Image
Crítica

Bobby Gillespie / Jehnny Beth

: "Utopian Ashes"

Ano: 2021

Selo: Third Man Records

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Primal Scream e Savages

Ouça: Chase It Down e Living A Lie

7.5
7.5

Bobby Gillespie & Jehnny Beth: “Utopian Ashes”

Ano: 2021

Selo: Third Man Records

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Primal Scream e Savages

Ouça: Chase It Down e Living A Lie

/ Por: Cleber Facchi 29/07/2021

De Gram Parsons e Emmylou Harris a Marvin Gaye e Tammi Terrell, a história da música está repleta de grandes encontros e obras colaborativas centradas nos sentimentos mais profundos de seus realizadores. São declarações de amor, momentos de maior vulnerabilidade, entrega e doce melancolia, proposta que transcende o tempo e se reflete em uma série de registros ainda recentes, como a inusitada colaboração entre Tony Bennett e Lady Gaga, em Cheek to Cheek (2014). Porém, mesmo nesse cenário onde muito já foi testado dentro de estúdio, poucos se atreveram a explorar temas espinhosos como traição, ruptura e divórcio com a mesma sensibilidade e entrega explícita em outros exemplares do gênero, em geral, consumidos pelo romantismo e poesia apaixonada.

Vem justamente do desejo em perverter parte desses conceitos que Bobby Gillespie, grande idealizador do Primal Scream, e Jehnny Beth, vocalista e líder do Savages, deram vida ao melancólico Utopian Ashes (2021, Third Man Records). Como o título do trabalho logo aponta – em português, “cinzas utópicas” –, trata-se de um registro conceitual em que a dupla interpreta um casal em pleno processo de divórcio. O resultado desse exercício, que incorpora experiências vividas pelos dois artistas, recém-divorciados de seus respectivos parceiros, está na entrega de um material doloroso e essencialmente expositivo. É como se Gillespie e Beth transportassem para dentro de estúdio tudo aquilo que sentiram nos últimos anos, rompendo lentamente com o caráter ficcional da obra.

Eu não sei onde você estava / Ou com quem você estava / Você se pergunta por que não faço mais sexo com você? / Bem, sem confiança, como pode haver amor?“, questiona Beth, em Living A Lie, música que sintetiza parte das experiências detalhadas pelo casal ao longo da obra. São versos sempre confessionais, por vezes dotados de uma crueza particular, porém, nunca melodramáticos. É como se a dupla alcançasse um permanente ponto de equilíbrio e sobriedade. Instantes em que Gillespie e Beth aceitam e refletem sobre a inevitabilidade do fim e o desgaste das próprias relações, mesmo resgatando fragmentos sentimentais de um passado cada vez mais distante, conceito bastante evidente em Remember We Were Lovers. “Lembra que éramos amantes? / Parece muito tempo atrás / Agora o amor é apenas uma memória / Fotografias antigas mostrarão“, detalha.

Interessante notar que mesmo imerso em uma temática bastante particular, Utopian Ashes está longe de parecer um registro monotemático. Parte desse resultado vem da escolha de Gillespie e Beth em transitar por entre ritmos durante toda a execução do trabalho. E isso fica bastante evidente na sequência de abertura do álbum. Enquanto Chase It Down aponta diretamente para o soul dos anos 1970, conceito reforçado pela guitarra funkeada e cordas que esbarram na música disco, minutos à frente, em English Town, a dupla confessa sentimentos em meio a pianos entristecidos que evocam a mesma atmosfera soturna das canções de Tom Waits. Nada que sobreviva ao som empoeirado de Remember We Were Lovers, composição que vai de encontro ao cancioneiro norte-americano.

Claro que esse caráter versátil em nenhum momento contribui para a formação de um repertório esquizofrênico. Da mesma forma que os versos alcançam um precioso ponto de equilíbrio, alternando entre momentos de maior angústia e letras contemplativas, a dupla investe na formação de um material conceitualmente amplo e restritivo na mesma proporção. É como se os dois artistas fossem de encontro aos mesmos temas incorporados pelo Primal Scream em Give Out But Don’t Give Up (1994), porém, livre da urgência que parecia orientar as criações do grupo na época em que o registro foi lançado. Um misto de soul, rock e country que ainda se completa pela atmosfera sufocante que marcam o primeiro álbum de Beth em carreira solo, o ainda recente To Love Is To Live (2020). 

Com base nessa estrutura, Utopian Ashes nasce como uma obra talvez previsível para quem há tempos acompanha o trabalho de cada colaborador em seus respectivos projetos autorais, porém, consistente. Do tratamento dado aos arranjos ao uso das vozes, Gillespie e Beth sabem exatamente que direção seguir dentro de estúdio, manipulando a experiência do público em meio a faixas que encolhem e crescem a todo instante. É como se o casal nunca fosse além de um limite conceitual, lírico e estético que parece bem resolvido logo nos primeiros minutos do álbum, mas que acaba se refletindo até a derradeira Sunk in Reverie. Um exercício autobiográfico travestido de ficção, proposta que estreita a relação com o ouvinte mesmo nos momentos de maior comodidade do registro.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.