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Crítica

Jair Naves

: "Ofuscante a Beleza Que Eu Vejo"

Ano: 2022

Selo: Independente

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Lupe de Lupe e Apeles

Ouça: Breu, Vai e Todo o Meu Empenho

8.6
8.6

Jair Naves: “Ofuscante a Beleza Que Eu Vejo”

Ano: 2022

Selo: Independente

Gênero: Rock

Para quem gosta de: Lupe de Lupe e Apeles

Ouça: Breu, Vai e Todo o Meu Empenho

/ Por: Cleber Facchi 10/06/2022

A raiva sempre foi encarada como um componente substancial na obra de Jair Naves. Está na crueza dos versos que marcam as criações do cantor e compositor mineiro em carreira solo ou mesmo nas canções do artista como principal articulador da Ludovic, vide o repertório entregue em álbuns como Servil (2004) e Idioma Morto (2006). Porém, ao mergulhar nas composições de Ofuscante a Beleza Que Eu Vejo (2022, Independente), quarto e mais recente registro autoral do músico, essa mesma raiva, tão presente, assume novos contornos, cresce de maneira descomunal e se projeta em uma abordagem claramente direcionada.

Deixa a televisão no mudo / Eu não suporto a voz desse demente / Deixa a televisão no mudo / Quem fez desse cretino um presidente?“, dispara em De Arder, terceira faixa do disco e uma representação clara de parte dos temas que busca desenvolver ao longo da obra. São canções que direcionam seu ódio para o nocivo governo de Jair Bolsonaro, discutem o avanço da extrema-direita no país e crescem como um acumulo natural das inquietações vividas nos últimos anos por qualquer indivíduo com um mínimo de lucidez. Instantes em que o Naves vai da busca por compreensão sobre aqueles que ajudaram a eleger Bolsonaro, em Morre Um Apaziguador/Nasce Um Saqueador (“Mostre algum arrependimento / Qualquer sinal de desilusão“) à raiva contra os que hoje tentam se desvincular, ponto de partida para a construção dos versos de O Dialeto (“Nem tenta tirar o corpo fora agora, você e o seus / Nem tenta tirar o corpo fora“).

Entretanto, quem há tempos acompanha a obra de Naves sabe que o músico mineiro dificilmente segue por uma via única. Assim como o registro que o antecede, Rente (2019), o artista parte de discussões políticas e pequenas reflexões sobre a nossa sociedade, porém, aporta em diferentes temáticas, utilizando de incontáveis atravessamentos que ampliam o próprio campo de atuação. Exemplo disso fica bastante evidente na introdutória Meu Calabouço (Tão Precioso É O Novo Dia), composição que transita por entre memórias, angústias e inquietações de forma particular, como um passeio torto pela mente do compositor.

Uma vez imerso nesse ambiente marcado pelo incessante fluxo de pensamento, Naves se aprofunda em temas como a morte, marca da delicada Vai (“Vai, se desprende de mim / Eu aguento / Não tem que doer mais do que já dói“), e charlatanismo, na turbulenta Que Em Mim Se Encerre (“Tantos vermes que se apresentam como uma reencarnação de Cristo“), sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma obra confusa. Canções regidas em essência pela força dos sentimentos e permanente entrega do artista, conceito que tem sido ampliado desde o primeiro trabalho do músico em carreira solo, o intenso E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas (2012).

Nada que prepare o ouvinte para o material apresentado por Naves na dolorosíssima Breu. Partindo de um texto descritivo sobre o processo de perda de visão enfrentado pelo próprio cachorro, o músico se aprofunda na temática da degradação dos sentidos de forma tocante. “A escuridão é tanta que eu nem sei se meus olhos estão abertos ou fechados“, canta. Mesmo quando se distancia momentaneamente desse lirismo angustiado, como na delicada Irrompe (É Quase Um Milagre Que Você Exista), o artista nunca perde a capacidade de sensibilizar e estreitar a relação com o público por meio dos próprios sentimentos.

Nesse sentido, Ofuscante a Beleza Que Eu Vejo cresce como um típico registro de Naves. Composições que orbitam um universo bastante particular, sempre ancoradas em momentos de maior vulnerabilidade, confissões e questões existenciais, como uma extensão natural de tudo aquilo que o cantor tem explorado em mais de duas décadas de carreira. A diferença está na forma como o artista se permite testar os próprios limites em estúdio. São experimentações sutis com a música eletrônica, efeitos e sobreposições que garantem maior profundidade ao material, conceito que tinge com incerteza e curiosidade a experiência do ouvinte até a derradeira Tão Precioso É O Novo Dia (Não Tem Mais Urgência Alguma).

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.