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Crítica

Bruna Mendez

: "Corpo Possível"

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Indie Pop, R&B, Soul

Para quem gosta de: Tuyo e Josyara

Ouça: Bem, Licença e Corpo Miragem

8.3
8.3

Bruna Mendez: “Corpo Possível”

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Indie Pop, R&B, Soul

Para quem gosta de: Tuyo e Josyara

Ouça: Bem, Licença e Corpo Miragem

/ Por: Cleber Facchi 24/10/2019

Boca, mãos, olhos, dedos e o arrepio leve causado pelo toque na pele. Em Corpo Possível (2019, Independente), segundo e mais recente álbum de estúdio da cantora e compositora Bruna Mendez, o corpo se transforma em um território misterioso, feito para ser explorado. Obra de sensações, como tudo aquilo que artista goiana vem produzindo desde a estreia com O Mesmo Mar que Nega a Terra Cede à sua Calma (2015), o trabalho essência minimalista encontra na versatilidade da voz um estímulo natural para a composição dos versos e todo o conjunto de experiências a serem compartilhadas com o ouvinte. Um lento desvendar de ideias e sentimentos, como a passagem para um ambiente dominado em totalidade pela própria artista.

Misto de sequência e lenta desconstrução do material entregue no disco anterior, Corpo Possível encontra no uso de elementos do R&B o princípio de um novo direcionamento estético. São fragmentos de vozes, retalhos instrumentais e a fina sobreposição das batidas, como se cada elemento exercesse uma função específica para o crescimento da obra. Parte dessa mudança de direção vem da forte interferência do co-produtor do trabalho, Gianlucca Azevedo, além, claro, de membros da Tuyo, principalmente Lilian Soares e Machado, que parecem transportar para dentro do álbum parte da atmosfera detalhada no agridoce Pra Curar (2018).

Perfeita representação desse resultado ecoa com naturalidade logo nos primeiros minutos do disco, na introdutória Avisa. Da construção das batidas ao uso atmosférico da voz, tudo se revela ao público em pequenas doses, sem pressa, como se Mendez e os parceiros de banda preparassem o terreno para o material que ganha forma no restante da obra. “Sou feito rio / Me guardando nesse mar / No risco de outro corpo / Me salvo“, confessa. São versos curtos, sempre intimistas, como uma tentativa da artista em utilizar de relacionamentos fracassados e instantes de profunda entrega sentimental como um estímulo para a composição das letras.

Exemplo disso está no misto de dor e libertação que toma conta de Bem, terceira faixa do disco. “Sei que a gente esperou tudo ruir / Tudo bem / Foi bonito de ver / Você vestida assim / Pronta pra felicidade / Feita de felicidade“, canta enquanto sintetizadores e batidas econômicas correm a fundo da canção. Mais à frente, em Licença, a mesma dualidade. Versos consumidos pelo medo e desejo de se entregar a um novo amor, conceito que orienta parte expressiva da obra. “Eu até pensei em cair praí / Quero mesmo me jogar / No seu corpo sem pedir / Licença pra entrar na sua vida“, canta. São melodias e vozes trabalhadas em uma medida própria de tempo, estrutura que faz lembrar de nomes como The xx e outros representantes recentes do mesmo pop minimalista.

Se por um lado essa economia na composição dos elementos garante ao público uma obra concisa, por outro, não há como ignorar o forte aspecto monotemático que orienta o trabalho. Tudo gira em torno de um limitado conjunto de experiências sentimentais. Instantes de evidente entrega e profundo desgaste emocional, como uma parcial simplificação do repertório apresentado em O Mesmo Mar que Nega a Terra Cede à sua Calma. Entretanto, mesmo nesse ambiente contido, por vezes previsível, sobrevive no uso metafórico das letras um importante componente de transformação. São corpos metamorfoseados em elementos da natureza, sentimentos tratados de forma física e a constante tentativa de encontrar beleza no que há de mais mundano, como se tudo fosse regido em um domínio íntimo de Mendez. “Meu corpo te quer mais / E quer mais / Te atravessar / Nesse chão, sob o Sol“, confessa em Corpo Miragem, preciosa síntese do lirismo que serve de sustento ao disco.

E não poderia ser diferente. Do uso instrumental da voz à evidente vulnerabilidade na composição dos versos, cada fragmento do disco nasce como um produto das memórias, conflitos e experiências pessoais vividas pela cantora e compositora goiana desde o lançamento do álbum anterior. Mesmo a base instrumental da obra cresce como uma interpretação madura do material lançado há poucos meses, durante a produção da colaborativa Nosotros, bem sucedido encontro com os integrantes da Tuyo. Instantes em que Mendez desaba, se entrega emocionalmente e estreita a relação com o ouvinte a partir das próprias interpretações sobre amor.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.