Cozinhando Discografias: The Velvet Underground

/ Por: Cleber Facchi 28/10/2013

The Velvet Underground

.

A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.

Joy Division, Sonic Youth, Television e The Strokes. O que essas bandas têm em comum? Todas são – de uma forma ou outra – herdeiras da essência deixada pelo The Velvet Underground. Projeto nova-iorquino formado em 1964 por Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Angus MacLise, a banda estadunidense precisou de poucos anos para construir um dos repertórios mais vastos e influentes de toda a produção musical da época – muito embora esse reconhecimento só viesse de fato anos mais tarde. Antecipando elementos do Punk, Rock Alternativo, Shoegaze, Noise, Drone e Dream Pop, o grupo norte-americano (e suas diferentes formações) surgiu oficialmente para o público em 1967, com o álbum The Velvet Underground & Nico, parceria entre a banda, o artista plástico Andy Warhol e a cantora alemã Nico. Entretanto, é para além do icônico registro que o grupo teve cada um dos cinco registros em estúdio analisados em mais um Cozinhando Discografias.

.

Squeeze

#05. Squeeze
(1973, Polydor)

Ainda que carregue o título do The Velvet Underground, Squeeze, disco lançado em 1973, é uma obra gravada e produzida sem a presença de nenhum dos membros originais da banda. Comandado pelo multi-instrumentista Doug Yule, responsável pelas vozes, versos e instrumentos que definem toda a extensão do registro, o álbum talvez seja um dos maiores fracassos da história da música. Fruto explícito da atuação da Polydor em garantir alguns trocados em cima do nome da banda, o trabalho se arrasta em uma sequência de canções que soam como tudo, menos com a proposta da extinta banda nova-iorquina. São faixas que se apoiam no mesmo cenário adocicado e íntimo da música pop exposto pela banda depois da saída de John Cale, porém, em um sentido completamente opositivo em termos de inventividade e boas letras. Uma repetição morna de ideias que reforçam a completa inconsistência do álbum. Na dúvida, fique com Berlin, de Lou Reed, e Paris 1919, de John Cale, ambos trabalhos lançados em 1973 e obras naturalmente superiores a qualquer canção encontrada no desnecessário álbum.

.

Loaded

#04. Loaded
(1970, Cotillion)

Depois do debut, de 1967, Loaded talvez seja o maior catálogo de composições conhecidas do grupo nova-iorquino. Seguindo o mesmo princípio abrandado exposto no disco anterior – resultado da saída de John Cale -, o álbum assume um completo distanciamento das canções reforçadas de forma ruidosa em White Light/White Heat, ambientando a poesia de Lou Reed em um cenário de sons quase aconchegantes, típicos da música pop. Estão lá músicas como Who Loves the Sun, Sweet Jane e I Found A Reason, faixas essenciais para a popularização do grupo e sua consequente (re)descoberta anos mais tarde. Ainda que ponderado instrumentalmente, o disco de forma alguma conforta Reed, que mantém firme o manuseio de versos alimentados por personagens típicos do submundo nova-iorquino, video a sombria Lonesome Cowboy Bill. Musicalmente bem delineado, ainda que tímido em alguns aspectos, o registro seria o último trabalho do grupo com a presença de Reed, que deixaria a banda no mesmo ano para seguir em carreira solo.

.

The Velvet Underground

#03. The Velvet Underground
(1969, MGM)

Se levarmos em conta a agressividade imposta no debut lançado em 1967 e a completa reformulação dos sons apresentada em White Light/White Heat (1968), com o terceiro registro em estúdio, o The Velvet Underground parecia buscar por um efeito natural de oposição. Musicalmente controlado e livre das experimentações, o disco abre de forma evidente um espaço autoral para a poesia de Lou Reed – agora desacompanhado de John Cale. Cada vez mais influenciado pelas drogas, o músico atravessa grande parte do disco em uma descrição melancólica sobre o próprio cenário que o cerca. Seja ao assinar confissões, em Pale Blue Eyes, ou tingir com ironia os versos de Jesus, a cada passo dado pela obra, Reed se converte em matéria-prima para as composições. Melódico, o disco parece crescer dentro do mesmo universo sombrio representado com acerto pela capa do álbum, com todos os sons sendo confortavelmente instalados em um estágio de proximidade. Mesmo a boa forma e os novos rumos não conseguiram atrair a atenção do público, muito mais interessado no peso do novo rock que aflorava naquele momento.

.

The velvet Underground

#02. White Light/White Heat
(1968, Verve)

Se a estreia do The Velvet Underground conseguiu deixar muita gente confusa – não foram poucos os que devolveram o álbum para as lojas -, em White Light/White Heat, de 1968, o grupo nova-iorquino conseguiu estabelecer um efeito ainda maior de desordem. Livres de Andy Warhol e da cantora alemã Nico, o quarteto remanescente escolheu se aprofundar no uso dos ruídos e de composições liricamente marcadas pela estranheza. Orquestrado do princípio ao fim pelas guitarras tortas de John Cale e a poesia suja de Reed, o álbum se divide naturalmente em dois blocos, como se sons e versos fossem pensados separadamente e depois alinhados. Melhor exemplo disso está na extensa The Gift, música que destaca a atuação da dupla isoladamente. Enquanto Cale brinca com o Protopunk e a música de vanguarda em um oceano imenso de ruídos, Reed discorre sobre sexo, drogas e personagens típicos de Nova York, como o curioso caso do travesti que sofreu uma lobotomia em Lady Godiva’s Operation. Fundamental para o nascimento de grupos como Sonic Youth e tantos outros projetos típicos da década de 1980, White Light/White Heat mantém ainda hoje o mesmo extinto desafiador que o apresentou há mais de quatro décadas.

.

The Velvet Underground & Nico

#01. The Velvet Underground & Nico
(1967, Verve)

Facilmente um dos registros mais influentes e provocativos da história da música, a estreia do The Velvet Underground ainda hoje reverbera no trabalho de uma centena de novas bandas. Base para aquilo Joy Division, Television, The Strokes e centenas de outros artistas trouxeram em suas próprias obras, o álbum faz do encontro entre a poesia de Lou Reed e a instrumentação experimental de John Cale um alimento para a construção de cada etapa do álbum. Enquanto Reed descreve passagens carregadas de erotismo (Venus In Furs) e abusos com as drogas (I’m Waiting for the Man e Heroin), além de referências declaradas à cidade de Nova York, Cale vai de encontro aos ruídos e métricas instrumentais próprias, fazendo do registro um princípio para aquilo que a banda ou mesmo outros artistas viriam a aprimorar posteriormente.

Conceitualmente orientado por Andy Warhol – que assina parte da direção artística da obra, bem como a icônica capa do registro -, o álbum traz na presença da cantora alemã Nico um complemento natural ao disco. Longe de parecer um mero tempero, é parte dela a construção do efeito dinâmico que banha o disco, como se os vocais fracionados entre a convidada e Reed fossem uma representação das inúmeras personagens que habitam Nova York ou qualquer outro grande centro urbano. Fracasso de venda e crítica na época de seu lançamento, o álbum levaria décadas até ser descoberto pelo público e definido com unanimidade como um dos registros mais importantes do século XX.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.