)

Em Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me (1987), sétimo álbum de estúdio do The Cure, a depressão explícita em Pornography (1982) esbarra no brilho pop de The Head on the Door (1985). Equilibrado, Robert Smith convida o produtor David M. Allen para finalizar um registro tão íntimo do grande público, quanto voltado ao experimento da própria banda. Duplo, o disco de 18 faixas é uma obra imensa e carregado de possibilidades que se cruzam a cada nova peça do álbum. Temas radiofônicos em Just Like Heaven e Why Can’t I Be You?, bases espaçadas em The Kiss e Torture, além dos tradicionais arranjos “étnicos” dissolvidos em toda a obra. Uma coleção versátil e ainda assim coesa de referências orquestradas pelos sentimentos mais delicados do vocalista. Antecipando parte dos movimentos climáticos que seriam explorados em Disintegration (1989) – vide If Only Tonight We Could Sleep -, Smith transforma cada bloco do registro em um objeto de nítida atenção para o ouvinte. Diálogos com o funk em Hot Hot Hot!!!, uma balada tímida em A Thousand Hours e o romantismo acelerado do músico na enérgica Shiver and Shake. Uma espécie de resumo da primeira década de vida do grupo britânico e ao mesmo tempo uma apresentação do que seria incorporado em breve. Na dúvida, comece por este disco.

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#02. Pornography
(1982, Fiction)

A julgar pelo som incorporado em Seventeen Seconds (1980) e Faith (1981), a expectativa para o quarto álbum de estúdio do The Cure era a de canções ainda mais climáticas e liricamente densas. Ainda que a proposta se repita no interior de Pornography, o material explorado pela banda ao longo de todo o registro parece assumir novo significado. Consumido pela depressão, lisergia e um confesso descontentamento com a própria música, Robert Smith transforma a raiva em um estímulo para todo o arsenal de canções do disco, delineando uma massa de versos agressivos, movidos em essência pela crítica ao próprio ser humano. Partindo do arsenal de ruídos, sombras e vocais ásperos apresentados na inaugural One Hundred Years, o disco segue em uma espiral de composições pessimistas; uma representação sensível de Smith, transformando a própria motivação suicida no componente central do registro. Convidado para a produção do álbum, Phil Thornalley isola com assertiva limpidez a voz de cantor, encontrando nas guitarras, baixo e bateria cíclica uma ferramenta de aproximação entre as faixas. Encerramento da trilogia iniciada no álbum de 1980, Pornography é o último suspiro gótico do The Cure antes da comunicação do Pop iniciada em The Top.

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#01. Disintegration
(1989, Fiction)

O material abrangente explorado em Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me parecia aproximar o The Cure de um cenário de incertezas. Qual seria a direção de Robert Smith depois de explorar músicas tão díspares e comercialmente melódicas como aquelas incorporadas no disco de 1987? Regresso aos primeiros anos de estúdio, porém, orquestrado a partir de arranjos essencialmente detalhistas e maduros, Disintegration flutua em um ambiente tão fantástico quanto melancólico. Resgatando as mesmas experiências antes expostas em peças como Pornography (1982), o álbum que encerra o trabalho da banda na década de 1980 mais uma vez conforta o ouvinte em um plano de sentimentos divididos.

De um lado, faixas românticas como Lovesong, homenagem de Smith à esposa Mary Poole; no outro, composições dramáticas e melancólicas aos moldes de Prayers for Rain. Fragmentos dicotômicos dos sentimentos perturbados que invadiam a mente do vocalista naquele momento. Nascido da coleção de sintetizadores, guitarras carregadas de efeitos e arranjos trabalhados de forma aproximada, Smith e o produtor David M. Allen – também responsável pelo disco anterior -, manipulam o registro em um espaço autoral, como se a abertura mística detalhada nas harmonias e sinos de Plainsong servisse de passagem natural para o ambiente ampliado, ainda que hermético do disco. Uma travessia mágica e ao mesmo tempo conturbada pela mente de Smith.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.