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Crítica

Giovani Cidreira

: "Nebulosa Baby"

Ano: 2021

Selo: Risco

Gênero: Indie, R&B, MPB

Para quem gosta de: Jadsa, Boogarins e Josyara

Ouça: Nebulosa, Entrelaçados e Pode Me Odiar

8.5
8.5

Giovani Cidreira: “Nebulosa Baby”

Ano: 2021

Selo: Risco

Gênero: Indie, R&B, MPB

Para quem gosta de: Jadsa, Boogarins e Josyara

Ouça: Nebulosa, Entrelaçados e Pode Me Odiar

/ Por: Cleber Facchi 02/08/2021

Terceiro e mais recente álbum de estúdio de Giovani Cidreira, Nebulosa Baby (2021, Risco) é uma obra viva. Produto de um lento processo de transformação que teve início há dois anos, durante a entrega do experimental Mix$take (2019), trabalho assinado em parceria com Benke Ferraz, da Boogarins, o registro marcado pela colorida sobreposição dos elementos, vozes e formas instrumentais estabelece na celebração ao povo preto, debates sobre racismo e solidão da população negra uma delicada base conceitual que possibilita a aproximação entre as faixas. São ideias que pervertem a linearidade explícita durante a produção de Japanese Food (2017), de onde vieram músicas como Última Vida Submarina e Crimes da Terra, porém, consistentes, como se tudo orbitasse um universo particular regido em essência pelos sentimentos, medos e inquietações do cantor e compositor baiano.

E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos da obra, na introdutória Daqui Pra Frente. Espécie de texto manifesto assumido por Jup do Bairro, a canção se aprofunda em temas como a necessidade de ocupar espaços historicamente dominados pelas elites brancas e novas perspectivas de futuro para a população negra. “Não sei o que vai ser daqui pra frente, mas eu tô escrevendo essa história“, detalha enquanto o saxofone de Cuca Ferreira se revela aos poucos, sem pressa, lembrando a atmosfera de Negro Swan (2018), de Blood Orange, registro que aporta em temas bastante similares. Uma vez imerso nesse cenário, Cidreira transita por entre ritmos e formas pouco usuais, estreitando a relação com um time seleto de colaboradores vindos dos mais variados campos da música.

Exemplo disso acontece em Nebulosa. Completa pela participação de Jadsa e Obinrin Trio, a canção de essência melancólica parte de uma base atmosférica, por vezes íntima das criações de Milton Nascimento, porém, acaba mergulhando em um labirinto de abstrações sintéticas e batidas tortas, conceito que naturalmente aponta para as criações de Frank Ocean. Vem justamente da forte relação com a obra do artista norte-americano a base para algumas das principais músicas do disco. É o caso de Oceano Franco, canção que adapta elementos de Nikes, do álbum Blonde (2016), e Pode Me Odiar, originalmente apresentada em Mix$take, mas que ganha novo tratamento nas vozes e interferência direta da cantora e compositora Alice Caymmi, com quem divide parte dos versos.

Nesse sentido, Nebulosa Baby nasce como uma combinação de elementos e sobreposições estéticas que definem a identidade plural de Cidreira. Uma verdadeiro turbilhão instrumental e poético que muda de direção a todo instante, tornando a experiência de ouvir o trabalho sempre imprevisível. Perfeita representação desse resultado acontece na colaborativa Entrelaçados. Partindo de uma base de pianos que se completa pela bateria cíclica de Ynaiã Benthroldo, a canção encolhe e cresce a todo instante, proposta que ganha ainda mais destaque pelas vozes complementares de Luiza Lian e Dinho Almeida. “A flor do desejo me faz chorar o que perdi / A força do vento me faz buscar o que pedi“, cresce a letra que se espalha em meio a ruídos, ondulações e atravessamentos delirantes.

Com base nessa estrutura, mesmo faixas já conhecidas, como Oceano Franco e Pode Me Odiar, ganham novo significado dentro do disco. É como se o músico resgatasse uma série de elementos que têm sido explorados desde o homônimo registro de estreia, porém, incorporando novas direções criativas e possibilidades que extrapolam os limites do trabalho. E isso fica bastante evidente em Joias, composição que parte do debate racial proposto ao longo da obra – “Joias no meu corpo / Pedras no meu corpo / Ouro pro meu povo todo” –, mas que a todo momento resgata componentes rítmicos e estéticos originalmente testados em Mano*Mago (2020), parceria com Mahal Pita. A própria Josyara, com quem Cidreira colaborou em Estreite (2020), lançado no último ano, aparece em Saudade de Josy, precioso desdobramento de Saudade de Casa, apresentada minutos antes.

Mesmo consumido pelo excessivo hermetismo dos versos e desenho torto dado aos arranjos, Nebulosa Baby reflete o caráter camaleônico de Cidreira e capacidade do artista em transitar por entre estilos sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma obra confusa. Mais uma vez acompanhado de Benke Ferraz, co-produtor do disco, o cantor parece jogar com os instantes, fazendo de cada composição um curioso objeto de estudo. São fragmentos sentimentais e poéticos que se espalham em meio a camadas de sintetizadores, batidas e ambientações irregulares, como um espaço aberto às possibilidades e permanente diálogo com diferentes colaboradores, proposta que tinge com curiosidade e euforia a experiência do ouvinte até o último segundo do trabalho.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.